Tudo começou com um velho amigo dos tempos de Vemag me mandando um aviso pelo WhatsApp no dia 21 último, que dizia:
“Alerta geral – dirigir alcoolizado é crime sem fiança. A pena mínima é de cinco anos de reclusão e com essa pena não se pode converter em prestação de serviços, ou seja, vai ter que ficar preso! Por favor, repassem isso a e seus filhos e amigos! Lei nº 13.546 de 19/12/2017.”
Com o aviso veio um fac-símile da lei com realce em amarelo para:
§ 3º Se o agente conduz veículo automotor sob influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (NR)
Apavorante, não? Logo vi haver algo errado com o aviso do meu amigo e uma rápida lida na lei reproduzida foi suficiente para ver que o assunto versava sobre crimes de trânsito.
O § 3º acima refere-se ao Art. 302, que não mudou: trata de homicídio ou lesão grave culposa cometido na direção de veículo automotor, em que a pena de reclusão passou de dois a quatro anos para cinco a oito anos se o condutor estiver alcoolizado, como visto acima.
Esse “alerta” tem circulado nas redes sociais, seja escrito ou gravado, como ouvi hoje. O perigo é agentes da autoridade de trânsito interpretarem mal as mudanças impostas pela recente lei acima e colocarem motoristas em dificuldades. É pouco provável, mas possível. Provar que focinho de porco não é tomada é sempre complicado.
Não tem absolutamente nada ver com dirigir alcoolizado, que não é crime de trânsito desde que não seja atingida a alcoolemia de 6 dg de álcool por litro de sangue ou 0,3 mg de álcool por litro de ar alveolar. É apenas infração — gravíssima, é verdade, multa de R$ 2.934,00 e suspensão do direito de dirigir por um ano.
Mas o importante é o leitor ou leitora saber que ninguém será preso por ter ingerido bebida alcoólica moderadamente, com o alerta em questão quis fazer crer.
A velha questão
Por questão de dever profissional e como cidadão devo voltar ao assunto, falar da absoluta idiotice da “lei seca”, que nos chama, cidadãos, de irresponsáveis e inconsequentes ao não poder haver nenhum resquício de álcool no sangue e mais que 0,05 miligramas de álcool por litro de ar dos pulmões medido pelo etilômetro (“bafômetro”) para conduzir veículos automotores.
Todos irresponsáveis, maus cidadãos: o autor da lei, deputado Hugo Leal (PSC-RJ), os deputados que a aprovaram, os senadores que a referendaram e o presidente da República que a sancionou em 2008, que não preciso dizer quem é.
Por que digo isso? Com a promulgação do Código de Trânsito Brasileiro em 23 de setembro de 1997 só era considerado alcoolizado para dirigir quem apresentasse alcoolemia superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 3 miligramas de álcool por litro de ar dos pulmões.
O grupo citado acima desrespeitou quem os sustenta — nós —, desrespeitou níveis de álcool no sangue ou no ar dos pulmões adotados pela maioria esmagadora dos países, entre eles os da Europa (5 dg/L de álcool) e Estados Unidos e Reino Unido (8 dg/L).
Pior que isso, nos 10 anos entre as promulgações do CTB e da maldita da lei nunca se viu fiscalização de motoristas alcoolizados, pelo menos em blitze como as que se viu depois da lei seca (foto de abertura). Alguns milhares de mortes e de feridos, muitos com sequelas, teriam sido evitados.
Alguém terá que pagar por esse crime de omissão.
Se deputados e senadores tiverem vergonha na cara devem fazer voltar os níveis de alcoolemia a pelo menos os da Alemanha, sabidamente um dos trânsitos mais seguros do mundo: 5 dg/L de sangue ou 0,25 mg/L de ar alveolar.
E que os poderes executivos dos três níveis de administração façam prosseguir a fiscalização como vem sendo feita. Bêbados — de verdade, não de mentirinha — têm de ficar fora do volante.
A dignidade do cidadão brasileiro precisa ser restabelecida.
BS