Uma história paralela ao automóvel que sempre me fascinou é a dos acessórios. Na minha cabeça sempre foi importante preservar esses itens porque eles contam a história de como os carros mantêm a originalidade de fábrica e passam a ter a personalidade dos donos pelos acessórios. Itens que transformavam o carro em sinônimo de perfil do dono.
A imagem acima, de abertura, é uma propaganda da SR Carrocerias especiais, ou simplesmente Souza Ramos, uma das maiores e mais competentes na arte de transformar carros ainda novos.
Os acessórios na maioria das vezes ganham o público justamente por terem utilidade e ajudarem em alguma coisa, seja condução do veículo, na dirigibilidade ou apenas para conferir uma nova estética. Vale lembrar que acessório é diferente de opcional: enquanto o acessório é um produto de mercado de autopeças, o opcional é uma possibilidade de fábrica ao adquirir o carro zero-quilômetro.
No universo do carro antigo os acessórios estão ganhando admiradores. Alguns carros têm tantos desses itens que eles chegam a ficar em segundo plano no meio de tantos enfeites. Em outros os acessórios parecem estar na medida certa, uma vez que representam o que uma pessoa, provavelmente, teria num veículo na ocasião em que esse tipo de carro era vendido. Mas os acessórios que particularmente me fascinam são aqueles que fizeram a história do carro.
Nos carros da minha família, que eram populares e surrados Fuscas e Brasílias, o que mais lembro eram das calhas acrílicas, achava fantástico como aquele “treco” tão simples impedia que a chuva entrasse e os vidros, embaçassem. Claro, estou usando o lado emotivo da lembrança, porque na verdade a água continuava respingando em que estava no banco traseiro, o vidro ainda embaçava (menos, mas embaçava). Esse acessório está tão presente em minha memória que todos os meus carros tem calhas.
Tenho claro na memória ver os carros da Rodão, oficina tradicional de São Paulo, que “transformava máquinas comuns em carros de boy”. Painéis eram cortados sem mínimo dó para que recebessem rádios/toca-fitas TKR, equalizadores Tojo e tweeters do tipo corneta. Meus primos de Campinas me pediam folhetos da Rodão para copiar os acessórios e “customizar” os carros dos pais.
O que nunca tivemos em casa, mas sempre via na televisão, eram as persianas no vidro traseiro dos carros oficiais. Um item simples que faz, com um leve movimento, um vidro ficar indevassável aos olhos de algum curioso. Na prática atrapalha um pouco a retrovisão do motorista, ao vento faz algum barulho, mas em alguns carros confere um ar charmoso. A primeira vez emque dirigi um carro com esse acessório foi em 2007, durante uma matéria sobre os 40 anos do Galaxie, ocasião na qual fui a Brasília e dirigi o Landau presidencial que está com nosso amigo e colunista Roberto Nasser, no museu da Fundação Cultural dos Transportes.
No início dos anos 2000, ao estudar a primeira carta da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA) sobre como proceder para a vistoria de certificação de originalidade, passei a questionar o porquê de alguns itens tais como “rodas” serem impeditivos de avaliação, caso não fossem as originais. Meu pensamento é que ninguém compraria um Maverick GT ou um Charger R/T e ficaria com as pacatas e simples rodas de aço. Os motivos da época da criação das regras era impedir que rodas modernas fossem consideradas no mesmo patamar das rodas originais ou de época.
Em 2014, na ocasião da troca de diretoria e presidência da Federação, quando entrou Roberto Suga, foi feita uma reunião para definir novas regras para as avaliações de certificação de originalidade. Sendo assim, resolvi que seria hora de montar um documento para apresentar e nele constariam acessórios de época que seriam impeditivos, mas que ao ver de muitos representam a época do automóvel e merecem certificação.
Bancos, rodas, vidros e até modificações de carroceria puderam ser possíveis. Isso abriu um leque para que veículos modificados, ainda 0-km, pudessem ter a mesma condição de coleção dos automóveis que foram mantidos conforme saíram de fábrica. Uma atitude que poderá ser a definição entre a salvação ou o sucateamento de veículos como as picapes de cabine dupla e outros veículos que eram encarroçados ainda novos e eram o sonho de consumo de muitos brasileiros.
A elaboração desse documento foi o início de uma série de estudos sobre “veículos de concessionária”, aqueles carros que vieram numa ocasião em que o público tinha sede por carros diferentes, mais completos, confortáveis e de novo visual, porém os fabricantes não ofereciam produtos com foco nesse nicho. Foi a ocasião em que empresas como a Sulam, Envemo e Souza Ramos, entre outras, usaram a criatividade para oferecer a um público seleto (de alto poder aquisitivo) o que o mercado de veículos originais não oferecia.
A aceitação de acessórios foi a grande democratização em termos de carros antigos. Hoje admiradores dessa história estão em busca de veículos customizados de época, carros em pleno uso com visual e modificações que retratam um período onde carros comuns ganhavam personalidade e funcionalidade para atender seus donos.
Para o próximo capítulo dessa história, alguns carros que ganharam acessórios e, hoje, são raridades.
PT