Criatividade do brasileiro acompanha a evolução tecnológica das fábricas e continua trapaceando os motoristas.
Quanto mais tecnologia se aplica no automóvel, mais as técnicas de picaretagem se modernizam. No passado, as lojas de acessórios ofereciam rústicos equipamentos mecânicos ou elétricos para reduzir consumo, aumentar desempenho e outras “mágicas”.
Agora, os picaretas se adequaram à tecnologia eletrônica: automóveis fabricados desde 2010 devem ter — obrigatoriamente — debaixo do painel (foto), uma caixa cheia de pininhos conectados à central eletrônica e que fornecem informações valiosas para se diagnosticar possíveis irregularidades de funcionamento do motor. A causa do problema pode estar em algum sensor da central, no catalisador ou algum outro componente eletrônico. Ele detecta também a emissão de gases nocivos pelo escapamento acima dos limites legais. O sistema é chamado de OBD2, iniciais em inglês de “On Board Diagnosis”: diagnóstico feito a partir de informações disponíveis numa tela de scanner. Quando a oficina encaixa o cabo do computador no OBD, surge na tela a descrição de possíveis defeitos e irregularidades e até quais componentes devem eventualmente ser substituídos para a correção do problema.
Os picaretas eletrônicos não perderam tempo e lançaram no mercado “economizadores” tão sofisticados que se valem do sistema OBD. O fabricante anuncia que, ao encaixá-lo no OBD, o aparelho interfere na central eletrônica, altera a regulagem do motor e reduz em até 15% o consumo de combustível. Um deles é o “ECO OBD2” e a revista Quatro Rodas teve a boa ideia de testá-lo na pista. Sempre no mesmo carro e mesmo circuito, rodou com e sem o aparelhinho e não se registrou economia nenhuma. O consumo foi exatamente o mesmo nas duas situações. Aparelhos “mágicos” não fazem mágica: fossem mesmo capazes de reduzir o consumo de combustível e as fábricas de automóveis correriam atrás deles.
Mas “mágica” é o que não falta no mercado. Existe um outro dispositivo que se acopla ao acelerador eletrônico do automóvel (“drive-by-wire”) e que promete melhorar seu desempenho. Instalado, o motorista é capaz de jurar que houve mesmo ganho com o aparelho. Mero truque: o dispositivo não faz nada além de interferir no potenciômetro do acelerador, enviando para o sistema de injeção uma informação distorcida. O motorista aperta o pedal até a metade do curso, mas o aparelho “vitamina” o pedal para a central pensar que foi apertado até 75% do curso. Claro que o motorista vai achar que o carro ganhou desempenho. Só não tem jeito de enganar quando o pedal é pisado no fundo: aí não tem mais como aumentar ficticiamente o curso…
Outra grande enganação é a troca de chip para “aumentar o desempenho”. O mecânico substitui o original de fábrica na central eletrônica por um outro que muda o mapeamento da injeção. O motor pode até ganhar algum — nada significativo — desempenho de fato, mas a custa de um aumento desproporcional de consumo e emissões, não informado previamente, ao dono do carro. O mapa de funcionamento da injeção é exaustivamente analisado e testado pela fábrica do automóvel e instala um chip que oferece melhor a relação consumo-desempenho entre centenas de opções. Dá para alterar, mas o carro só não é apreendido pois ainda não existe inspeção veicular no Brasil para detectar o elevado índice de emissões. A rigor, dá para “vitaminar” o carro de fato e honestamente: no caso do motor turbo, as oficinas interferem na pressão do turbo e o motor ganha muitos cavalinhos sem prejuízo de consumo e emissões.
Alguns mecânicos anunciam a “conversão” do motor a gasolina para flex. A partir de um dispositivo que interfere no sensor de temperatura e faz a central eletrônica “pensar” que a água está fria. Ela aumenta então o volume de combustível, o que permite o motor queimar também o etanol.
De tirar o chapéu, a criatividade do brasileiro…
BF