Com alegria apresento um causo enviado por um leitor da minha coluna, o Nilton Luís Rodrigues. Ele relata uma sucessão de problemas ocorridos quando ele fez uma viagem com seu Fusca de Mogi Guaçu a São José dos Campos, cidades do interior paulista distantes 200 km entre si, e não foi só o azar que pontuou neste causo, artimanhas complicaram bem o que ocorreu no caminho de volta.
O Nilton inicia o seu causo cumprimentando os leitores do AUTOentusiastas e afirmando que “o caso que eu vou relatar, ocorrido comigo há aproximadamente 20 anos, é verídico”. Eis o seu relato.
PONTUALIDADE QUASE BRITÂNICA
Por Nilton Luís Rodrigues
Era 1996 e eu trabalhava na área do comércio no interior paulista, mais especificamente em Mogi Guaçu, e certa vez precisei ir até São José dos Campos (cerca de 200 km de distância) tratar de alguns assuntos relacionados ao comércio.
Naquela época eu dispunha de dois veículos, um Fusca 1967 e uma Caravan Comodoro 1989, e como o Fusca era meu “xodó” (com direito ao interior todo no padrão “marfim”, uma motorização mais moderna, com alternador e ignição eletrônica além de contar com 1600 cm³ e carburação dupla, fora o fato de ser eu seu segundo dono!) não pensei duas vezes: vou de Fusca! Tenho tempo e assim aproveito e uno o útil ao agradável, desfruto o prazer de guiá-lo enquanto corro atrás das obrigações…
Ida absolutamente tranquila, trajeto cumprido no tempo estimado, nenhuma surpresa, havia chegado até com alguma margem extra de tempo (auxiliado obviamente pela menor quantidade de radares da época), tudo ok!
Preparava-me para reabastecer o Fusquinha para o retorno, quando ao sair tranquilamente de uma curva ouvi um barulho metálico vindo indiscutivelmente do motor, desliguei-o imediatamente e encostei no primeiro espaço possível, imediatamente veio-me à mente: Hum… lascou, e lascou de verdade!
Vou ao compartimento do motor e vejo o filtro de ar do lado direito caído, num canto entre a lataria do motor e a lateral interna do para-lama, a sua porca de fixação. Muita procura depois e nada da danada da arruela respectiva… bato na partida para conferência e o “tec/tec” se faz presente… É, essa infeliz foi parar lá dentro… Diabos!
Não bastasse estar longe de qualquer mecânico conhecido, a tarde já estava avançada, e ainda para ajudar era uma sexta-feira… começa o “check-list” mental de opções:
Deixo o carro aqui, volto de ônibus e amanhã venho com o mecânico? Sem chance, não vou largar meu Fusquinha aqui numa rua qualquer sem alarme nem nada… Se fizer isso vou achar dois terços ou metade quando voltar!
Arranjo uma hospedagem o mais perto possível, arrasto o carro para lá e amanhã saio pela cidade atrás de um mecânico? Não, putz, amanhã é sábado! Como eu vou arranjar um mecânico num lugar que eu não conheço num sábado???
Podia falar para o cunhado (que trabalhava comigo na época), dar uma passada no mecânico e trazê-lo, hum… será que ele vem? Nem que eu pague a estadia de ambos, vale a tentativa.
Ligação feita e em 10 minutos me liga de volta o cunhado: não dá, o mecânico foi para sítio e só volta domingo à tarde… E agora?
Nesse momento veio o “estalo” (aquela ideia que parece ‘iluminadamente’ fabulosa):
Cara, ele tem um cambão na oficina! Volta lá, pega o cambão emprestado, põe ele na Caravan e venha para cá!
Assim engataríamos um carro ao outro, rebocaríamos o Fusca, até podíamos chegar de volta a Mogi Guaçu ainda na sexta-feira a tempo de comer um frango frito, tomar uma gelada para comemorar “O resgate do soldado Volks” e segunda-feira, na primeira hora, o Fusca estaria na oficina. Bingo!
Tudo certo, tudo combinado, o cunhado a caminho e começa a espera… alguns refrigerantes e menos de duas horas depois ele chega com a tralha toda e uma má notícia: “Cara, tomei uma multa de excesso de velocidade vindo, não queria chegar muito tarde porque ainda temos que voltar…”
Tá, dane-se, não vou esquentar a cabeça com isso, deixa que essa fica por minha conta.
Ajeita o cambão daqui, prende a corrente dali, confere tudo e estávamos prontos para encarar a viagem de volta algum tempo após o anoitecer. Pouco antes de sairmos meu cunhado comenta comigo: “Vou tentar manter um ritmo bom, mas tranquilo, para não nos arriscarmos e não nos arrastarmos também, quero tentar passar naquele posto policial por volta das 20 horas.”
Ok, combinado… Qualquer coisa eu lhe dou um facho de farol alto e você encosta.
Pegamos a estrada e tudo corria (ou melhor, andava) às mil maravilhas, quando lá por perto das 20 horas vejo que ele aciona rapidamente o pisca-alerta e que há uma iluminação na borda da pista. Penso imediatamente: Opa, é o posto policial, como a estrada está absolutamente deserta, quando chegarmos um pouco mais próximo vou apagar a lanterna para passarmos mais discretamente e a religo assim que passarmos.
Nem deu tempo. Faltavam alguns bons metros quando vi o oficial apontando para a Caravan com uma mão e para o acostamento com a outra…
Confesso que me bateu um estranhamento e um leve desespero: Caracas, mesmo com essa estrada vazia o policial está de pé na beira da rodovia ‘olhando o movimento’??? Xi…, agora é que a coisa ‘enrosca’ de vez!!
Encostamos, documentos entregues, devidamente verificadas, vem o veredito do policial: a documentação está toda ok, porém terei de multá-los pelo reboque inadequado e vocês não poderão seguir viagem desta maneira!
— Mas, oficial, estamos usando o cambão, e… — arrisco eu, mas o assunto é sacramentado.
— O cambão só pode ser usado em vias urbanas, como é noite e vocês ainda têm um longo trajeto, não posso deixar vocês seguirem, infelizmente.
Me vem o segundo estranhamento, pois não havia sido feita menção de para onde iríamos… Bom, vai ver que ele concluiu pelas placas dos carros. É, faz todo sentido. Mas ele sequer perguntou…
Saio do posto policial e vejo meu cunhado com uma inconsolável expressão de pesar. Vou falar com ele e as coisas finalmente começam a se conectar.
— O que houve cara? Essas coisas acontecem!
— É que eu devia saber…
— Ãh… saber do quê? (momento ‘ups’)
— Que o “maledetto” guarda ia estar nos esperando, pô!
— Como assim? Tá louco? Como ele poderia saber?
— Então, lembra que eu te disse que tomei a multa por excesso de velocidade aqui?
— Tá, e daí?
— E daí que o guarda que me multou viu o cambão dentro da Caravan e me perguntou para onde eu ia com ele e eu lhe contei toda a história
— Putz, cara! Mesmo assim como é que ele ia saber a que horas passaríamos por aqui? Não tem como, ele não ia virar a noite à beira da rodovia nos esperando, esquece!
— Não… ele sabia que íamos passar mais ou menos a essa hora, lembra que eu comentei que queria passar por aqui perto das 20 horas? Então, foi o horário que o outro oficial me aconselhou a passar me dizendo ser a hora da “troca da guarda” e que não haveria ninguém na fiscalização de pista!
— Sério? (*&¨%$#@! — esbravejo eu compreendo finalmente o ocorrido…
Ou seja, muito provavelmente protagonizamos a primeira multa com hora marcada da história (pelo menos que eu tenha notícia)! A essa altura eu já estava na dúvida entre enforcar ou arrastar o cunhado pela estrada com o cambão (preferia o que fosse doer mais…). Mas como isso não resolveria o caso, volto eu à mureta do posto rodoviário para queimar a mente.
Só tem uma saída: o seguro da Caravan tem guincho. Vou ter de chamar o guincho deles… Caracas não gosto disso, mas que opções eu tenho? No mais o carro está aqui mesmo, e situações desesperadoras pedem medidas desesperadas!
E assim foi feito, cerca de meia hora depois o guincho estava lá, o Fusca colocado na plataforma e o cunhado comboiando o guincho, pois (obviamente) o motorista não sabia o caminho, e duas horas mais tarde estávamos em Mogi Guaçu, finalmente comendo o dito cujo do frango frito e tomando uma gelada… (mas eu ainda queria esganá-lo, posso garantir!)
Vamos apresentar o Nilton Luís Rodrigues, que disse ter mais causos para compartilhar conosco:
Ele tem 43 anos de idade, é paulistano, casado desde 1995 com Ariane e pai de Matheus (às vésperas de fazer 18 e conquistar a sua habilitação) que cursa Mecânica (Modalidade Projetos – Fatec/SP).
O Nilton é projetista em Autocad, e se autoproclama “carrólatra”. Aos 10 ou 11 anos ele já ficava atento vendo o pai guiar para tentar desvendar “como é que se comanda aquilo”. Mora desde 2007 em São Paulo, mas já residiu tanto no interior de São Paulo quanto no estado de Santa Catarina.
Ele escolheu como primeiro carro, em 1991 aos 18 anos, um Opala 1978 (presente de seu pai e para o desespero dele, pois eles teriam que dividir a mesma — e algo apertada — garagem).
Além desse Opala, em matéria de veículos antigos, ele teve um Fusca 1968, o 1967 citado na matéria, uma picape C10 1975 e mais recentemente um Escort XR3 1985 (sonho da adolescência) e agora ele está sonhando em novamente fazer parte desse “mundo” antigomobilista.
AG
Agradeço ao Nilton Luís Rodrigues pelo envio deste causo, mais um enviado por um assíduo leitor desta coluna. Continuo aberto a todos que quiserem enviar seus causos para análise e eventual aproveitamento (para tanto passo o e-mail: alexander.gromow@autoentusiastas.com.br). Estes causos formam um interessante acervo de relatos que descrevem acontecimentos do tempo em que os Fuscas e as Kombis dominavam o cenário automobilístico brasileiro, a assim chamada Era de Ouro desses carros.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.