Nesta semana, procurando algo no velho baú, acabei achando outra coisa — isso deve acontecer com você também, leitor ou leitora —, algumas fotos do meu lava-rápido, o Xuvisco. Resolvi compartilhar essa história com você.
Em 1970 eu já trabalhava na Volkswagen e tudo indicava que meu futuro lá era promissor, porém, jovem e ambicioso, eu queria mais.
Foi desta ambição que surgiu a ideia de abrir um negócio próprio, o primeiro da minha vida. Eu tinha apenas 23 anos então.
A moda da época eram os lava-jatos, ou lava-rápidos como também eram chamados. Também houve a moda dos boliches e das boates onde se podiam levar as namoradas. Eram todos negócios da moda.
Minha vida sempre foi junto aos automóveis e desta forma minha cabeça começou a pensar em abrir um lava-rápido. O negócio começou a ser planejado, no papel era fácil.
Visitei alguns lava-rápidos aqui em São Paulo para ter uma ideia de como funcionavam. Tive a oportunidade de encontrar alguns gerentes e até proprietários que foram muito honestos comigo e responderam de forma a eu acreditar que o negócio poderia ser bom. Também teve aqueles que se negaram a abrir o jogo. Medo de concorrência?
A lista de equipamentos e demais produtos necessários para abrir um negócio desta natureza era extensa, e isso sem considerar a tarefa de contratar mão de obra.
O mais difícil ainda estava por vir: a escolha do local para abrir este negócio. Tinha que ser em uma região onde este serviço fosse permitido pela Prefeitura, houvesse grande fluxo de veículos e fosse um bairro bem movimentado, e principalmente, com razoável nível socioeconômico dos nele residentes.
Orçamentos feitos, o capital necessário para o negócio já havia sido calculado e o que me faltava era um ou dois sócios, afinal sozinho eu não teria condições de fazê-lo.
Convidei dois amigos para se associarem, dei-lhes todas as dicas do futuro negócio e a ideia progrediu. Um terço do capital necessário para cada um e, vamos em frente.
Meus dois sócios eram funcionários da empresa aérea britânica BOAC (British Overseas Airways Corporation), que não existe mais. Só havia um problema: eles viajavam muito e a carga de trabalho sobraria para quem? Exatamente, para mim.
Tirei férias no trabalho e fui à luta. Primeiro passo encontrar o local ideal ,e não é que achei um logo? Um terreno na rua Tabapuã, no bairro do Itaim, quase esquina com a rua João Cachoeira, de aproximadamente 20 metros de frente por uns 50 metros de fundos, onde o terreno fazia um “L” e havia uma área coberta com capacidade para estacionar uns 10 carros, mais dois excelentes quartos para a guarda de produtos de uso na lavagem e para um vestiário. Encurtando a história, fizemos um contrato de dois anos com renovação automática.
O negócio estava nascendo e o próximo passo era termos o capital em uma única conta e partir para a aquisição dos equipamentos.
O terreno não tinha a construção necessária para um lava-rápido. Foi necessário construir uma recepção, sala de espera, cobertura para o lavador e preparar o piso todo para receber automóveis
Os equipamentos recomendados e sofisticados eram muito caros, aquelas escovas rotativas e sistemas automáticos importados da Itália eram inviáveis para nosso bolso.
A solução foi comprar foi daquele equipamento em forma de arco que lançava água e espuma para a lavagem do carro.
Criamos um tipo de esguicho com água mais forte que vinha de uma grade colocada na entrada do boxe de lavagem para lavar o carro por baixo, ou pelo menos tirar a terra quando ela existia, novidade na época.
A máquina de lavar era operada por dois funcionários, um lavando cada lado do carro e juntos movimentando manualmente o arco sobre trilhos para a remoção do sabão. O próximo passo era a secagem, feita por no mínimo seis funcionários. Não preciso entrar no detalhe, mas tínhamos que cuidar dos pneus, das rodas, passar o aspirador e caprichar nos vidros para ficarem bem limpos. Havia um supervisor para dar ordens e controlar a qualidade dos serviços.
As férias acabaram, mas antes inauguramos o nosso negócio. Todo dia eu passava lá após o expediente na VW porque na época eu não viajava.
Meus sócios, na verdade, pouco apareciam, mais comum era no sábado ou domingo pela manhã, quando trabalhávamos até as 13h00.
O movimento era crescente. As quartas-feiras tinha feira nas proximidades e era um dia muito fraco. Uma promoção foi criada: “Deixe seu carro aqui lavando enquanto você vai à feira.”, e não é que deu certo?
Outra delicadeza era aos sábados oferecer aos clientes batida de limão e alguns salgadinhos na sala de espera, e não podia faltar o café e o jornal do dia (na época não existia a Lei Seca). Para as crianças, balas e pirulitos e tinham aquelas que pediam aos seus pais para ir lavar o carro só para ganharem pirulitos, outra promoção que também deu certo.
Havia outra jogada que eu praticava com os funcionários do boxe, previamente informados e preparados para o “teatrinho”. Quando eu via que o cliente estava acompanhando a lavagem do carro, muitas vezes com a esposa ou os filhos pequenos ao seu lado, e sendo a espuma na época uma novidade, eu entrava no boxe, acompanhava a lavagem e pedia aos funcionários para repetirem a operação, para caprichar. Era comum ouvir do proprietário do carro o comentário, “Viu só, aqui quem toma conta do negócio é o dono, meu carro foi lavado duas vezes”…
Depois de um ano de atividade surgiu uma grande dificuldade, eu tinha sido promovido na VW e precisaria viajar. E como controlar o negócio estando ausente? Isso gerou um grande problema.
Quando eu estava lá, lavávamos carros pequenos, médios e grandes e até caminhonetes e logicamente com preços variáveis de acordo com seu tamanho. Ausente do negócio, meus sócios viajando, o “gerente” me informava que só tinha lavado carros pequenos naquela semana. Conversa dele, ele embolsava os valores correspondentes às diferenças de tamanho dos carros lavados…
O estacionamento noturno dava cobertura a 75% do custo do aluguel, as lavagens iam bem e o resultado, apesar do que o gerente fazia, dava bons resultados.
Nosso recorde foi lavar 160 carros num sábado e 65, num domingo. Excelente performance!
Tínhamos facilidade para conseguir mão de obra. Um bairro em crescimento, Itaim, muitos prédios em construção e operários trabalhando até meio-dia no sábado.
Já havia os extra que vinham cedo e os demais se juntavam na hora do almoço. Chegamos a trabalhar com 16 funcionários. Ao final do dia, a grande expectativa era a divisão da caixinha dada pelos clientes, era eu quem abria o cadeado e na frente dos funcionários para não ter nenhuma dúvida. A caixinha era gorda!
Bem, nem sempre tudo dava certo, reclamação também existia, “meu tapete foi rasgado”, “os vidros estão sujos”, “vocês riscaram a pintura do meu carro”, etc., mas valeu a pena.
Antes de vencer o contrato do terreno e eu iniciando minhas viagens como representante de assistência técnica da VW, em comum acordo com os sócios, passamos o ponto para o dono da oficina de motos que era nosso vizinho.
Lucro não deu, recuperamos o capital inicialmente investido, trabalhei muito, me diverti mais ainda e fiz novos amigos. A Variant branca que aparece nas fotos foi vendida e um Fusca azul “calcinha”, comprado. Viria a ser o meu carro Divisão 3 com o qual competi e muito sobre ele já contei.
Uma coisa é certa: o trabalho enobrece o homem, dá felicidade, saúde, e no caso dos bons tempos de Xuvisco Lava-Rápido, dá uma grande saudade. Isto foi há 48 anos e me lembro como se fosse ontem.
Faria de novo? Claro que sim, porém sem sócios, se possível, ou faria uma melhor escolha deles.
RB