A cada quatro anos, ao ver o que os vereadores candidatos à reeleição fizeram no mandato anterior, vemos que a maioria das “realizações” se referem apenas à mudança de nomes a logradouros. Ou seja, ruas e avenidas. É claro que existe uma legislação específica para isso, que normatiza a cor de fundo, a letra, tudo mas como ela é municipal há coisas de todo tipo. Em São Paulo, as primeiras leis a esse respeito são da primeira década de 1800. Pela minha observação, há alguma flexibilidade, pois certamente os totens da avenida Paulista não estão escritos em tipo Helvética, como diz a legislação. Não tenho certeza se há algo quanto à colocação delas, pois não encontrei normatização e, novamente, a Paulista é um exemplo que que deve haver alguma amplitude na interpretação disto. E se existe lei, nem sempre é cumprida.
Em tempos de Waze acabo me guiando mais pela setinha do aplicativo do que pelo nome da rua onde ele manda eu virar. Pois, cadê a placa? Às vezes acho que se elas existem, fogem quando me aproximo de um cruzamento só para pregarem uma peça em mim. E o fazem com uma impressionante eficiência, diga-se.
Em viagens internacionais, então, a tortura é garantida. Especialmente na Europa. Nos cruzamentos na Espanha é frequente haver placa de apenas um lado da rua em vez dos dois a que estamos acostumados. E sempre, sempre, do lado contrário ao que eu estou. Ou seja, acabo descobrindo o nome depois que passei pela rua, quando vejo a placa pelo retrovisor… Também tem a questão da colocação. Geralmente, colados na parede da construção o que dificulta que sejam vistas. Mas acho que fica mais bonito do que os horrorosos postes fincados com apenas uma finalidade. Talvez se eles incluíssem lixeiras… Preocupa-me muito a questão estética em qualquer questão, especialmente numa cidade. Não basta que algo seja funcional, tem de ser bonito. E já que temos os horríveis postes segurando um emaranhado de fios de Deus sabe o quê, precisa ter postes de placas de alerta, velocidade e sinalização? Aliás, tem até poste apenas para sustentar os fios que formam verdadeiras “barrigas” entre um poste e outro. Certamente há opções dentro da lei, práticas e com algum apuro visual.
Acho legal quando a placa incorpora informações úteis, mas algumas acabam poluindo demais a placa (ver mais abaixo). Quando as ruas têm nomes engraçados, então… a farra é garantida. Comuns nas vielas da Espanha e Portugal e nas cidades mais antigas da Europa são motivo de muitas fotos nos meus álbuns. Na Espanha tem a rua dos Cuchilleros (seria algo como aqueles que fazem as facas, numa tradução para lá de livre). Em Santiago de Compostela tem a Praça das Pratarias porque era onde ficavam os ourives. Em Zagreb tem a Mesnicka ulica, a rua dos Açougueiros — mas aí a origem do nome é discutível. Uns dizem que era porque havia 12 estabelecimentos desse tipo e outros porque era lá que eram marcados os duelos — sangrentos, é claro. Adoro quando se colocam nomes assim nas ruas! Ajudam a entender a história, a aprendermos mais coisas e ainda por cima nos divertem. Sem mencionar que são aquelas que não esquecemos nunca.
Tem também uma forma totalmente diferente de nomear as ruas, como na Filadélfia, na Pensilvânia, EUA. À época da fundação não havia nomes próprios em ruas ou avenidas — ideia dos pioneiros da cidade, protestantes que não fazem homenagens pessoais. Assim, as ruas tem nomes como Rua da Castanheira, da Nogueira, do Mercado, do Porto ou mesmo indicação de sua localização, como Front Street, para indicar a rua que está defronte ao rio Delaware. Além dos números, tão comuns nos Estados Unidos. Assim tem a Rua Dois (Segunda, na verdade) e por aí vai. E por falar em nomes de ruas na terra do Tio Sam, já pensei em fotografar em cada cidade de lá somente placas de ruas com os nomes Elm e Chestnut. Daria para fazer um álbum bem parrudo. Sempre brinco que se você entrar num táxi em qualquer lugar dos Estados Unidos pode pedir para o motorista te levar para algum número de uma dessas ruas que certamente irá a algum lugar. Além dos mais populares Benjamin Franklin ou Thomas Jefferson. Mas isso não se aplica nas cidades fundadas por protestantes, como já disse. E, claro, com números a chance de existir uma rua chamada Três (ou Terceira, para ser mais precisa) é enorme. Só não chute números muito altos como 115 pois a cidade pode ser pequena…
Na Argentina isso serve para 25 de Maio, 9 de Julho, General San Martín. No Uruguai, diga firmemente que quer ir para a rua (bem, pode ser avenida, até mais provavelmente) General Artigas ou 18 de Julho. Na França os óbvios 14 de Julho, Voltaire, Napoleão Bonaparte. Mas se não conhece muito da história local, em Espanha e Portugal vá de nomes engraçados como Rua do Cotovelo, Rua da Forca ou coisas que lhe vierem à cabeça que é muito grande a chance dela realmente existir. Talvez tenha um segundo nome mais, digamos, recente, mas certamente o antigo é conhecido.
Em Québec tem a linda escadaria do Quebra Pescoço. Nunca soube se realmente tem outro nome, mas se tiver é pouco conhecido. O nome é bastante óbvio, pois é uma escadaria deveras íngreme. Se lembrarmos que lá faz um frio absurdo uns 8 meses por ano (portanto neve, gelo, etc), faz muito sentido que tenha esse nome.
Tem também os nomes que tem outra conotação para nós, mas pouparei o leitor de ficar vermelho com alguns exemplos. Tem os absolutamente impronunciáveis para nós. Na África do Sul os nomes de origem zulu, xhosa ou mesmo africâner para mim eram como ler algo em cirílico. Sem falar na minha pronúncia, que era absolutamente errada e dificultava a compreensão. E ainda tem as mudanças de nomes de ruas da época do apartheid para outros que não lembrem esse triste capítulo da história. Hans Strijdom Drive virou Malibongwe Drive. Para mim, que não falo holandês, africâner nem nenhum idioma africano, a dificuldade continuou a mesma. Nada que um pouco e boa vontade não superasse. Na República Checa (foto de abertura), então… não conseguia nem pronunciar nem lembrar o nome das ruas. Nem são nomes longos, mas como dizer “K?ížovnická”? Como todo idioma em que o acento não tem função tônica, como fazer? E dá-lhe mapa, celular e cara de pau.
Teve uma viagem que fiz com meu marido de carro quando, depois de algumas semanas na Alemanha, fomos para a Holanda. Aleluia! As vogais que não tínhamos na Alemanha apareceram todinhas de uma vez no país dos tamancos. Mas aí eram tantas “aa”, que voltávamos ao dilema de que todas as palavras se pareciam. Scheepstimmermanstraat era perto de Tweede Egelantiersdwarsstraat? E para complicar ainda mais a mesma rua muda de nome varias vezes, como no Brasil. Nassaukade – Stadhouderskade – Mauritskade é na verdade uma rua só. Mesmo caso de Raadhuistraat-Rozengracht-De Clerqstraat. Então, tá…
Mas o que seria das férias se não tivéssemos histórias assim para contar? Se não fosse a falta de placas em Sevilha talvez tivesse deixado de ir à Feira da Saúde, um evento que apesar do nome pouco animador é fantástico e ao qual as pessoas vão com roupas típicas andaluzas, inclusive em cavalos andaluzes. Por falta de placas, passamos por duas ruas onde deveríamos ter virado a caminho do hotel e, claro, meu lado feminino falou mais alto e pedi para meu marido parar e eu desci para perguntar. Tímida como sou, aproveitei para saber porque havíamos cruzado com uma mulher vestida com roupa de flamenco uns quarteirões antes. Pronto! Tive a ficha completa da feira, horários, dicas de onde experimentar comidas típicas… passamos um lindíssimo final de dia na tal feira graças à falta de um par de placas com nomes de ruas.
Mudando de assunto: Tenho alguns amigos/conhecidos que bateram palmas ao fechamento da avenida Paulista para os carros aos domingos e ainda queriam mais fechamentos e até mesmo interdição definitiva e não apenas um dia por semana. O argumento era o mesmo que o da Prefeitura, que “temos que nos apropriar das ruas”, fazer uma cidade mais amigável para os pedestres e ciclistas, reduzir a velocidade das coisas, etc.,etc., etc. Desconsideraram argumentos de que na região há muitos hospitais, que o trânsito ficaria pior no entorno e ainda que isso afetasse os ônibus também ou ainda que havia muitos parques mais adequados para esse tipo de lazer que deveriam ser recuperados. Toda prioridade aos pedestres e ciclistas e demonização dos carros. Estranhei que os mesmos amigos/conhecidos nunca reclamaram do trânsito e dos inconvenientes de passeatas que saem pelas ruas da capital a qualquer momento e sem comunicar às autoridades de trânsito — notadamente em dia de semana e em horários úteis e logo no encerramento das atividades, quando a maioria está tentando voltar para casa. O argumento era o mesmo, apropriar-se das ruas. Pois bem, algumas dessas mesmas pessoas postaram reclamações sobre os congestionamentos de sábado passado na cidade por causa dos blocos de carnaval. Independentemente de se gostar ou não dos blocos, o percurso deles foi amplamente divulgado e trajetos de ônibus foram alterados o que me faz prever que quem reclamava do trânsito estava num carro particular. Houve problemas? Sim e acho que muitas coisas poderiam ter sido melhores mas, ué? Não era para a sociedade “se apropriar” das ruas? Quando o faz, com data e local marcados, essas mesmas pessoas reclamam? Ah, mas agora é outra gestão municipal…
NG