Do projeto AB9, como era chamado o Gol G2, derivaram várias séries especiais.
Séries especiais, facelifts, derivados e modelos especiais trouxeram bastante trabalho para toda área de Design. Normalmente uma nova cor externa, tecidos de revestimento de bancos, logotipos, e letreiros, faixas decorativas, e em alguns casos, peças físicas específicas tais como spoilers, aerofólios, tomadas de ar, grades, rodas, e quando a mudança era média, faróis e lanternas, grades e para-choques, figurinos de bancos, etc.
Mas o modelo mais exótico e desejado sobre o G2 foi indiscutivelmente o Gol GTI.
Para comportar o motor 2,0 de 145 cv tivemos que desenvolver um novo capô, com uma “bolha” para evitar a interferência com o motor cujo cabeçote era maior por serem dois comandos de válvulas. Os motores nesta geração ainda eram longitudinais, que ocupavam mais espaço no compartimento do motor.
Este simples detalhe (a bolha) causou muita polêmica, não só por parte de alguns críticos de carteirinha da VW, mas também por parte da matriz, que, sempre purista e rica, via aquilo como um aborto, um erro de projeto. Eles queriam um capô completamente novo, com novas formas, mas a VWB só tinha dinheiro para fazer uma adaptação na ferramenta de série, já que o caro teria um volume baixo.
Já nós, designers, víamos o detalhe de maneira positiva, pois além de caracterizar o veículo e torná-lo de uma certa maneira exclusivo, também porque o elemento era extremamente “automobilístico, já que este tipo de solução já tinha sido usado em carros de competição, ou com muita potência. No final, e com a ajuda do Winkler, que adorava uma polêmica, e principalmente a discussão por ela gerada, conseguimos a aprovação pelos que tinham o poder de decisão.
Quanto aos críticos desqualificados, foram simplesmente e, como sempre, ignorados. A verdade é que este carro hoje é tido como um clássico, de grande valor, justamente por ser como ele é.
Designers têm que ter um treinamento psicológico, que acaba acontecendo naturalmente conforme suas propostas são recusadas ou criticadas negativamente. Eu diria que só 10% de tudo que um designer gera de ideias é aproveitado e se torna realidade. Os outros 90% vão para o lixo ou são arquivado para sempre.
Outro grande erro, que a maioria das pessoas e jovens designers acreditam, é que aquele desenho fantástico que ele, grande gênio, criou, vai se tornar realidade. Em toda minha vida eu nunca vi isto acontecer.
Para começar, o verdadeiro trabalho do designer de automóveis não são os desenhos, mas sim os modelos de Design. De cada 20 desenhos que você faz, talvez um será incluído para competição interna, liderada pelo Designer-chefe, que escolhe, sob o ponto de vista dele, o que deve ser direcionado ao Board da companhia, que é quem, no fim, escolhe os temas que vão se transformar em modelos.
Na construção do modelo muitos detalhes são eliminados ou modificados, seja por inviabilidade técnica, seja por custo, ou simplesmente eliminado em uma das várias revisões, feitas semanalmente pelos chefes, a começar pelo supervisor do estúdio, depois pelo chefe do exterior, ou interior, e finalmente, nas reuniões oficiais com o Board.
O que acontece também com muita frequência é ser aprovado a frente de um modelo, traseira de outro e lateral de um terceiro. É claro que tudo tem que ser “harmonizado” novamente, mas faz parte do trabalho, vencer e resolver estes desafios.
Quando eu falo do Board, normalmente se trata do presidente da companhia e seus colaboradores diretos, que são o vice-presidentes e os diretores.
Tipicamente, as áreas de uma indústria automobilística são: Engenharia (que no caso da VW engloba o Design), Produção, Qualidade, e Marketing, que são áreas técnicas, e Finanças e Recursos Humanos, que são áreas administrativas.
Existem também algumas áreas que podem se reportar diretamente ao presidente, por exemplo, o Planejamento do Produto e Assuntos Legais, caso ele ache isto importante. Então o presidente é o chefe máximo?
A resposta é não. Porque ele também tem que se reportar ao Board alemão. Então é o Board alemão que manda? NÃO, pois o Board se reporta aos acionistas que representam os donos finais da companhia.
A grande verdade é que por mais que você suba, sempre haverá alguém que manda e pode mais que você, a não ser que você seja o dono do negócio, e mesmo assim, você tem que prestar contas de seus lucros ao fisco.
Já se foi a época de ouro em que os grandes designers como Pininfarina, Giugiaro, Bertone e outros grandes definiam um desenho e ponto, também porque isto é possível quando você fabrica em baixíssima produção (protótipos).
Você tem que direcionar sua vida profissional para aquilo que você gosta de fazer. No meu caso, muitas vezes durante minha carreira eu teria trocado minha mesa de diretor pela mesa de um designer.
Mas infelizmente no Brasil muitas vezes uma promoção é a única maneira de ter um salário melhor, e normalmente a partir deste momento sua vida não será tão agradável ou cheia de sentido como era antes.
Para terminar o tema, um carro não é nem nunca será o trabalho de uma única pessoa, mas sim de um time. No nosso caso, o time de Design, onde cada designer, exterior, interior e color&trim, engenheiros avançados, modeladores, tapeceiro, pintores, e especialistas em superfície matemáticas se unem para gerar um trabalho conjunto e em harmonia, liderados pelo Designer-chefe.
Portanto quando falamos do Gol G2, goste eu ou não, o responsável foi o Sr. Winkler, Designer-chefe na época.
Voltando ao projeto AB9, derivamos alguns “BODY STYLES”: hatchback, notchback (sedã que nunca foi produzido), perua (ou station wagon) e uma picape. a Saveiro, este tipo exótico de picape derivada de um automóvel que atualmente só existe no Brasil.
Na Saveiro G2, tivemos grandes melhorias funcionais. Fora todas que foram herdadas do Gol, trabalhamos muito na melhoria da caçamba.
Os fatores determinantes na caçamba são o volume, acesso, fixação e proteção de carga, e o grande problema que é fazer o nó estrutural entre a caçamba e a cabine.
Imagine se a caçamba está carregada, não somente de volume mas também de peso, qualquer torção entre cabine e caçamba pode romper a união da coluna B com a cabine.
Para reforçar esta área são necessários grandes raios na união caçamba-cabine, porém um raio grande neste local deixa o desenho muito convencional e não combina com o design geral do carro. Então trabalhamos junto com os engenheiro em soluções estéticas que otimizem a estrutura e crie uma solução estética aceitável.
Ficou claro que só quando design e Engenharia trabalham juntas, com o design puxando a Engenharia para voos mais altos, quando você desafia o profissional, você consegue resultados inovadores.
Já nesta época começamos a fazer comparativos com os concorrentes. Cada medida existente tem que melhorar, e nunca ficar pior que o concorrente principal, ou perseguir o que chamamos de “best in class”.
Nosso grande problema específico para as medidas de compartimentos de bagagem, são os padrões da Volkswagen, no caso, um paralelepípedo, se me recordo bem, de 200 x 100 x 50 mm (o chamado bloco VDA) de 1.000.000 mm³ ou 1 litro, enquanto alguns concorrentes medem os compartimentos com esferas de 50 mm de diâmetro (0,65 litro), o que acaba sendo uma vantagem para o concorrente. Mas a VW entende que o cliente não carrega bolinhas, mas bagagem , caixas, objetos.
Então você tem que fazer o mix de todos estes desejos, e não sacrificar a estética, o balanço visual dos elementos que formam o design do carro.
Um detalhe de design muito marcante na Saveiro G2 era a segunda janela lateral fixa, que foi usada como elemento estético para minimizar o tamanho da coluna B. Normalmente apresentamos o modelo mais completo, topo de linha, com as rodas as mais largas possíveis, com o modelo em atitude baixa (todos os modelos têm um dispositivo hidráulico ou elétrico que permite ajustar sua altura).
Quando um carro sai da linha de montagem ele apresenta uma atitude nada elegante, pois está com toda suspensão sem uso, tanque vazio, e normalmente é dirigido somente pelo piloto que maneja o carro até o pátio. Na concessionária é a mesma situação. Nesta condição o carro fica mais alto do solo, e normalmente com a traseira bem mais alta que a dianteira.
Com o tanque cheio, e conforme coxins e suspensão assentam, com dois ou mais passageiros e bagagem leve, o carro fica mais baixo e mais alinhado com o solo, portanto com uma atitude mais elegante, porque todo peso extra vai influenciar na suspensão traseira. Quando um carro está na sua lotação total, ele também tem uma atitude de “cansado” pois aí, toda traseira acaba ficando mais baixa que a dianteira.
Porém a função de uma suspensão móvel nos modelos de clay não estão ligados a este tipo de necessidade. Quando o modelo vai para a ponte de trabalho ele é fixado em posição milimetricamente controlada por pinos ajustáveis fixos ao chão da ponte, na posição de construção, tal qual os desenhos de projeto. As rodas, então, não têm função.
No centro do eixo dianteiro está o ponto “zero”, tanto no comprimento como na altura. Na largura, o ponto zero está no centro do carro. A parte plana do assoalho, e pelo menos as linhas inferiores, soleiras e “gaps” inferiores das portas são paralelas ao solo.
Quando se trabalha o modelo na ponte, retira-se as rodas, que só são montadas para
apresentações.
Quando o modelo vai para a pintura, normalmente o deixamos o mais alto possível, e com rodas de trabalho, normalmente de chapa, para facilitar o trabalho do pintor.
Na apresentação, sim, o carro é ajustado para ficar na posição ideal, conforme o gosto do Designer-chefe. A maioria sempre usa rodas maiores e “rouba” alguns centímetros na altura do modelo, deixando o carro mais baixo, pois um carro mais baixo é sempre mais bonito e esportivo.
Este pequeno detalhe já causou muita discussão e estresse, pois, de qualquer maneira, existe um padrão a ser usado, e sempre cumprimos o padrão estabelecido, porém muitas vezes podíamos ver que outros modelos concorrentes não estavam obedecendo às regras.
De qualquer maneira, para acabar com isso, na era (Martin) Winterkorn, que viria uma década depois, a posição foi definida como carro com duas pessoas e tanque cheio, claro, calculada pelos engenheiros, o que significa, na prática, para carros europeus: três dedos entre o topo da roda e o centro da caixa de roda.
Infelizmente no nosso pais “off-road” carros baixos e rodas grandes com pneus de baixo perfil não se dão muito bem.
Portanto já começamos perdendo no quesito ATITUDE, que é um item estético, de beleza, dinamismo e proporção.
LV