Quero contar um episódio que testemunhei quando representante de Assistência Técnica da Volkswagen do Brasil, lotado no Escritório Regional do Rio de Janeiro. Esse episódio é julgar alguém pela aparência, erro que muitos cometem embora não devessem.
Como eu já disse em histórias anteriores, a abrangência, a responsabilidade daquele escritório começava em Itatiaia, praticamente na divisa do estado do Rio de Janeiro com o de São Paulo, abrangia Resende, Volta Redonda e Barra Mansa, toda cidade do Rio de Janeiro, a região serrana — Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis —e o “além-ponte Rio-Niterói”, a região dos Lagos, e se estendia ao estado do Espírito Santo, chegando a São Mateus, já próximo da divisa com a Bahia.
As minhas visitas sempre eram programadas com boa antecedência, assim haveria tempo de discutir importantes assuntos com os titulares das concessionárias, como são chamados seus donos, ou mesmo conversar com diretores que respondiam pelo negócio.
Foi em Guarapari, ES, que presenciei uma cena que achei que merecia ser contada e que pode ser uma lição para muitos.
Foi na concessionária VW da cidade, a Guarapari Veículos (Guarave), enquanto me encontrava reunido com seu titular, o sr. Getúlio Gama (já falecido). De repente, sem ser anunciado ou pedir licença, sem qualquer cerimônia, entra um senhor na sala e imediatamente se põe a falar sobre diversos assuntos. Além de nos interromper, o que ele falava não tinha nenhuma ligação com a atividade de uma concessionária.
O tal senhor, de barba por fazer, trajava uma calça jeans bem desbotada — não era de moda, era do longo uso mesmo —, um largo cinto combinando com as surradas botinas de couro, e uma camisa que já tinha sido branca quando nova com o colarinho todo desgastado, puído.
Chamava atenção o volume do que parecia ser papel que ele trazia no grande bolso da camisa, este com uma mancha de tinta azul e uma caneta esferográfica que a olho nu denunciava ser o motivo da mancha, pelo tanto que vazava.
Num dado momento este senhor, como se lhe tivesse dado um clique mudando o programa, disse:
— Getúlio, que carros novos são estes que estão lá no salão?
Getúlio respondeu que o amarelo era o novo SP2 e o outro, verde-bandeira, era o Karmann-Ghia TC. O senhor perguntou quanto era e o sr. Getúlio prontamente respondeu.
— Por que, você está interessado em algum? — perguntou-lhe em seguida.
A resposta foi tirar do bolso, aquele todo manchado de tinta, e do meio daquele monte de papeis tirar um talão de cheque todo amassado, destacar uma folha do talão e entregá-la ao sr. Getúlio.
— Quero os dois, um para minha mulher e o outro para a minha filha que acaba de fazer dezoito anos e já tirou carteira de motorista. Quando os carros chegarem lá em casa elas é que vão decidir quem fica com qual.
E continuou:
— Por favor, preencha o cheque com o valor total que você escreve melhor do que eu, e já inclua todas as despesas como licenciamento, emplacamento, etc.
E perguntou ao sr. Getúlio se ele poderia mandar levar os carros à sua casa, que prontamente respondeu que sim.
O senhor se retirou da sala e nós, perplexos por alguns minutos, continuamos o nosso assunto. Mas antes, é claro, eu perguntei ao concessionário quem era aquele senhor, eu estava curioso.
O sr. Getúlio contou-me então que ele era ex-pescador de camarões lá no Espírito Santo que havia começado sua vida no mar com um barco, depois veio o segundo, o terceiro, e ele era então proprietário de muitos barcos pesqueiros como o da foto. E se não bastasse isso, ele ainda tinha uma frota de 12 caminhões-frigoríficos com cavalo-mecânico Scania para a entrega dos camarões aos seus distribuidores. Era muito rico apesar do trajar bem simples e descuidado.
Espero que com esta história o leitor ou leitora saiba que qualquer tipo de discriminação, além de ferir aquele que é discriminado, é totalmente contraproducente. Não vale mesmo a pena. Conheço outros casos semelhantes, de alguém se dar mal comercialmente por ter discriminado alguém de alguma forma.
Por isso, nunca julgue ninguém pela aparência.
RB