Pré-temporada não é café-com-leite do campeonato que começa em 25 de março
Quando começarem os treinos para o GP da Austrália, dentro de aproximadamente um mês, aí sim, vai ser p’ra valer. Nem por isso os treinos de pré-temporada que começaram ontem (26) no circuito de Barcelona soam como previsão falsa do panorama das 21 corridas da temporada 2018 da F-1. As três grandes equipes dos últimos anos já esboçaram que continuam acima da média e ganharam a companhia da Renault. Outro prenúncio do que vem por aí é que McLaren e Toro Rosso deverão protagonizar uma disputa interessante, com Williams, Haas e Sauber a seguir. Como a Force India andou apenas com um piloto inexperiente, somente hoje a imagem da equipe que terminou em quarto lugar na temporada 2017 ganhará um mínimo de nitidez.
Alguns parâmetros que servem para analisar os resultados desse primeiro dia de treinos são o número de voltas completadas, sequência de voltas seguidas e composto de pneu usado na volta mais rápida. Trata-se de três itens que comprovam ser o RB14 um chassi bem-nascido: Ricciardo foi o único piloto a completar mais de 100 voltas, 35 delas seguidas, e andou com composto macio. Esta opção foi também usada por Valtteri Bottas, segundo mais rápido do dia, enquanto Kimi Räikkönen andou com supermacios.
O RB 14 tem, em princípio, o mesmo motor que a Renault; ao ser instalado em um chassi que prima pela aerodinâmica apurada e suspensão peculiar o resultado acaba sendo diferente, mesmo porque o organograma da Red Bull está mais consolidado e entrosado que o da Renault, ainda em fase de reconstruir sua estrutura como construtor da F-1. O responsável técnico maior da Red Bull, Adrian Newey, é há anos o nome que mais traduz conceitos e ideias em vantagens na pista, consequência de uma capacidade superior amparada por recursos técnicos e financeiros que permitem explorar novos caminhos. Observando-se o RB14 com mais atenção notam-se duas peculiaridades: o formato de seus braços de suspensão e da parte central do monobloco.
Entre as peculiaridades do projeto destacam-se as chamadas “bandejas” ou “triângulos” de conceito extremamente assimétrico, algo só possível graças ao domínio das técnicas de manufatura de peças em compósiito de fibra de carbono. A parte posterior do monobloco remete, a grosso modo, ao perfil delta explorado por Gordon Murray no sempre belo Brabham BT-44: em fez de linhas retas, o chassi de Newey tem linhas curvas para definir uma base mais larga e garantir espaço para a instalação interna de subsistemas e acessórios.
Solução semelhante, que colabora para abaixar o centro de gravidade do carro, foi usada no McLaren MCL33. O aerofólio traseiro tem sua carga aplicada ao chassi através de painéis laterais e do suporte central único. O elemento superior da asa manteve o delta central. As duas questões principais sobre a Red Bull são claras: 1) a equipe liderada por Christian Horner disputará os títulos de pilotos e construtores contra a Mercedes e a Ferrari e 2) ficará à frente de uma Renault revigorada a ponto de se tornar a quarta força da categoria?
Única equipe com recursos tecnológicos e financeiros comparáveis aos da Ferrari, a Mercedes centrou a filosofia do projeto W09 em compactar o projeto W08, chassi que esteve aquém do motor mais potente da categoria em 2017. Não raras vezes Lewis Hamilton e Valtteri Bottas tiveram problemas para acertar seus carros durante os treinos, situação que levou a batizar o carro do ano passado como “Diva”, tamanha sua susceptibilidade às peculiaridades de cada traçado. Visualmente a grande diferença entre os dois chassis está no bico dianteiro (ainda mais estreito que o usado na fase final da temporada passada), no plano superior das tomadas de ar laterais, agora mais alto, e no suporte central do aerofólio traseiro, agora em peça única.
Na Scuderia mais famosa do automobilismo mundial foi adotada filosofia de trabalho parecida e o resultado foi “um carro mais compacto, resultado de um trabalho detalhado em um pacote chassi-motor que mostrou-se competitivo em 2017”, como explicou Mattia Binotto, diretor técnico da Ferrari. Visualmente nota-se também o tom mais vivo da pintura, que com a saída de um dos principais patrocinadores, o Banco Santander, voltou à uma cor que estaria na metade e do caminho entre o vermelho vivo e o abóbora. Em meio a rumores que o controle acionário do grupo FCA, em cuja órbita navega a Scuderia, está sendo negociado, e com a iminente reestruturação do sistema de pagamentos e bonificações que as equipes recebem da Liberty Media, a Ferrari precisa mais do que nunca de resultados que afetem o mínimo possível o orçamento que este ano perdeu a participação do Banco Santander.
Falando em patrocinadores, McLaren e Williams despontam no horizonte: a primeira acertou contrato de colaboração técnica coma Petrobras, que este ano desenvolverá a gasolina que o time de Surrey usará nos motores Renault na próxima temporada. A segunda perderá seu principal apoiador no final do ano, quando a Martini encerra sua participação na F-1. A informação foi confirmada por Claire Williams, segunda executiva na organização da equipe fundado por seu pai.
Ambas ocupam patamares diferentes no horizonte de 2018. Por questão de sobrevivência, e até mesmo de honra, a McLaren precisa conseguir resultados que apaguem três anos de resultados pífios, algo até agora creditado quase que exclusivamente à Honda. No percurso para atingir esse objetivo, o confronto direto com os resultados obtidos pela Toro Rosso, que herdou a mecânica japonesa, será o obstáculo e o parâmetro maiores.
No primeiro dia de treinos o experiente Fernando Alonso foi mais rápido que o ainda novato Brandon Hartley mas, soube-se mais tarde, que em sua melhor volta Alonso cortou caminho em um trecho da pista, o que invalida a comparação fria dos números. Para piorar, o MCL33 do espanhol saiu da pista em consequência da quebra do cubo rápido da roda traseira direita; já o STR13 andou sem qualquer problema mecânico… Na Williams ficou patente que a inexperiência de Lance Stroll e Sergei Sirotkin será o principal obstáculo para transformar em resultados as novidades técnicas usadas no projeto do FW41.
O frio intenso — há possibilidade de nevar em Barcelona esta semana e na próxima — é totalmente adverso ao necessário para desenvolver carros que disputarão provas realizadas em um cenário de verão. Em temperaturas baixas o ar torna-se mais denso e mais pesado e não repete o ambiente considerado na definição das formas aerodinâmicas dos carros, além de influenciar na refrigeração de radiadores, discos de freios e outros itens. Por isso mesmo algumas equipes estariam discutindo uma reformulação do cronograma de testes de Barcelona. Estender os treinos na esperança de que o clima melhore é uma das possibilidades consideradas.
WG