Como o leitor está cansado de saber, aqui no AE nós adoramos as peruas. Isso por uma série de razões, como sua graça e beleza, equilíbrio das linhas, versatilidade proporcionada por grande porta-malas e, principalmente, pelo comportamento dinâmico e dirigibilidade, em alguns casos até melhores que os sedãs que as originam. São carros mais voltados para a família mas que não levam os estereótipos de “carro de tiozão” dos sedãs ou de “carro da mamãe” das minivans. Qualquer autoentusiasta que se preze tem algum nível de atração por peruas. Mas na prática, para a população geral, o desejo maior é nitidamente por suves.
Sem pretender entrar muito no detalhe sobre a origem ou os primeiros suves, nomeando modelos e exemplos, sabemos que o termo SUV, Sport Utility Vehicle, veículo utilitário esporte — esporte no sentido de lazer—, originalmente se referia a grandes peruas quase sempre originadas de picapes e usando carroceria sobre chassis, e na maioria das vezes com uma grande capacidade fora-de-estrada e tração 4×4. Em resumo, eram carros grandes e até desajeitados, com ajustes de suspensão incomparavelmente piores que sedãs ou carros comuns; gastadores de combustível e caríssimos. Mas apresentavam uma grande versatilidade. Nos anos 1990 houve uma explosão na sua popularidade, iniciada ainda nos anos ’70.
Nos Estados Unidos, com espaço de sobra tanto nas vias quanto nos estacionamentos, motores grandes e gasolina barata, o desejo pelos grandalhões foi só aumentando. Os fabricantes que tinham picapes na sua linha certamente tinham suves também. Porém, os que não as tinham usaram a criatividade e criaram as peruas com suspensão elevada e capacidade fora-de-estrada, com ou sem tração 4×4. Um bom exemplo e talvez o primeiro desse gênero foi o AMC Eagle, já nos anos 80. Mais tarde apareceu o Subaru Outback, uma perua Legacy levantada, e aqui no Brasil a Palio Weekend Adventure (antes, como carro conceito, houve a Chevrolet Tonga 2). Audi Allroad, Volvo XC70 e algumas outras também apareceram, mas apesar de suas qualidades nunca fizeram sucesso.
Aqui no Brasil, com reabertura do mercado em 1990 (fechado desde 1976), os quarentões e acima se lembram bem do sucesso ou símbolo de desejo que se tornaram o Grand Cherokee Limited, com seus detalhes dourados (mais tardes copiados pela GM no Blazer Executive) e do Nissan Pathfinder, com sua capacidade fora-de-estrada e aura de indestrutível. Eu me lembro bem que esses dois modelos, já naquela época, eram tão desejados quanto os BMW E36.
Com uma boa dose de versatilidade, as minivans também fizeram muito sucesso nos EUA. Porém, sem o menor apelo visual ou representando nada mais que um meio de transporte com mais lugares do que os cinco habituais, foram estigmatizadas como “carros de mamãe”, apesar de excelentes tentativas de proporcionar alguma emoção com desenhos mais arrojados de alguns fabricantes. No Brasil foram uma grande aposta nos anos 2000, com Chevrolet Zafira, Renault Scénic e Citroën Picasso, mais tarde com Chevrolet Meriva e Fiat Idea e bem depois a Nissan Livina. Mas hoje a única representante é a Chevrolet Spin, praticamente usada por taxistas, e sua versão suvenizada Activ. Então acho que nem devemos perder tempo com minivans. Tchau, queridas!
A partir dos anos 2000 começou a se popularizar o termo em inglês crossover, no sentido de cruzamento de raças no mundo animal, para categorizar modelos que reúnem — cruzam — qualidades de peruas, minivans e suves. Ou simplesmente modelos que não se enquadram em nenhuma dessas categorias. O fato é que os humanos e, principalmente, os marqueteiros adoram classificar as coisas. Mas embora para termos regulatórios haja a necessidade de critérios mais técnicos para classificação, muitos modelos ficam numa zona cinza e aí boa parte deles são chamados de suves. A GM faz a distinção entre suves e crossovers, sendo os primeiros com carroceria sobre chassis e os crossovers, com construção monobloco.
A suvenização não é um fenômeno tipicamente brasileiro como muita gente acha. Aliás, grande parte dos brasileiros tem um grande “complexo de vira-latas” e vive dizendo que brasileiro é isso ou aquilo, um povo inferior, etc. Não concordo. Principalmente nesse caso de paixão por suves. A Mercedes-Benz, por exemplo, posiciona que seu GLA como suve. É, de fato, um suve?
https://youtu.be/5Ax45-TDVbM
Suves são o que o mercado pede. Só que o conceito ficou muito aberto e para ser chamado de suve basta ter uma suspensão elevada e pronto. Alguns modelos são muito polêmicos, como o WR-V da Honda. Certo, sabemos que é um Fit. Mas ao menos a Honda se esforçou para dar uma nova identidade ao modelo, caprichando muito na suspensão e com um visual diferente. Bem melhor que a tentativa anterior, o Fit Twist. Pode ser chamado de suve? Talvez não. Ou sim?! Depende da interpretação.
Os consumidores desejam carros mais altos, seja pela impressão de segurança proporcionada pela visibilidade — pelo menos enquanto os suves não predominarem — ou pelo porte (mesmo que em alguns casos pela sensação de porte), suspensões mais robustas e elevadas para enfrentar a buraqueira que conhecemos (e fugir de eventuais enchentes) e um desenho mais robusto e resistente (mesmo que a resistência seja apenas aparência). Junte-se a isso uma grande tampa traseira (hatch) e bancos rebatíveis para aumentar as possibilidades de uso como nos hatches e peruas, e assim temos um pacote muito atraente e versátil. E os novos motores, mais eficientes, e a construção monobloco, ajudaram na economia de combustível e no conforto. Poucos tem tração 4×4, mas ainda assim têm uma boa desenvoltura em terrenos um pouco mais difíceis.
Mas autoentusiastas gostam de carros esporte! Sim, mas em carro esporte não se leva família. Assim nasceu a ideia mais estranha possível; um suve Porsche. Pronto, Cayenne, um sucesso absoluto, vendas superaram em muito as expectativas da fábrica, apesar dos apreciadores da marca de Stuttgart/Zuffenhausen não terem gostado nada da ideia. E na sequência, decorridos alguns anos, o Macan, o Porsche mais vendido hoje. Recentemente dirigi o Macan, o Jaguar F-Pace e o Mercedes-Benz GLC, todos são extremamente empolgantes! E muitos outros também são. Tenho muita vontade de testar o novíssimo Alfa Romeo Stelvio Quadrifoglio — mas menos que o sedã Giulia Quadrifoglio!
Nós aqui no AE, eu, Bob, Arnaldo e Juvenal discutimos muito sobre os carros que testamos, e nosso consenso é que a suspensão e as características dinâmicas da maioria dos suves modernos, principalmente esses suves mais urbanos, melhoraram muito. Já transmitem uma boa relação segurança-conforto. São bem apropriados para uma condução comportada com e a família a bordo.
Foi essa percepção de melhoria, aliada às características já mencionada. que me levaram a escolher justamente um suve para minha recente viagem. E eu, apesar de desejar ter um hot hatch na minha garagem, ou algo tipo um Charger ’69 ou um Hellcat, me vi com um dilema existencial!
De qualquer modo, os suves vieram para ficar e com certeza conquistarão cada vez mais espaço no mercado. Muitas marcas estão de certa forma se aproveitando ou abusando do termo. Eu já pensei muito sobre como classificar alguns modelos como o Mercedes GLA, o Honda WR-V, o Peugeot 2008 e o novo Renault Kwid, entre outros, todos mercadologicamente enquadrados como suves. Pensei em usar suve apenas para modelos com carroceria sobre chassis como o Toyota SW4 , por exemplo (e como a GM faz). Ou apenas modelos que tivessem tração 4×4. Ou ainda com altura do solo acima de 200 mm ou altura do assento acima de 400 mm. Ou somente os modelos com cara/formato mais quadradões e com robustez além da aparência.
Como pode um Duster e um Captur estarem no mesmo segmento? O próprio nome crossover eu acho interessante, mas ele também é um pouco vago. Pensei em chamar o Captur de super-hatch, assim como também os recentes HR-V, Kicks, Creta e outros. Ou talvez de suves urbanos.
No final, o nome ou classificação não importa muito. Mais vale o “jeitão” e as capacidades dos modelos. Muitos se queixam que os fabricantes podem estar se aproveitando dessa onda. Não vejo dessa forma. Vejo que os consumidores se encantaram com esse conjunto de características. Há modelos que se aproximam mais de um “suve autêntico” e outros menos. E quanto mais autêntico, mais caro. Os consumidores, cada um individualmente, sabem o que desejam e qual o peso para cada característica. E podem nem estar muito preocupados com o rótulo.
Para concluir, acho mesmo que esse conjunto de características dos chamados suves modernos atende às necessidades e desejos da grande massa. E assim vamos ver cada vez mais suves nas ruas. E cada vez mais diferentes e inclassificáveis, como esse novo conceito da Chevrolet, uma espécie de Camaro suve.
Talvez a imagem de um suve passe a ser usada para representar um carro moderno, substituindo o sedã.
Suve, você ainda vai ter um! E provavelmente vai gostar muito! Em todo caso: #savethewagons.
PK