No dia 22 de dezembro de 1945 levantava voo pela primeira vez o Beechcraft modelo 35 Bonanza. Era o início de uma história que nem os mais otimistas (possivelmente nem mesmo o fundador da Beech Aircraft Corp., Walter Beech e sua esposa, Olive Ann Beech, que também foi a executiva-chefe da empresa a partir de 1950) vislumbrariam ter tamanha longevidade e viver até hoje.
As aeronaves de pequeno porte de uso civil do pós-guerra seguiam uma receita básica dos anos 30, consistindo no uso de grandes motores radiais de elevada cilindrada (e consumo, em especial, de óleo), trem de pouso convencional e em alguns casos, estrutura em tubos de aço e madeira revestidas (“entelada”) em tecido de algodão, como em um aeromodelo. Os representantes do pós-guerra dessa geração foram o Cessna 195 totalmente metálico e outro Beechcraft, o modelo 17 Staggerwing, um elegante biplano de estrutura em aço e madeira.
A equipe de projetistas da Beechcraft liderada por Ralph Harmon projetou um pequeno monoplano de 4 lugares, no estilo dos caças de guerra. Destacava-se por apresentar trem de pouso triciclo (o que facilitava muito a operação de taxiamento e pouso) e retrátil, a aerodinâmica refinada, o bom desempenho e a leveza de comandos aliados com consumo comedido e uma estrutura totalmente metálica formando um conjunto leve e compacto. A grande marca de estilo, todavia, ficou por conta da cauda em “V” no lugar do leme e do estabilizador cruciformes convencionais.
A cauda, ou empenagem, em “V” foi um modismo da época e objetivava a redução de arrasto aerodinâmico. Contudo, além da redução do arrasto, houve um incrível apelo estético e mercadológico que simboliza o Bonanza até hoje.
O motor era o Continental O-470 com 6 cilindros horizontais opostos arrefecido a ar, de 7,7 L e 185 hp (187,5 cv) a 2.300 rpm . Essa configuração rendia uma velocidade de cruzeiro de 148 knots (kt, nós, equivalente a 268 km/h) pesando pouco mais de 710 kg vazio e uma carga útil (passageiros, 150 litros de combustível e acessórios/equipamentos de navegação) de cerca de 540 kg. Sua autonomia máxima era de cerca de 900 quilômetros.
O concorrente direto do Beech 35 era o Cessna 195, um monoplano totalmente metálico de asa alta equipado com um motor radial Jacobs R-775-A2 de 7 cilindros, 300 hp (304 cv), 12,4 L. Contudo, vazio pesava 930 kg e a carga útil era de 590 kg, em grande parte comprometida pela quantidade de combustível necessária para alimentar o faminto radial (a capacidade dos tanques era de pouco mais de 300 litros de Avgas para uma autonomia máxima de cerca de 1.100 quilômetros). Tudo isso para voar à mesma velocidade do Beech.
O modelo 35 passou pelo processo de homologação em 1946 (exatos 70 anos) e no dia 25/3/1947 recebeu sua homologação, passando a ser comercializado logo em seguida. Desde o início o modelo se impôs no mercado aeronáutico como uma aeronave diferenciada, em virtude do seu desempenho superior, robustez e de sua interação com o piloto. Contudo, foram exatamente essas características que fizeram também vítimas: a empenagem em “V” apresenta características peculiares e uma precária estabilização da aeronave em turbulências, levando a aeronave a entrar em parafuso de difícil recuperação ou a leveza excessiva do manche em arfagem, ou oscilação longitudinal, como a dos navios, levando o piloto a sobrecarregar a estrutura da aeronave até o ponto de rompimento.
O resultado era sempre a queda da aeronave. Em virtude disso, o Bonanza de “cauda em V” sofreu, ao longo de sua vida, inúmeros aperfeiçoamentos (as versões – modelo 35, A35, B35 – quase sempre envolvendo detalhes estruturais) até atingir a sua forma definitiva, o famoso V35 de 1966, uma aeronave maior, mais potente (com 285 hp/288 cv), com maior capacidade de carga e acima de tudo, estrutural e aerodinamicamente melhorada em relação ao modelo 35 original.
Aproveitando-se das excepcionais características do Bonanza modelo 35, a Beechcraft pôde se utilizar de sua estrutura básica e desenvolver novos modelos para a família: o modelo 33 consiste em um modelo 35 dotado de cauda de projeto convencional, o modelo 36, a versão de 6 lugares além da família Baron, um bimotor que aproveita da seção central da fuselagem do modelo 36.
A robustez do Bonanza mostra a felicidade de seu projeto: para treinamento primário de pilotos da Força Aérea Americana, a Beech desenvolveu o modelo T-34 Mentor partindo do Bonanza modelo 35 (naturalmente que reforçado para manobras acrobáticas) e ainda certificou o Beech E/F-33C, uma versão homologada para manobras acrobáticas do modelo 33 com apenas pequenas diferenças em relação ao modelo não acrobático.
Atualmente devido à crise da aviação civil dos anos de 1980 e ao alto custo de manter uma aeronave, apenas o modelo 36 permanece em produção, em sua versão G36. O modelo 35 original saiu de linha em 1982 na versão V35 e o modelo 33, em 1994 (F33A).
Neste vídeo o piloto americano Jim Pietz faz exibições empregando um Bonanza F33C:
Um novíssimo Bonanza G36, uma evolução do 35 de 1945
(beechcraft.txtav.com)
FICHA TÉCNICA BONANZA G36 MODELO 2016) | |
MOTOR | |
Tipo | Continental IO-550B |
Potência (hp/rpm | 300/2.700 |
Hélice | Hartzell de velocidade constante, 3 pás, Ø 2,03 m |
DIMENSÕES (m) | |
Envergadura | 10,21 |
Comprimento | 8,38 |
Altura | 2,62 |
PESOS (kg) | |
Peso vazio | 1.191 |
Carga útil | 465 |
TANQUE DE COMBUSTÍVEL | |
Capacidade utilizável (L) | 280 |
Combustível | Avgas 100/130 |
DESEMPENHO | |
Teto de serviço (pés/m) | 18.500/5.369 (altitude máxima atingida, remanescendo uma razão de subida mínima de 100 pés/min) |
Velocidade de cruzeiro (kt/km/h) | 176/326 |
Alcance máximo (nm/km) | 920/1.704 |
Distância de decolagem (m) | 583 (com obstáculo de 50 pés/15 m) |
Distância de pouso (m) | 442 (com obstáculo de 50 pés/15 m) |
kt: nós; nm: milhas náuticas |