Um dia chega uma foto no telefone, é do meu amigo Anders. A foto mostra um velocímetro bastante diferente, e que vai até 330 km/h!
— As minhas “rodas novas”, adivinhe! — escreveu Anders.
— Puxa, que carro! Mas um Porsche não é, e nada da Itália. Não sei, mas me parece algo britânico. Mesmo assim, um TVR também não é — respondi.
O telefone tocou.
— Você esta na trilha certa! É um Aston — Anders me falou com voz bem alegre.
— V-8 ou V-12? — perguntei.
— Calma, é “só” um V-8, um Vantage de 2007 — disse ele.
— Que legal, parabéns!
— Venha para cá com seu V-8 e vamos fazer barulho juntos nas ruas aqui — Anders diz com um sorriso.
— Sim, vamos — respondi.
O meu V-8 é algo mais barato, nada nobre como um Aston Martin. É um Mustang Mk5 2006, a mesma época do Vantage. Pensei que isso seria interessante, comparar os dois V-8 com uns 10 anos de idade.
Algum tempo atrás o dia chegou, marcamos um dia nas férias. Eu e o meu filhão com carteira toda nova, de só alguns dias de “idade”, entramos no Mustang e saímos para a casa do Anders. No carro conversei um pouco com meu filho sobre o Aston, que não tem tanta cabeça para carros como eu.
— Esse Aston Martin, que carro é? — ele perguntou.
— Aqui fora nesse Mustang está escrito GT, Grã-Turismo, mas na verdade são só palavras. Ao contrário, o Aston é um Grã-Turismo mesmo. Elegante, rápido, esportivo mas não demais, dá para dirigir distâncias longas sem cansar. Esse Mustang tem potência, uns 300 cv, mas falta-lhe esportividade, exclusividade e elegância. Um Mustang novo custa entre 40 a 50 mil euros (R$ 155 mil e R$ 193 mil) na Suécia. Um Aston Martin novo custa algo entre 150 a 300 mil euros (R$ 580 mil e R$ 1,160 milhão).
— O Anders pagou tudo isso!?
— Não, não, o carro dele tem 10 anos, como esse nosso. O Anders deve ter pago algo como um Mustang novo. É muito dinheiro, mas, você sabe, ele trabalhou a vida inteira num trabalho bom, e no fim tem um pouco na conta para brinquedos — respondi.
— E quantos cavalos um Aston assim tem? — meu filho me perguntou.
— Pelo que sei, uns 385, de 4,3 litros. Esse Mustang aqui tem 4,6 litros mas esse é coisa de Ford, barato, simples, e como você sabe, tem “só” 300 cv.
Chegamos bem à casa do Anders, e entramos na garagem. Como o Vantage é bonito! Cada curva mais deliciosa do que a outra. As rodas ficam bem separadas e os para-lamas cobrem as rodas de uma maneira muito “orgânica”. As rodas são bastante grandes, 20 polegadas, e a carroceria é muito pequena e baixa.
A atenção aos detalhes no Aston mostra que ele é muito superior ao Mustang, alguns exemplos:
• O Aston tem pintura de verniz de grande espessura, sem efeito de casca de laranja, o Mustang parece que não tem verniz nenhum.
• O Aston tem maçanetas no mesmo nível das portas (flush handles); as maçanetas do Mustang são de plástico, e parecem que vão cair do carro quando tocadas. Outros componentes, como espelhos e faróis, mesma coisa, muito capricho no Aston, simples no Mustang.
Era um dia com sol bonito e colocamos os carros um ao lado do outro fora da garagem. Aí abrimos os capôs dos motores para ver os V-8 de dois mundos diferentes. Primeiro, o Aston tem molas a gás no capô; o Mustang tem uma vareta de aço, barata. O motor do Aston tem vários detalhes estilizados, bonitas, e uma placa dizendo quem controlou o carro (motor com montagem manual e placa com nome do montador foi numa época mais antiga). O motor no Mustang parece muito industrial, nada feito para ser bonito. Mas também dá para ver que o Aston é carro produzido em baixo volume, tem detalhes que parecem feitos à mão, sem molde.
Sem eu nunca entender o motivo, a não ser ter um preço mais acessível, o Mustang Mk5 era disponível com motor V-6, e o Mk6 tem versão com motor de 4 cilindros (o Juvenal andou em um ano passado). Sem dúvida o carro fica mais barato, mas quem compra um Mustang com motores assim? Se o Mustang não tivesse V-8 eu nunca o teria comprado. Mas cada um tem seu gosto e tem quem fale que um cavalheiro nunca dirige algo com menos de 12 cilindros… Um dia tenho que começar a praticar isso!
O filho do Anders chegou, e saímos pelas estradas à beira-mar, fora da cidade de Uddevalla, eles no Aston e nós no Mustang. Depois de um tempo nas estradas sinuosas paramos para conversar.
– Anders, você gosta do câmbio manual do Aston? — perguntei.
— Sim, gosto. Por um lado câmbio robotizado e com borboletas no volante é bacana, um tempo, mas depois…
— Sim, entendo.
Na época, uns dez anos atrás, era o fim de câmbios manuais nos carros bem esportivos. Maserati, Ferrari, Lamborghini e Aston Martin, a maioria dos carros passaram a ser vendidos com câmbios robotizados. Tem uns poucos Ferrari 360 e Lamborghini Gallardos LP500 manuais, mas nunca vi um F430 ou LP560 sem câmbio robotizado.
Esses câmbios robotizados eram de antes da geração de dupla embreagem que os carros têm agora. Assim, equilibrar o ponto exato pela embreagem em velocidades baixas, quando os componentes no sistema estão meio gastos, fica complicado. Às vezes fica-se só rindo — ou chorando — quando alguém tenta estacionar um Ferrari 360 e a embreagem fica toda doida. Outra coisa é que embreagens únicas têm que ser trocadas a cada 20 mil quilômetros mais ou menos, e o custo numa concessionária fica na casa de 5 mil euros/R$ 20 mil. Mais um motivo para Anders estar muito feliz com o câmbio normal no Aston dele.
O Mustang é automático tradicional, epicíclico. Ele troca marchas muito bem pelo tipo, e como não é um carro muito esportivo, funciona bem como é. Como todos os Mk5 que tem aqui na Suécia, veio dos Estados Unidos por importação como carro usado, e a maioria tem câmbio automático. A Ford vende o Mk6 aqui, e assim vem mais com câmbio manual. Pelo que sei, o Mustang ainda não tem câmbio de dupla embreagem.
E ali, à beira-mar debaixo de sol, resolvemos trocar de carros para a viagem de volta até a casa do Anders.
Só entrar no Aston é um pouco diferente. A maçaneta da porta precisa ser empurrada e depois puxada para abrir a porta. A porta parece normal à primeira vista, mas o eixo onde ela gira tem uma inclinação bastante grande, e isso levanta a porta um pouco. Para a porta não voltar e fechar sozinha, uma mola a gás a segura. O Aston é bem mais baixo, pequeno e luxuoso. Por dentro tem couro em praticamente tudo. O Mustang só tem couro nos bancos e no volante, e onde o Mustang tem plástico pintado de tinta prata barata, o Aston tem alumínio anodizado. Praticamente tudo que se toca no Aston tem atenção aos detalhes bem feitos, e tudo que se toca no Mustang tem atenção ao preço.
Mas é claro que há limites no Aston também. Os Astons são carros feitos em volumes relativamente baixos, uns 3 mil Vantage por ano atualmente. Aqui dentro do carro se vê alguns componentes que vieram de outros carros, principalmente Volvo e Jaguar. Era o tempo que a Ford ainda era dona dessas marcas, e mais da Land Rover, formando o PAG, Premier Automotive Group. Para comparar, foram produzidos 166 mil Mustangs em 2006, e pelo que entendo a maioria era V-6 cupê, e o menos vendido, o V-8 conversível.
Agora é na hora de parar de “babar” no couro do Aston. Aperto o botão “Engine Start”, e o motor no Aston pega com o som do V-8 bastante discreto. Primeira marcha e vamos. Demora pouco tempo para sentir que esse Vantage é algo interessante. Muito direto, bastante firme, mas nada demais. A direção é boa. Trocar marcha manualmente é bom, nada pesado demais ou folgado. Eu não esperava o Aston ser tão ágil, e ele simplesmente é muito agradável de dirigir. Acelerando um pouco mais forte aparece um ronco de V-8 bastante forte, mais “seco” e moderno do que o do Mustang.
Depois de alguns quilômetros chegamos a um túnel. O Anders está com a capota baixada no Mustang e eu e Viktor abrimos as janelas no Aston. Eu coloco uma marcha mais baixa e. . . vamos. Forte, a aceleração e o ronco, que música! Eu acalmo o Aston e Anders entende que agora é ele. O Mustang faz um barulho furioso! Mesmo estando dentro do Aston nós estamos escutando o Mustang muito bem e com um sorriso eu falo para o Viktor:
— Nada mau, não é?
— Certo, na verdade, acho um ronco melhor do que o desse Aston — respondeu Viktor.
Isso foi uma resposta sobre qual que faz o maior barulho, o Aston ou o Mustang. Cada um tem seu gosto, pessoalmente também acho o Mustang um pouco mais gostoso, é algo para babar, sem dúvida, e o silenciador que soldei em casa no meu Mustang ficou muito bom nessa área. O ronco do Aston é mais duro, técnico, combustão mais efetiva, mas sem dúvida é um V-8 normal. E longe de um Ferrari V-8 que tem ronco típico de virabrequim plano que faz barulho de dois motores de 4 cilindros em linha, que praticamente só grita.
Chegando à casa do Anders, descemos dos carros para trocar experiências e opiniões.
— Parabéns! — falei para Anders — o seu Aston Martin Vantage é uma delicia dirigir, obrigado pela experiência. E esse Mustang?
— Conversível num dia como esse é gostoso, o V-8 também tem um ronco bacana. O carro em comparação com o Aston é bastante alto, grande e um pouco pesado, mas provoca sorrisos também — diz Anders com um sorriso no rosto.
E é exatamente isso, grande ou pequeno, caro ou barato, um bom carro para um autoentusiasta é um carro que dá muitos “smiles per hour” (sorrisos por hora).
(Nota do editor: trocadilho com miles per hour, milhas por hora)
HJ