Há mistérios insondáveis na vida. Há dúvidas para as quais, apesar de séculos de análise e discussão, ainda não há respostas. De onde viemos? Qual é o objetivo da vida? Existe um deus? Há vida além desta? E os um pouco mais prosaicos: como foram exterminados os dinossauros? (a divergências sobre o meteoro); como são as outras dimensões? E, mais recentemente, há quem questione se o homem foi à Lua ou se a Terra é redonda e afirme que ela é plana.
Já eu, cá com meus botões, tenho outras dúvidas. Não que eu tenha respostas para as questões acima. Tenho algumas, apenas, mas que estão mais no âmbito das convicções e certamente sou incapaz de embasar muito tecnicamente qualquer uma delas. Ou seja, minhas respostas terão a platitude de um pires e poderão, no máximo, sustentar uma boa conversa (embora curta) num bar ou ao redor de uma mesa com um bom vinho e uns aperitivos. Nada além disso. Não esperem que cite Platão ou Nietzsche, mas pouparei meus interlocutores de frases encontráveis em biscoitinhos da sorte chineses.
Por isso é que minhas dúvidas são bem mais simples. Uma que me persegue há tempos e para a qual jamais consegui uma resposta plausível é por que raios tantos motoristas brasileiros freiam sem nenhuma necessidade, especialmente nas estradas? Certamente não é algo tão transcendental quanto discutir a existência de uma entidade superior ou a imortalidade da alma, mas talvez por isso mesmo haja uma explicação.
Essa questão não é apenas implicância minha. Criam-se congestionamentos e acidentes sem nenhuma razão. Sou usuários das estradas paulistas, praticamente de todas elas e com frequência semanal e testemunho paradas e engarrafamentos nos quais às vezes chegamos a parar completamente sem nenhum motivo plausível — apenas um ou um par de motoristas que freiam do nada, fazendo com que os que vem atrás façam o mesmo. Depois voltam a acelerar não sem antes provocar congestionamento e muitas vezes, colisões. E, quando não se para completamente, o trânsito fica lento e não se consegue ultrapassar. Em descidas é ainda mais comum — e não me refiro aqui a passar acima do limite de velocidade, já que nossas estradas estão coalhadas de radares. É comum que esses motoristas freiem quando o limite é 120 km/h e estão a 100 km/h, menos às vezes. E, não raro, conseguem a proeza de frear mesmo em subidas!
Já comentei neste espaço que tenho certeza de que alguns motoristas devem acreditar que é necessário pisar em algum pedal do carro o tempo todo. Não importa qual, desde que se pise em algum. Se não se pode acelerar, freia-se, ora. Total desconhecimento dos mais elementares princípios da Física, especialmente da Primeira Lei de Newton, a inércia, que reza que um corpo não submetido à ação de forças ou a um conjunto de forças de resultante nula não sofre variação de velocidade. Resumindo toscamente, aquilo que está em movimento, se não for freado, continua andando. E tem mais, na mesma direção, viram, vocês diretores de filmes de terror ou tragédia? Eis outro mistério da vida: por que nessas fitas quando há uma bola ou roda gigante rolando por um caminho todas as pessoas continuam correndo exatamente à frente da esfera? Basta virar que ela seguirá sua direção natural… mas não, segue todo mundo seu inexorável destino que é sempre ser esmagado pela dita-cuja.
Frear sem necessidade, além de provocar desgaste prematuro dos componentes do veículo, cria problemas como o que mencionei acima. Tanto é que é lenda urbana que quem bate atrás seja sempre culpado. Como exemplo de que isso é mito, em caso de aclive, por exemplo, não se aplica, mas não somente nesses casos. Senão não haveria necessidade de sinalizar em caso de conversão ou de mudança de faixa e, em não o fazendo, quem vem atrás seria culpado numa colisão? Claro que não. Por isso é que a culpa de colisão traseira é relativa, o que não quer dizer que não se deva guardar distância do veículo à frente.
Ainda assim, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) especifica isso de uma forma cristalina no Capítulo III, Artigo 42 ao dizer: “Nenhum condutor deverá frear bruscamente seu veículo, salvo por razões de segurança.”
Mesmo no caso de apenas reduzir a velocidade, isso está regulamentado. No mesmo capítulo, mas agora no Artigo 43 do mesmo CTB está escrito que o condutor deve regular a velocidade do veículo conforme as condições da via, não obstruindo o fluxo de forma injustificada e em velocidade anormalmente reduzida, devendo indicar de forma clara e com antecedência a intenção de reduzir a velocidade. E, caso o faça, deve antes certificar-se de que pode fazê-lo sem riscos para os demais – a não ser em caso de perigo iminente.
A questão do “perigo iminente” ou “salvo por questões de segurança” é aquele toque que sempre me parece não precisaria ser necessário, mas acaba sendo. Morei num prédio que proibia que visitantes e funcionários entrassem na piscina exceto em caso de resgate de alguém que estivesse se afogando. Seria hilário se não fosse uma salvaguarda da administração ao escrever o regulamento interno.
Deve ser por isso que toda vez que vejo isso acontecer, especialmente nas estradas, sou acometida por um quase irrefreável desejo de atirar exemplares do CTB janela adentro dos veículos desses motoristas, com post-its coloridos marcando bem os Artigos 42 e 43. Acompanhados de um simpático bilhete com uma observação mais ou menos assim: leia e aprenda antes de sair dirigindo por aí… Ou vocês acham que seria por demais sutil?
Mudando de assunto: você percebe a criatividade e o grau de paixão que se tem pelo carro mesmo na hora de se desfazer dele. Semana passada um argentino divulgou um vídeo para vender seu Peugeot 206. Claro, ele é publicitário e obviamente sabe como fazer isso da melhor forma — palmas para ele. Sei que o áudio está em espanhol e com sotaque superargentino, por isso dou aqui uma pequena e resumida tradução. Mas quem entender um pouco da minha língua-mãe vai curtir muitíssimo. Quem entender menos, ainda assim vai perceber a paixão pelo carro. Até o dia 13 de março o carro não havia sido vendido, mas o vídeo havia sido visto 528.800 vezes e havia sido compartilhado quase 6.000 vezes. Começa dizendo: “Olhe para mim. Sou apenas um carro usado – mas eu também os usei. Os usei para que me levassem a tantos lugares que, de outra forma, não teria conhecido.” Depois, com uma linda voz, diz que “agora que se passaram 114.000 quilômetros querem me oferecer pela melhor proposta. Não os critico. Se pudesse, às vezes eu os venderia”. Não esconde os riscos e ainda brinca com a fama do 206 de ter problemas de partida: OK, eu tenho, mas vai me dizer que você também não tem? Ou você chega toda segunda-feira feliz da vida a seu trabalho? Brinca com a eterna rivalidade Boca e River ao dizer que você pode levar seu mecânico de confiança para conferir o carro, embora “mecânico” e “confiança” sejam a maior contradição do mundo — e mostra uma pessoa com uma corrente no pescoço com o símbolo do River e um broche no macacão com o do Boca. Tem também os trocadilhos com a placa: Genial Buen Auto e sugere que se jogue na loteria o número, 591, quem sabe o carro sai de graça? E, no final, com a letra de tango: o mundo foi e será uma porcaria, eu já sei, no 206 e no 2000 também…Como diz o vídeo, a vida não é apenas bons negócios, mas também boas histórias, especialmente aquelas que ainda não forma vividas. São apenas 2 minutos e 34 segundos de pura emoção e autoentusiamo.
NG
A coluna “Visão feminina” é de total responsabilidade de sua autora e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.