Que americano sabe fazer show, ninguém duvida. E a corrida de Fórmula 1 em Austin, Texas, foi prova disso. Alguns puristas dirão que não precisa disso. Eu, como fã de carteirinha da modalidade, confesso que achei legal esse estilo meio Super Bowl — nem tanto pelas líderes de torcida com os pomponzinhos que ainda acho meio demais, mas isso já esperava. Afinal de contas, sempre aparecem, não? Teve até a presença do ex-presidente Bill Clinton! E quem não gosta de Usain Bolt?
Gostei mesmo foi da valorização dos pilotos, com apresentação por locutor de boxe e tudo. Afinal de contas, são eles a alma de tudo. Eles é que dão show e se dependesse de algumas transmissões nem veríamos a cara deles. Apenas os olhos e, mesmo assim, pela viseira do capacete. Diverti-me (eis a ênclise da semana) com os apelidos. Chamar o Carlos Sainz de “El matador” foi hilário, assim como Kimi Räikkönen de “o mais sorridente”— ainda que tenham conseguido mostrá-lo assim por alguns segundos no vídeo de apresentação. E o Daniel Ricciardo? Mais Ricciardo do que nunca, tanto no vídeo quando na entrada em si, rindo, pulando, mostrando os zilhões de dentes que tem. Como é bom ver alguém feliz com o que faz, ainda que minutos depois se mostre feroz na pista a mais de 250 km/h.
Acho que merecem muito destaque, sim, e não tive a impressão de que estivessem incomodados com isso. É claro que posso estar enganada, pois talvez tenham tido pouco tempo para concentrar-se no cockpit — ainda assim, o Ricciardo continuava conversando e rindo. Apenas o Michael Douglas é que deu uma de fã meio exagerado e foi falar com Lewis Hamilton na última hora, mas fez questão de agradecer a deferência. Mas, óbvio, se isso atrapalhou a concentração de algum deles deve ser revisto — talvez dar-lhes mais tempo. Mas cada um reage de um jeito. Nélson Piquet costumava cochilar dentro do carro pouco antes das corridas e chegou a fazer isso algumas vezes entre uma largada e outra. Prova de que alguns pilotos realmente “apagam” quando precisam e conseguem se concentrar como se desligassem um disjuntor.
Questiona-se muito a audiência da Fórmula 1. No Brasil canso de ouvir que “deixei de ver depois que Senna morreu”, “depois de 94 a Fórmula 1 perdeu a graça”. Sempre respondo a mesma coisa: “é um direito seu, claro, mas você gostava era do Senna, então. Não de Fórmula 1”. Mas fica mais difícil empolgar o público quando pouco se conhece sobre o esporte, mal e mal se mostram os treinos oficiais (apenas na TV fechada e ainda assim, tente ver o VT! Nunca é no canal nem o horário programado…).
Não há informações prévias, nada ao longo do ano nem sequer ao longo da semana. Não se sabe nada sobre as equipes, nem sobre o circuito, nem sobre o país onde se corre. Somente quem é muito fã e poliglota é que consegue, com muito esforço, catar informações aqui e ali. Como jornalista, vejo tantas oportunidades de reportagens que não são aproveitadas que chego a passar raiva. Como já disse e escrevi aqui, vende mais porque está sempre fresquinho, ou está sempre fresquinho porque vende mais?
Em Austin vi arquibancadas para lá de cheias. Vai me dizer que tinha gente que estava lá por causa dos shows e não pela Fórmula 1? Talvez alguns, mas é como tudo na vida. Deve-se começar por algo. Lembro quando vim morar no Brasil que não havia o hábito de se beber vinho. Desculpem a franqueza, mas o menos intragável era o Château Duvalier, que não era lá grande coisa. Mas com importações fechadas, mercado pequeno e falta de hábito, era o que havia. Com a abertura das importações em 1990 começaram a chegar os vinhos alemães da garrafa azul. Também ruins, na minha opinião. Doces demais. Mas tiveram o mérito de, com preços acessíveis e gostinho melado, começar a atrair um público que não conhecia a bebida. Depois, aos poucos, as próprias importadoras começaram a elevar o nível do que traziam. E é assim que hoje temos ótimas opções de vinhos, nacionais e importados, por preços acessíveis e, felizmente, um mercado muito maior e bastante exigente. Não teria adiantado começar trazendo garrafas de Château Petrus de milhares de euros a garrafa e de paladar difícil para quem praticamente só bebia cerveja.
O ser humano é um ser de hábitos, para bem ou para mal, e mudá-los requer tempo. Querem um exemplo? Eu consigo fazer qualquer criança comer de tudo. Apenas me deem um pouco de tempo e alguma flexibilidade. Um truque infalível é servir saladas de folhas bem charmosas com meu tempero secreto e cobertas com um pouco de batata palha. As crianças acabam comendo algumas colheres por causa da batata palha. Pronto, já experimentaram a salada. E geralmente gostam. Às vezes é necessário dar o primeiro passo para provar algo diferente.
O mesmo acontece com a Fórmula 1. O americano está mais acostumado com a Nascar e a Indy, mas por que não atraí-lo inicialmente com shows que lembrem aquilo que eles já conhecem? Uma vez no autódromo é mais fácil “cativá-los”. Afinal, fazê-los sair de casa e ir até lá (ou fazê-los sintonizar o canal), que era o primeiro passo, já foi feito. É como a primeira colherada de salada com batata palha. A segunda já não tem batata palha, mas a recusa (ou preguiça) inicial já foi vencida.
A organização também foi toda feita para atrair público. Crianças de até dois anos, desde que acompanhadas por adulto pagante, entravam de graça. Ótima forma de criar autoentusiastas e de facilitar a vida das famílias, num país onde empregadas e babás são raridade, não? E tinham acesso livre a todos os espetáculos, assim como os adultos. Ou seja, a corrida e os shows eram um combinado. O mesmo para os treinos livres — também uma grande sacada para fazer com que as pessoas vão nos dias anteriores também.
Eu, que já fui diversas vezes assistir corridas em Interlagos, sinto uma certa inveja dessa organização. No total, eram 30 shows em três dias incluindo atrações como Stevie Wonder e Justin Timberlake. No Brasil pagamos preço muito alto para não ter absolutamente nada além de ver a corrida e ainda assim tem pontos com visibilidade péssima. Sem falar na falta de infraestrutura. Já o site do autódromo de Austin era um espetáculo de informações sobre estacionamento, lugares (“não demarcados, primeiro a chegar, primeiro a sentar”), enfim, tudo.
No Brasil sempre escuto que a audiência da Fórmula 1 vai melhorar quando tivermos um piloto competitivo. Bobagem. Sempre tivemos pilotos no grid, alguns mais outros com menos chances de título, mas sempre com chances reais e boas pontuações e nem por isso temos apresentações nos autódromos minimamente decentes. Nem transmissões ou programas na televisão com informações adicionais. Aliás, por falar nisso, tem algum piloto americano na Fórmula 1? Nenhumzinho. Equipe? Uminha, a novíssima Haas, com ínfimas chances de marcar alguns pontos no ano inteiro. Ou seja, isso não é motivo.
Como digo sempre, se fosse por isso Japão não daria audiência para a Fórmula 1 pois nunca houve um campeão mundial daquele país, poucos anos têm piloto nipônico no grid e menos ainda algum com chance de pontos — menos ainda de pódio. Japonês é louco por Fórmula 1 e garante as maiores audiências do mundo na televisão e lota os autódromos.
É claro que não precisa ser sempre assim, até para não perder o efeito, mas poderíamos ter corridas mais bem apresentadas. Custa valorizar mais os pilotos e as equipes? Apenas aquela voltinha dos pilotos no caminhão aberto, como em Interlagos, onde mal se veem os rostos, é pouco. Na verdade, mais parece caminhão de boias-frias a caminho da roça do que craques do volante…
E apenas para encerrar, adorei as ultrapassagens do Vettel sobre o Bottas, novamente os pegas Bottas e Ricciardo e do Verstappen sobre o Kimi — e, sim, dá para discutir interminavelmente se podia ter feito isso ou não. Pessoalmente, acho claríssimo que se beneficiou de algo que não deveria, mas como já disse, acho esse regulamento um horror. Engessa demais. Mas, se existe, deve ser cumprido. Na minha opinião, deveria ser mudado, mas enquanto existir, deve ser cumprido – mas por todos, não apenas pelo holandês e não apenas por quem ganha posição, também por quem apenas usa o espaço, ainda que seja só para não perder seu lugar.
E a-m-e-i ver o Pedro Piquet dirigindo o Brabham que deu o campeonato de 1983 a seu pai, Nélson Piquet. Um ano fantástico de uma dupla incrível, Piquet e Gordon Murray (essas eram estratégias!). E que saudades do câmbio manual!. Vendo o volante, ele é mais simples do que o do meu carro… Para quem não viu, é só clicar aqui.
Mudando de assunto: escrevo isto na terça-feira e acredito que ainda haverá muita coisa a ser esclarecida, pois me parece que a história toda está muito malcontada e motorista, guia, agência de turismo e os próprios turistas cometeram erros crassos. Mas quero apenas mencionar duas coisas aqui sobre a morte da turista espanhola dentro da Rocinha. Li muitos jornais e sites estrangeiros e não encontrei críticas ao comportamento da polícia, ao contrário do que vi no Brasil (“deveriam ter atirado nos pneus”). Por lá, assim como aqui, questionam apenas a ideia de entrar numa favela sabidamente em conflito armado para fazer turismo. Levando em consideração o veículo utilizado, com película extremamente escura, eu faço outro alerta àqueles que defendem seu uso alegando segurança, pois não se vê quem está dentro. Será que a polícia teria atirado se tivesse visto cinco pessoas adultas, das quais três tecnicamente idosas?
NG