O carro andou muito bem quando testado, mas não venceu a rampa de saída da garagem.
“Você acredita, Boris, que fui viajar com a família para estrear minha “máquina” e ela não conseguiu subir a rampa para sair do prédio?”
Depois de me contar o vexame, ele questionou o desempenho da tal “máquina” e eu percebi que, apesar de importado (década de 90), o motor era um 1,6-l aspirado, de apenas 100 cv. Com cinco adultos e bagagem, não subiria mesmo a pesada rampa vindo do subsolo do prédio. “Mas no test-drive o carro andou muito bem!” ele argumentou…
Era numa época em que ainda não se comprava automóvel “online”: o freguês perdia tempo visitando concessionárias de várias marcas até se decidir por uma delas. A internet simplificou o processo e o interessado se orienta hoje através de portais e outras ferramentas digitais para determinar marca e modelo de sua preferência. Mas ainda não dispensou o test-drive, pois existem detalhes impossíveis de se verificar pela internet: cheiro, cor, conforto do banco, visibilidade, nível de ruído, ergonomia, desempenho, etc.
Não é a maioria, mas algumas concessionárias e lojas independentes são suficientemente espertas para dissimular os pontos fracos do carro. O percurso do teste, por exemplo, é escolhido a dedo para evitar rampas muito íngremes, piso muito esburacado e outros obstáculos. Se o desempenho não é destaque, só o vendedor acompanha o motorista, para não exagerar no peso. Se o câmbio é obsoleto, evitam-se trechos que exijam muitas mudanças de marchas.
O modelo testado, em geral, é o mais bem equipado e sempre oferece ajuste elétrico do volante e do banco para o motorista mais baixinho, nem sempre presente em versões mais simples. Talvez o freguês nem tenha percebido que, ao arrancar numa subida, o carro não voltou nem meio metro para trás. Não por sua habilidade nos pedais, mas por ter o dispositivo “hill holder”, só nas versões mais sofisticadas. Hoje, a eletrônica impera, mas nem todos os dispositivos nos carros de teste estão no modelo faturado para o freguês.
E depois da “pré-venda”, tem a “pós”, a cerimônia de entrega. E quase motorista nenhum se lembra de examinar o carro antes de ser faturado, para verificar a integridade da pintura, dos cromados, do estofamento. Não imagina que nenhum reparo na concessionária é capaz de igualar o padrão de qualidade da linha de montagem. Nem a melhor oficina Rolls-Royce tem condições de pintar a carroceria como a fábrica.
Mesmo um carro zero-km exige certos cuidados do comprador. Algumas concessionárias contam com uma certa euforia do interessado, que prejudica sua capacidade de questionamento. No momento festivo de receber as chaves do poderoso, família toda em volta, alguém vai se lembrar de agachar para verificar a marca do pneu? Pode ter qualidade, pois a fábrica não corre riscos. Mas de marca desconhecida, asiática por exemplo, que torna sua substituição dificílima e onerosa. Pneu tem que ter em revenda de fácil acesso. Nada de obrigar o dono do carro a recorrer à própria concessionária, única a ter a tal marca em estoque. E alguém, ao receber o automóvel, vai se lembrar de abrir o porta-malas para conferir se a marca do estepe é a mesma dos outros quatro?
E a ânsia de faturamento ainda empurra uma “polimerização” (ou vitrificação, ou espelhamento) da pintura. “Fica mais bonita e protegida” diz o vendedor preocupado em engordar seu salário. E o comprador autoriza a operação, mal sabendo que começa com uma lixa que retira exatamente o verniz de proteção aplicado pela fábrica. Nada contra o serviço, mas só é necessário depois de alguns anos de uso do carro, quando a pintura original começa a perder o brilho.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.