Eu “milito” no mundo Fuscamaníaco há uns 35 anos e neste tempo todo observei a pequena quantidade de mulheres que dele participam. E isto se aplica ao mundo do antigomobilismo em geral. Sempre que eu tinha notícia de mulheres na linha de frente do hobby era um motivo de alegria, porém como a sua quantidade é pequena tenho que concluir que este é um mundo dominado por homens.
Quando eu estava coletando material para o meu segundo livro, “EU AMO FUSCA II – Uma coletânea de causos de felizes proprietários de Fusca”, acabei fazendo uma indelicadeza involuntária, pois praticamente um terço dos causos que selecionei foram escritos por mulheres — causos muito bons, aliás. Portanto o título deveria ser “…de proprietários e proprietárias de Fusca.” Minhas tardias desculpas às colaboradoras deste livro, mas fato é que a participação feminina é um motivo de satisfação para mim.
Mudando o cenário, eu tenho uma interessante biblioteca de livros sobre Fusca, Volkswagen, Porsche e afins, são muitos e em vários idiomas. Muitos deles são bons, vários são médios, alguns que não passam de álbuns de fotografias, e não escapei de alguns que são muito ruins. Sem esquecer os e-Books, mídia de livros que eu gosto muito.
Estes dias, revendo os meus e-Books abri um cujo título era: “Thinking Small – The long and strange trip of the Volkswagen Beetle” (Pensando Pequeno – A longa e estranha viagem do Fusca) – ISBN 978-0-345-52142-2. O título se baseia num anúncio da incrível agência americana DDB, Doyle Dane Bernbach, “Think Small” (ver reprodução abaixo), que foi eleito o melhor anúncio de automóveis do século (20).
Até aí tudo bem, mas o nome “do autor”, Andrea Hiott, inicialmente passou batido, dentro da totalidade de livros escritos por homens, e, como Andrea na Itália é nome mais de homem do que de mulher, para mim era outro livro escrito por um homem… Só que não, dando uma olhada mais cuidadosa eu, espantado, vi que se trata de uma mulher! Este é um dos livros de minha biblioteca que eu classifico como bom.
Andrea Hiott nasceu na Carolina do Sul, nos Estados Unidos. Ela escreveu sua tese de graduação sobre o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel e formou-se em filosofia pela Universidade da Geórgia, em Athens. Ela então foi para Berlim para estudar alemão e neurociência, e acabou trabalhando como editora, tradutora e jornalista freelancer. Juntamente com um grupo de artistas e escritores internacionais, ela fundou uma revista cultural chamada Pulse.
Para escrever este bom livro, para alguém que não passou vários anos estudando este assunto muito intrigante e complicado que é a história do Fusca, deve ter sido uma missão quase impossível. Certamente foi um grande desafio ter combinado as tarefas de se inteirar sobre o assunto e ao mesmo tempo ir escrevendo um livro. E, a meu ver, ela se desincumbiu muito bem, e, além do mais, ela o fez combinando uma ampla visão holística e um sensível senso humanístico.
Fica evidente a sua formação, como filósofa, sua cultura geral, perspicácia e grande força de vontade que lhe permitiram chegar até o fim de seu trabalho, resultando um livro que não é uma mesmice, mas apresenta um enfoque de um ponto de vista diferente.
Pois bem, até aí eu tinha ido em minha análise, mas faltavam algumas respostas a dúvidas que surgiram para mim, e, para encontrar estas respostas, dei um jeito de contatar a Andrea por e-mail.
Minhas perguntas foram: o que levou você a enfrentar esse desafio? Por que você decidiu escrever este livro? Quanto tempo demorou a ser escrito? O livro foi traduzido para outras línguas?
Ela iniciou suas respostas dizendo: “o Fusca e sua história estão muito perto do meu coração, apaixonei-me pelo Fusca quando era criança. É surpreendente que poucas mulheres tenham escrito sobre isso, e espero que outras o façam no futuro.”
Adiante ela disse: “o que me atraiu para esta história foi meu amor pelo carro e minha falta de compreensão da longa e rica história de sua criação e trajetória. Eu tinha passado um tempo em uma residência de artistas na Alemanha, na cidade de Worpswede, que fica perto de Bremen, na Baixa Saxônia, colhendo material para uma revista e projeto cultural chamado Pulse que eu ajudei a criar e, no caminho de volta para Berlim, passamos por Wolfsburg. Nunca tinha ouvido falar desta cidade, e eu (ingenuamente) não conhecia a conexão do carro com aquela cidade, mas meus amigos alemães, que estavam comigo no carro, me disseram que esta cidade foi ‘construída para o carro de Hitler’.
E continuando, “na minha mente, o Fusca estava associado com amor, paz, um design bonito e muitas outras emoções alegres. Ficar sabendo que ele se originou neste momento muito triste e difícil na História me deixou muito curiosa sobre como esse objeto tão amado percorreu uma distância tão simbólica (e física), partindo de ser o carro que deveria motorizar a Alemanha de Hitler para se tornar o carro do amor de verão. Fiquei imediatamente obcecada com esta história e, assim que voltei para Berlim naquela noite comecei a tomar notas sobre isso e parti para bibliotecas no dia seguinte para começar a tentar entender essa história. O trabalho levou cerca de três anos de pesquisa e escrita. Morei no castelo de Wolfsburg, na cidade de mesmo nome, por algum tempo enquanto eu estava fazendo minha pesquisa junto ao setor de Arquivo Histórico da Volkswagen. A história é tão profunda e muita coisa mudou nos últimos cinco anos desde que terminei de escrever “Thinking Small”, então um dia eu vou ter que atualizar o livro, e eu estou aguardando por isto com grande expectativa.”
Sobre traduções de seu livro ela respondeu: “sim, meu livro foi traduzido para muitas outras línguas, incluindo polonês, holandês, espanhol e (eu acho) francês.”
E ela finalizou seus comentários dizendo: “meu amor e interesse pelo carro continuam e espero comprar e restaurar um 57 Oval, equipando-o com uma transmissão mais forte —tipo 300S, mudando o sistema elétrico para 12 V, instalando freios a disco CSP e um motor de 1600 S… deseje-me sorte!”
Concluo esta matéria comentando que em seu livro a Andrea entra em detalhes que raramente são abordados em livros de Fusca. Ela discorre sobre a origem e a infância dos personagens principais da história do Fusca, traça paralelos entre o que acontecia em outras partes do mundo enquanto o Fusca estava sendo gestado por Porsche e sua incrível equipe de engenheiros. Como americana ela deu ênfase, também, aos passos que o Fusca deu nos EUA, falando inclusive sobe a agência de publicidade DDB. Isto dá uma outra dimensão à história toda, permitindo aos leitores ao mesmo tempo ter uma visão humana e dando informações para que se possa traçar uma linha de tempo ampla do que estava a ocorrer no mundo.
Aproveito para parabenizar a Andrea por seu livro, agradecer sua participação nesta matéria através de suas respostas e desejar sucesso na compra e customização de seu Fusca 57 Oval. Que outras mulheres se interessem mais pelo assunto, seja lendo o livro da Andrea, seja elas mesmo escrevendo sobre o assunto.
AG
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.