Mais um veículo que nos faz pensar muito. Até poucos anos, picape Volkswagen era apenas Saveiro. Ninguém podia pensar em outra. Mas como diz a propaganda do up!, “desachando” que VW não era marca de veículo comercial, os caminhões começaram a aparecer cada vez mais, e depois de algumas décadas no mercado, não havia por que não pensar em uma picape com o conhecido emblema das duas letras superpostas na grade dianteira.
De acordo com a concorrência e seu campo de atuação, veio a ser escolhido o tamanho médio, entre Saveiro e suas concorrentes, e as grandes (full-size nos EUA), nossas antigas D-20, F-1000 e as menos antigas Silverado e F-250. Uma área de mercado bem movimentada, com a S10 e a Ranger, além de Mitsubishi L-200 e Hilux. Concorrentes fortes no Brasil.
Mas a Amarok seria um projeto global, e assim, liderado pela matriz, foi apresentado o conceito Robust em 2008, e já era praticamente idêntico ao carro de produção que veio em 2010, exceto por detalhes e configurações de componentes. De se notar o fato de a arquitetura utilizar o conceito de chassis e carroceria separados, como nas concorrentes citadas, e diferente da Fiat Toro e Renault Oroch, que são monobloco.
Quando a Amarok chegou ao Brasil (é fabricada na Argentina), as opiniões foram um pouco brandas, pois seu estilo é discreto e sem exageros, sendo muito mais um veículo profissional do que as concorrentes, que abusam mais de desenhos ousados. Isso porém, a faz ter uma aparência bastante robusta — será que o nome de conceito era por isso mesmo? — quando vista de qualquer ângulo, e acaba agradando com o passar do tempo de convívio, como aquela pessoa discreta, pouco festeira, mas que vai se tornando mais e mais amiga conforme o tempo passa.
O nome escolhido para a picape Volkswagen é interessante. Na mitologia do povo Inuit, habitantes milenares das regiões frias do hemisfério norte, principalmente Canadá e Groenlândia, o Amarok é um lobo gigante, caçador noturno solitário, que ataca suas vítimas para devorá-las, principalmente os caçadores. Age como um protetor dos animais vítimas de caçadores, mais ou menos um anjo da guarda ecológico.
Depois de meu primeiro contato com a Amarok em novembro do ano passado, quando foi apresentado o modelo 2017 com alterações interessantes, me surpreendi com o funcionamento geral do carro, achando-o muito bom de dirigir, com uma faixa de potência muito bem distribuída, mas apesar de ter andado quase todo tempo em rodovia de pistas bem conservadas, percebi um sacolejar resultante de suspensão de veículo de carga, que trabalha na ponta dos cascos com apenas pessoas a bordo, mas que fica menos saltitante com sua carga máxima ou perto disso.
De início destacam-se a cor exclusiva da versão Extreme, a azul Ravenna, e as rodas de 20 polegadas, além da barra sobre a caçamba, envolvendo o vidro traseiro: esses são os principais pontos de diferenciação da Extreme em relação à Highline, a topo de linha. O carro chama atenção ao extremo (sem trocadilhos), com um azul de tonalidade muito bem escolhida. Chega a tornar quase invisível os carros prata e pretos, mesmo se for outra Amarok.
Por dentro, o couro dos bancos na Extreme é diferente da Highline, de aparência e toque muito bons, sem brilhos e macios. A tela do sistema multimídia é a Premium Color. Se as diferenças em relação ao modelo Highline são poucas, no uso normal a lógica mostra que não precisa mais do que isso. Na verdade, as rodas na medida empregada são maiores do que o necessário.
O painel tem seu corpo principal renovado, e é bastante agradável e muito mais parecido com os de carros, fugindo totalmente do desenho anterior. Apesar de não ser macio na parte superior, o visual da textura é bom, sem aparência de plástico barato.
Viajar longamente com a Amarok é um passatempo e não missão, ótimo para quem gosta de veículos grandes, além de motores diesel moderníssimos. Nada fica faltando com esse motor se não se quiser um desempenho de carro rápido. Com os 180 cv de potência máxima a 4.000 rpm é possível andar tranquilo no trânsito para-anda das cidades, saindo em semáforos mais ligeiro que a maioria dos carro leves, fazendo bom uso do torque máximo de 42,8 m·kgf a apenas 1.750 rpm que já proporciona 105 cv a essa baixa rotação. Na estrada, velocidade de cruzeiro de 120 km/h, ou pouco mais, são mantidas com facilidade incrível, a uma rotação pouco acima de 2.000 rpm.
A velocidade máxima declarada pela fábrica é de 179 km/h, e pela facilidade com que acelera depois de 120 km/h, não há por que duvidar. Acelerando da imobilidade, ela se move muito bem, chegando a 100 km/h em 10,9 segundos, e fazendo retomadas também rápidas para ultrapassagens, ao se “descer o pé” no acelerador (kickdown) e provocar redução de marchas.
O câmbio é muito interessante. Andando em qualquer marcha, mantém a engatada até que se pise além de um certo ponto. Acelerando gradativamente, não reduz marcha se não houver necessidade. É meu tipo de “cérebro eletrônico”, praticamente fazendo tudo que eu queria no momento certo. Para passar por cima das decisões dele há as borboletas no volante, mas que sobem ou reduzem marchas até certo limite, ou seja, sem reduzir muitas marchas se estiver com mais velocidade, nem colocando sétima a 30 km/h, por exemplo.
O melhor das borboletas é poder, com as mãos no volante, reduzir em descidas imediatamente e com segurança para obter freio-motor, e se divertir escutando a leve aceleração interina, para evitar tranco no momento do engate da marcha mais baixa. Seu funcionamento é verdadeiramente exemplar. Mas quem preferir poder comandar as marchas manualmente pela alavanca seletora deslocando-a para a direita e, mediante toques, reduzir para trás e subir marcha para frente. E apreciar a aceleração interina também.
Essa calibração do comando eletrônico de câmbio está muito bem casada com o comportamento do motor, com seus dois turbocompressores em série. O primeiro fornece baixa pressão para a admissão de ar. Junto dele há uma válvula borboleta comandada por sensor de pressão: se a aceleração aumenta, o maior vácuo e a pressão abrem a válvula que descarrega o fluxo no segundo compressor, que irá aumentar a sobrepressão. Dito assim, alguém pode imaginar que dá para sentir claramente a entrada em ação de um turbo e depois do outro, mas não é o que acontece. Todo o trabalho resultou em um motor de entrega de potência muito linear e suave. Qualidade de projeto e desenvolvimento cuidadoso mais uma vez se fazendo sentir claramente.
Para segurar o peso do carro e velocidade da picape não falta potência de frenagem nunca, mas tambores de freio atrás destoam de um veículo moderno e pesado — até a Saveiro Highline tem freios a disco na traseira.
Andando uma semana com o pequeno caminhão, que é tão fácil de dirigir quanto um bom carro, pude comprovar e entender melhor o funcionamento da Amarok. Agora a dirigi em várias condições, e ela foi muito bem. O único ponto a prestar atenção é piso ruim, remendado e esburacado como muitos de São Paulo. Se a pessoa se incomodar muito com carrocerias que balançam, vai reclamar da Amarok, pela suspensão cargueira. Mas isso só em cidade, bem entendido. Andando na estrada dos Romeiros, inclusive forte, nada há que a desabone. É muito boa de dirigir, em todos os sentidos, mesmo sendo grande e pesada. Não ocorrem movimentos desagradáveis andando em estrada, mesmo forçando em curvas.
A suspensão dianteira por braços triangulares superpostos com grossa barra estabilizadora funciona à perfeição, firme, bem amortecida e confortável. A traseira é típica para carga, com mola semielíptica de dois estágios com cinco lâminas de cada lado do eixo motriz rígido. É o conceito mais robusto que existe, tem mais de um século, mas foi sendo melhorado com o tempo, com as molas de desenho diferente no mesmo feixe, para mais conforto com pouca carga, e depois passando a trabalhar com mais lâminas conforme mais carga vai sendo colocada. Apenas o feixe de molas faz todo o trabalho de fixação e localização do eixo; os amortecedores são bem dimensionados e trabalham corretamente.
É estranho poder brincar de forçar derrapagens com um carro desse porte e altura, coisa que fazemos em carros menores. Por causa do bom acerto e calibração de molas e amortecedores, combinado com a transmissão 4Motion, escutar pneus derrapando é bem difícil, já que a tração está sempre trabalhando para colocar mais força do motor nas rodas com mais atrito. Olhando as suspensões, é fácil entender a robustez delas, veja as fotos.
O suporte inferior do amortecedor tem uma “caverna” por onde passa a semiárvore de transmissão. Para se remover a semiárvore não é preciso desmontar toda a suspensão, apenas a manga de eixo; amortecedor e a mola podem ficar no lugar.
Na terra, melhor ainda. O sistema 4Motion ajuda qualquer motorista a se sentir com habilidades extras. No vídeo é possível ver a facilidade com que se dirige a Amarok em piso ruim. Andando em trilha toda irregular, sem exagerar na velocidade, o carro é perfeito, mesmo com pneus 100% para asfalto. É por isso que há inúmeros vídeos na internet mostrando Amaroks com diversos tipos e níveis de modificações sendo usadas em locais de difícil transposição. A turma se diverte com a picapona mundo afora!
Acomodado no banco bastante anatômico, os comandos que não recordam estarmos em uma picape. Tudo é como nos carros da VW, desde a posição de sentar e pôr as mãos no volante, passando pelo interruptor giratório dos faróis chegando aos comandos de ar-condicionado. Os caminhões pequenos ficaram no passado nessa categoria, bom para muitos, não tanto para quem gosta de carros mais crus e brutos.
Há alças nas colunas das janelas para ajudar subir e descer do carro, e a Extreme tem estribos para isso ficar ainda mais fácil. O “santantônio” não é apenas decorativo, embora tenha sido feito para isso. Ele ajuda a fazer sombra para quem senta no banco traseiro, algo sempre bem-vindo. Não se deve amarrar cargas nele, e não há ganchos nem encaixes para cordas.
Há cinto de três pontos também para quem senta no meio do banco traseiro, e este tem o assento dividido 1/3- 2/3 para permitir um espaço para bagagem dentro do carro. Depois de levantado, o assento fica preso por um elástico com gancho, que se prende às hastes do encosto de cabeça. Se não muito elaborado, ao menos é prático de usar, mas um sistema de dobradiça inteligente com trava seria mais apropriado à categoria do carro. Atrás do encosto do banco, apenas espaço para ferramentas e o macaco do tipo hidráulico em forma de garrafa. Infelizmente não cabe nem mesmo uma pequena bolsa ou mochila ali.
Já na caçamba, o espaço disponível e os fortes ganchos para amarração de carga são pontos positivos, e o negativo é que não há capota marítima para a carga, uma falta que pode ser corrigida com o item vendido como acessório, por pouco mais de R$ 1.200 reais. Num carro de R$ 178 mil, deveria vir de fábrica, ou pelo menos colocado na concessionária antes da entrega ao cliente. Se houver ocupantes no banco traseiro e as malas tiverem que ir na caçamba, é extremamente inconveniente ter que embrulhar e amarrar a bagagem para que a chuva não molhe as roupas, ou para que um meliante qualquer não a roube numa parada de semáforo. Ponto a ser repensado.
A proteção na caçamba é por dentro da tampa é muito bem feita, rugosa e parece indestrutível. Ponto alto no acabamento do carro pelo lado externo.
Nos vários tipos de usos anotei diversas vezes o consumo de Diesel — só pode ser usado o S-10 ou S-50 – e ele varia bastante, conforme verifiquei:
- Autoestrada, limite 120 km/h, andando sempre perto disso, mas parando bastante devido ao excesso de pedágios, 10,8 km/l
- Mesma rodovia (Castello Branco), em toda sua extensão, andando mais rápido em algumas partes desertas, e mais lento quando mais próximo de São Paulo, 11,2 km/l
- Trechos da Castello Branco mantendo 100 km/h para verificar consumo apenas, 15 a 16 km/l
- Trecho da Castello Branco deserto, andando sem preocupação com limite, 9,0 km/l
- Estrada com muitas subidas e descidas, trânsito intenso, sem conseguir passar de 90 km/h, 13,3 km/l
- Urbano, motor frio logo cedo, trânsito lento e paradas a quase toda esquina, 6,0 km/l
- Urbano, lento, sem congestionamentos, 8,9 km/l
- Estrada dos Romeiros, acelerando bastante para o vídeo, 3,3 km/l
- Caminho de terra, subidas fortes e muita manobra para fotos e repetição de passagens para vídeo, 2,8 km/l
Não há como não gostar da Amarok numa análise detalhada. O resultado de todo desenvolvimento feito com esse carro é muito positivo, e apenas quem não gosta nem de se imaginar dirigindo uma picape é que poderá não apreciá-la. Para o sempre polêmico assunto preço, há que se levar em consideração que motor, câmbio, caixa de transferência e todo sistema 4Motion vem da Europa para produzir a Amarok na Argentina. Além disso, há vários outros itens menores que também são importados, como os sobretapetes com o logotipo Extreme que haviam nela. Até mesmo os pneus 255/50R20 são europeus, da Polônia.
Esses sete dias mostraram que a Amarok é uma picape a ser considerada na hora de escolher seu próximo carro de uso misto.
JJ
Veja o vídeo, depois mais fotos e, por fim, a ficha técnica.
FICHA TÉCNICA AMAROK HIGHLINE EXTREME AUTOMÁTICA CAB. DUPLA | |
MOTOR | |
Tipo | 2.0 L BiTDI, biturbo |
Combustível | Diesel S-10 |
Material do bloco / do cabeçote | Alumínio/alumínio |
Diâmetro e curso (mm) | 81 x 95,5 |
Cilindrada (cm³) | 1.968 |
Nº de cilindros/disposição | 4/em linha |
Posição | Dianteiro longitudinal |
Comando de válvulas / nº de válvulas | Dois no cabeçote, correia dentada/16 |
Potência máxima (cv/rpm) | 180/4.000 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) | 42,8/1.750 |
Corte de rotação (rpm) | 5.000 |
Taxa de compressão (:1) | 16 |
Formação de mistura | Injeção direta Bosch common rail |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Automático epicíclico, 8 marchas à frente, ZF 8HP |
Rodas motrizes | Dianteiras e traseiras, 4Motion (permanente) com diferencial central Torsen |
Relações das marchas (:1) | 1ª 4,70; 2ª 3,13; 3ª 2,10; 4ª 1,67; 5ª 1,29; 6ª 1,00; 7ª 0,84; 8ª 0,67; ré 3,30 |
Relação de diferencial (:1) | 3,70 |
SISTEMA ELÉTRICO | |
Tensão (V) | 12 |
Capacidade (A·h) | 72 |
Alternador (A) | 110 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, braços triangulares superpostos, mola helicoidal, amortecedor pressurizado, barra estabilizadora de Ø 26 mm |
Traseira | Eixo rígido, feixe de molas longitudinal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência hidráulica |
Relação de direção (:1) | 14,6 |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 12,9 |
Número de voltas entre batentes | 2,7 |
FREIOS | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/303 |
Traseiros (Ø mm) | Tambor/295 |
Assistência | A vácuo, por bomba |
Controles | ABS, ABS Off-Road, BAS e EBD |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio 7,5Jx20 |
Pneus | 255/50R20 |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | 5.254 |
Largura com/sem espelho | 1.944/2.228 |
Altura (teto) | 1.834 |
Distância entre eixos | 3.095 |
Bitola dianteira/traseira | 1.647/1.644 |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Separada, chassi tipo escada, hidroformado |
Número de portas/lugares | 4/5 |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,42 |
Área frontal (m²) | 3,02 |
Área frontal corrigida (m²) | 1,27 |
CAPACIDADES (L) | |
Volume da caçamba | 1.280 |
Tanque de combustível | 80 |
PESOS (kg) | |
Peso em ordem de marcha | 2.036 |
Carga útil | 1.134 |
Rebocável com/sem freio | 2.780/750 |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 10,9 |
Retomada 80-120 km/h, em 5ª (s) | 8,5 |
Velocidade máxima (km/h) | 179 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 8ª (km/h) | 56,3 |
Rotação a 120 km/h em 8ª (rpm) | 2.130 |
Rotação à vel. máxima em 7ª (rpm) | 4.000 |