Pois é. Meu marido tem razão. Ele sempre diz que ser casado comigo não é para os fracos. Claro que ele tem razão em muitas outras coisas, mas nisso acho que mesmo quem não o conhece, mas conhece a mim, não tem como discordar. Caros leitores, sabem onde passamos o Carnaval? Na Finlândia! Saímos de 20, 25 ºC positivos para 20-25 ºC abaixo de zero. Isso porque deve ter entrado uma frente quente que evitou que a temperatura chegasse aos -35 ºC que estavam previstos para algumas regiões da nossa viagem. E eu que nem coloquei uma regatinha na mala…
Mas o que meus queridos leitores têm a ver com minhas viagens? É que, claro, aproveitei para checar muitas coisas do meu autoentusiamo que quero contar para vocês aqui. A decisão deste destino em si já foi algo meio inusitado pois havíamos começado falando em sol, praia. E qual foi o roteiro da Noratur? Lapônia! OK, novamente, ser casado comigo não é para os fracos. Mas é uma viagem de sonhos, que vale muito a pena. De quebra, entendi como aquele país como somente 5,5 milhões de habitantes conseguiu ter nove pilotos na Fórmula 1, incluindo três campeões mundiais — Keke Rosberg, 1982, Mika Häkkinen, 1998 e 1999, Kimi Räikkönen, 2007. Dirigir por lá é coisa séria, mas não é difícil.
Alugamos um carro e guiamos 500 quilômetros, mas andamos por muitíssimo mais do que isso, pois fomos até quase a fronteira com a Noruega, no Norte, e até a fronteira com a Rússia, no Leste, além de voltas em torno das cidades em que ficamos. Obviamente, tudo com neve. Muita, muita neve.
O país tem 78.000 quilômetros de estradas entre privadas (que podem ser usadas pelo público) e públicas classificadas com números e letras num sistema extremamente lógico e fácil de entender. Nada de nomes que confundem. A principal estrada (highway) que vai de Norte a Sul do país e por onde mais transitamos, a E75, tem pista simples, sem acostamento e velocidade máxima de 100 km/h. Sim, 100 km/h. No inverno. Com neve e gelo. Quando cruza algum povoado, cai para 60 km/h e esporádica e raramente, em algum trecho, 80 km/h.
Em nenhum momento encontramos um único buraco, desnível, remendo, nada. Nenhuma lombada, nem sequer dentro das cidades como Helsinki. Verdadeiros tapetes. Como o bastante eficiente sistema de trem termina na cidade de Rovaniemi, todo o transporte de cargas e de passageiros dali até a fronteira Norte do país, que fica a 500 quilômetros, é feito pela estrada ou, no máximo, de avião até o aeroporto de Ivalo, que ainda assim está a 200 quilômetros da fronteira norte.
Quando programei a viagem pensei em como seria dirigir com tanta neve e tanto gelo e pesquisei muito. Aluguei um carro simples, um sedã que, aliás, foi o que mais vimos. Pensei que encontraria picapes e caminhonetes, mas foram poucas. O uso de pneus especiais para neve é obrigatório e as locadoras já os incluem no aluguel. De resto, nem correntes, nada. Eles tracionam muito bem, mas se acelerava com um pouco mais de empolgação na saída de um sinal, por exemplo, o carro patinava. Sair da estrada para uma rua ou estrada lateral vindo a 100 km/h e frear também exigia alguma habilidade para não derrapar, mas exceto uma ou duas de leve, nada a reportar.
Mas vimos um par de carros semiencalhados na neve nesses saídas. Aí é pegar a pá de neve no porta-malas e desencalhar o carro. Simples assim.
Na verdade encalhar, derrapar e até mesmo capotar só eu com trenós de plástico e uma espécie de bóia para isso. Pura farra descer os montes de neve ou tobogãs próprios a toda velocidade. Só consegui ter melhor controle nos últimos dias, mas até lá tenho vários vídeos que registraram minha total falta de familiaridade com esses apetrechos. Como sou do tipo que não deixa passar uma chance de se divertir, testei todas as pistas e morrinhos para isso, inclusive em parques públicos.
Sempre com resultados que se colocados no Youtube virarão sucesso de visualizações. Só que não. Zero chance de eu pagar esse mico no ciberespaço. Nos casos em que nem capotei nem me estatelei contra um monte de neve não fiz nada de diferente do que qualquer criancinha finlandesa de 6 anos faria — então, porque mostrar isso para todos? Mesma coisa com o snowmobile. Já havia dirigido e tenho total controle sobre ele. Aí, é só acelerar e curtir o passeio — noturno, desta vez.
Como curiosidade, fomos andar em trenó puxado por renas. Passeio super, hiper, mega turístico. Um clássico, diria. Fica um comboio de renas com um guia na frente e amarradas umas às outras. A nossa era meio rebelde e teimava em sair da fila. Devia ter problema também no alinhamento pois andava totalmente de lado, mas como nem arreios tínhamos era torcer para que ela (macho, na verdade) voltasse para o trilho por vontade própria. Talvez soubesse sobre todas as renas que já tínhamos jantado e almoçado antes daquele passeio, ou alguma fosse parente e tenha querido nos dar um recado, sei lá. Ainda assim, no final nos deram uma carteira de habilitação internacional que nos permite dirigir renas! Esses finlandeses tem um sutil senso de humor…
Voltando à experiência sobre quatro rodas: dirigi carro com câmbio manual. Prefiro nessas condições do que um automático. Os primeiros quilômetros me acostumando à neve, ao gelo, à estrada, mas logo já andando aos mesmos 100 km/h que todos os veículos que estavam na estrada. Senti-me totalmente segura. Tanto que meu marido logo em seguida começou a me incentivar: “Go, Kimi, go!”, como que dizendo para finlandês Kimi Räikkönen acelerar!
O pessoal anda com o farol ligado o tempo todo. É inverno e mesmo de dia a luz é muito menos intensa do que em terras tupiniquins, e tem o hábito de piscar o farol quando há alguma ocorrência à frente. Pode ser uma rena atravessando a estrada, fato frequente, ou um carro em pane. Algo bem prático. Radares só vimos em alguns pouco lugares, super bem indicados e colocado de forma muitíssimo visível. Aliás, a sinalização é enxuta e clara.
Obviamente, muita sinalização vertical. Além de faixa de pedestres no chão há providenciais placas indicando, pois com a neve a pintura no chão fica totalmente coberta. Aliás, tudo fica coberto pela neve e requer atenção saber o que é rua, calçada, qual é a pista que vai, qual a que vem e por aí. Mas é só questão de prestar atenção. Como não há lombadas, nem buracos, o foco é apenas naquilo que realmente deve estar quando se dirige.
Mas nem sempre é fácil ver as placas de sinalização. Imagino que sejam limpas com muita frequência, pois nevou todos os dias da nossa estadia, mas às vezes requer alguma imaginação e visão de águia.
Cruzamos com quatro veículos envelopados que pareciam carros a serem lançados sendo testados, mas não consegui identificar absolutamente nada. Apenas que eram três sedãs e um suve. Ou pareciam isso. Todos eles na E75, entre Saariselka e Inari. Pena. Queria tanto ter fotografado algum! Mas em três oportunidades era eu ao volante e na outra, quando meu marido avisou, eu estava com a câmera desligada, checando o caminho no Waze.
Não vi pedestres atravessarem com o sinal fechado nem mesmo à noite em cidades minúsculas — apenas em Helsinki, de dia, em torno da estação ferroviária. Mas é comum que quando atravessam na faixa não semaforizada nem olhem para os lados e o façam olhando para o celular. Confiam cegamente em que os carros pararão. E param mesmo.
Carros e ciclistas respeitam rigorosamente todas as regras de trânsito. Todas as bicicletas que vi eram simples, normais, nada daquelas bicicletas “gourmet” que vemos em São Paulo. Lá eles usam como meio de transporte, não como forma de se exibir e nem são tantas assim, mesmo na capital onde há mais. Não vi nenhuma ciclovia e andam pela calçada, dividindo espaço com pedestres quando indicado, sempre em velocidade tranquila, sem apostar corrida. Ninguém usa capacete nem roupas fosforescentes, colantes. Nem nos finais de semanas nem por baixo dos vários agasalhos que são necessários nesta época do ano. Vestem-se como se estivessem andando a pé ou de carro. Mas vi luzinhas nas bicicletas. E olha que a Finlândia inteira é superplana. Tanto que a modalidade esqui só rola tipo cross country, já que não há montanhas e são pouquíssimas microcolinas.
Ainda assim, há muitos veículos em relação ao número de habitantes e as vendas de carros sobem acima do crescimento da população. Em janeiro deste ano foram registrados mais 6,4% mais veículos do que no mesmo mês do ano passado e mais 6,6% de carros de passeio, exclusivamente. A frota total é de 6.316.531 veículos, dos quais 4.996.194 em uso efetivamente. Aliás, adorei a precisão desse dado, pois no Brasil usamos números totalmente artificiais que incluem veículos encostados, desmanchados ou apenas inexistentes. O transporte público é integrado e funciona muito bem, especialmente na capital, com muitos bondes como na maioria das cidades europeias, mas também metrô, barcos, táxis e trens. Ainda assim, há muitos carros com uma única pessoa.
Apesar da fama dos finlandeses de gostar de bebida alcoólica — não inverídica, embora não tenha visto uma única pessoa bêbada e bebidas que não cerveja só possam ser compradas em lojas específicas — o trânsito me pareceu extremamente seguro. E aqui vai um parêntese. Além da excelente vodka, tem um gim feito por lá superpremiado muitíssimo louvável. Bebem também muita, muita cerveja, mesmo no inverno. Não tem vinho, claro, mas provamos numa visita de um dia à Estônia um saboroso vinho de maçã que lembra muito um vinho do Porto. Aliás, é engraçado pegar esse ferryboat que atravessa o mar Báltico. É mais um quebra-gelos do que um barco, pois boa parte do tempo a água é sólida. Os finlandeses costumam atravessar o Golfo da Finlândia para ir a Tallinn comprar bebidas, que são mais baratas no país vizinho, e voltamos com pessoas com carrinhos de supermercado cheios de engradados de cerveja. Alguns inclusive bebendo no barco. Mas o ambiente é familiar, por mais estranho que isto possa parecer, apesar de grupos enormes de jovens.
As estatísticas confirmam que apesar do gosto dos finlandeses pela bebida o trânsito é seguro. De janeiro a novembro de 2017 foram registrados 4.060 acidentes nas estradas que feriram 5.117 pessoas e mataram outras 200. Em janeiro deste ano, foram 297 acidentes com 379 feridos e 18 mortos nas estradas. Não localizei dados sobre as cidades, o que me faz crer que talvez eles considerem isso como uma estatística só. Mas é apenas um palpite meu.
Mudando de assunto: ainda estou tentando me inteirar das notícias sobre o Brasil já que fiz questão absoluta de me desligar de qualquer coisa nestes dias todos. Mas ontem vi uns números que me chamaram a atenção sobre acidentes na cidade de São Paulo. O número de mortes no trânsito caiu 6,7% em janeiro de 2018 quando comparado com janeiro de 2017, de 60 para 56. Mas nenhum jornalista que eu tenha visto mencionou que até o dia 25 de janeiro de 2017, portanto quase o mês inteiro, a velocidade máxima das marginais Pinheiros e Tietê era de 70 km/h na pista expressa e de 50 km/h na local. Claro que os dados são da cidade toda, mas quando a estatística é ao contrário fazem questão de falar no aumento do limite (90 km/h e 70 km/h em alguns trechos), ainda que o acidente tenha acontecido a 20 quilômetros de distância de uma marginal. Afe!
NG