Brasileiro não dá pelota para segurança, pois acredita que acidente só acontece com os outros.
O Latin NCAP, entidade independente do Uruguai, realiza testes de impacto (crash tests) para definir o índice de proteção dos ocupantes dos automóveis comercializados na América Latina, inclusive no Brasil. E os classifica de acordo com o critério das estrelas: de zero a cinco de acordo com o estrago feito nos bonecos que simulam motorista e passageiros.
Nos testes de impactos frontais já realizados, carros produzidos no Brasil estão evoluindo para atingir padrões internacionais de segurança. Vários foram contemplados com cinco estrelas. Mas o Latin NCAP não tem infraestrutura própria: os carros são enviados para o Euro NCAP, órgão que faz esta avaliação na Europa.
O Chevrolet Onix, o carro mais vendido do Brasil, foi um dos primeiros a sofrer simulação de impactos laterais. E tomou bomba: zero estrela (nenhuma proteção) para o adulto (banco dianteiro) e três para crianças no traseiro. A GM, em resposta, divulgou nota amorfa que nada acrescenta.
O Proteste, entidade brasileira de defesa do consumidor, correu ao Ministério Público para solicitar a interrupção de suas vendas. Pura bravata, pois o Ônix se enquadra nas exigências de segurança estabelecidas pelo governo brasileiro. Para proibir suas vendas, só se caracterizada sua ilegalidade. Mas, a bravata pode também ser um alerta e sensibilizar as autoridades a se preocupar com a segurança veicular. Um assunto que, no Brasil, ainda é um festival de trapalhadas onde ninguém se entende: Latin NCAP, Proteste, governo, fábricas e usuários.
O Latin NCAP avalia de acordo com padrões europeus. No momento do impacto frontal, por exemplo, o carro deve estar a 56 km/h de acordo com a nossa legislação. Na Europa, a velocidade é bem superior, de 64 km/h. Enquanto o padrão europeu é respeitado em todos os países da região, na América Latina, ao contrário, não há uma uniformidade nas regras. Recentemente a Ford Ranger tomou bomba no teste e a fábrica protestou. O Latin NCAP, depois do estrago feito, explicou que o modelo avaliado não era o brasileiro…
Como nosso governo é omisso e muitas vezes o lobby fala mais alto, equipamentos de segurança exigidos há muitos anos pelo Primeiro Mundo ainda não são obrigatórios no Brasil. A legislação argentina supera a brasileira pois já exige o (simples) dispositivo de proteção infantil, o engate Isofix. Acredite se quiser: o Fiat Mobi exportado para o país vizinho conta com ele, mas não equipa os modelos do nosso mercado. Por que o Proteste não pôs igualmente a boca no trombone?
Questionados, nossos fabricantes alegam respeitar a legislação. Se o projeto vem pronto da matriz e supera o que pede a lei brasileira, tanto melhor. Mas, várias fábricas já “desinvestiram” para excluir do modelo brasileiro dispositivos de segurança que constavam do projeto original.
Como se afere o nível de proteção dos automóveis comercializados no Brasil? Cabe ao governo homologar entidades para realizar os testes e certificar os fabricantes. Mas, como nada disso foi providenciado, as fábricas de automóveis se autocertificam. Ou seja, fazem os testes em seus próprios laboratórios e registram os resultados junto ao governo. Ou se utilizam de entidades homologadas no exterior para certificarem seus automóveis. Que não é, definitivamente, uma solução confiável.
No fundo, no fundo, um dos maiores responsáveis pela insegurança de nossos carros é o próprio motorista. A grande maioria só demonstra preocupação com o assunto quando questionado em pesquisas de mercado. Na hora do “pega p’ra capar”, no showroom da concessionária, sua opção é pela roda de liga, couro e som de última geração. Ou, será que, numa guinada de 180º, pode-se prever que as vendas do Ônix sofreriam impacto depois do lateral aplicado pelo Latin NCAP em que tomou bomba?
Brasileiro não dá pelota para segurança: vale o carro bonitinho, de baixo consumo e bom valor de revenda, pois acredita que acidente só acontece com os outros. E jornalista que aponta os riscos num automóvel inseguro é taxado de “bicho agourento”.
BF