E não é que aconteceu mais uma vez? Eu ia escrever sobre uma coisa e… escreverei sobre outra. A realidade no Brasil é mais dinâmica do que alhures — gostaram? Vai no lugar de uma mesóclise ou ênclise, que faz tempo que não uso e talvez não o faça hoje.
Estava eu tranquilamente vendo um telejornal matinal na terça-feira quando me deparei com algo que mesmo em terras tupiniquins chama a atenção pela originalidade. No bairro da Vila Mariana, em São Paulo, agora existem lombadas para pedestres. Sim, em plena calçada (fotograma da abertura). E exclusivamente nela, pois é ali que começam e terminam.
Pois é. Quando vejo essas coisas de manhã cedo tenho a tendência a achar que ainda não estou totalmente acordada. De fato, não sou uma pessoa exatamente matinal, mas depois de esfregar meus olhinhos e de colocar toda minha atenção no assunto percebi que não era um pesadelo. Bem, provavelmente é para quem tem de transitar por lá, mas em todo caso não tem nada a ver com meu letárgico estado matinal.
No país da tomada de três pinos diferente de qualquer outra, das decisões de uma Suprema Corte que são contrariadas por habeas corpus de um ministro da mesma Suprema Corte e de tantas outras, vá lá, peculiaridades, inovamos não apenas com as lombadas no leito carroçável — que já é algo raro fora do País — mas também com elas nas calçadas.
Se lombadas sobre o asfalto são, teoricamente, para reduzir a velocidade dos veículos, para quê serviriam na calçada? Os pedestres paulistanos estariam correndo tanto assim a ponto de colocarem a si próprios ou a outros em perigo? OK, paulistano tem fama de estar sempre com pressa, o que é verdade a maior parte do tempo, mas… lombada? Fala sério!
Elas apareceram subitamente numa calçada onde há obras do metrô. A explicação dada ao telejornal é de que ali serão plantadas árvores e as lombadas serviriam para preservar o local. Caro leitor, se você não entendeu o que tem uma coisa a ver com a outra, somos dois. Se você entendeu a “lógica’ do argumento, me explique porque eu não consigo ver correlação entre uma coisa e outra. Se fosse um canteiro com uma fita em volta, faria sentido e é o que se costuma fazer. Mas, lombada?
Cadê a lógica de cimentar a via em toda sua largura, a cada par de metros, elevando-a para daqui a pouco quebrar tudo e fazer a cova para uma planta? Mas eles foram muito considerados com os passantes e depois de várias reclamações de pessoas que tropeçaram na geringonça pintaram umas faixas atravessadas, no melhor estilo lombada de rua em versão livre, de forma a destacar o trambolho. Também uma versão bastante livre quanto a cores e padrão — mas como pelo visto lombada em calçada é algo inédito, por que não inovar também na sinalização, não é?
Como sempre que encontro algo que considero uma barbaridade, fui pesquisar se isso é regular e se está previsto em algum lugar. Sei lá, vai ver que o Inmetro já estudou lombadas nas calçadas e eu é que estou mal informada. Ou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem um padrão para isso. Ou que o Código de Trânsito Brasileiro prevê isso. Só me faltou checar mais a fundo a Constituição, mas como vira-e-mexe a consulto (pois sempre sou surpreendida com novidades e interpretações para lá de livres), diria que também é pouco provável que haja algo nesse sentido. Embora conste lá a proteção às baleias, não vi, a priori, nada sobre lombadas nas calçadas.
Destaco que olhei várias vezes as imagens do local para ver se havia entrada e saída de veículos e as lombadas poderiam ser para carros ou caminhões, mas não. Além de toda a lateral estar fechada completamente com tapumes, não há portas e as tais lombadas são quase quadradas. Ou seja, o carro atravessaria a lombada também longitudinalmente.
Bom, quanto mais tento explicar o que são estas geringonças e todas as alternativas que me ocorreram sobre o porquê estariam onde estão, mais me enrosco. É algo que continua não fazendo o menor sentido para mim. E se forem plantar algo nesse espaço todo, não sobrará passagem para pedestres. Vai ser o quê? Um flamboyant? Um chorão? Uma sequoia?
De quebra, há uma faixa de auxílio a deficientes visuais que foi abruptamente interrompida pelos tapumes, conduzindo quem a usa diretamente para que enfie a testa numa parede. O mínimo que poderiam ter feito é cobrir essa parte do piso táctil. Longe de ser o ideal, mas é melhor não ter piso táctil nenhum do que um que pode machucar quem o usa e confia nele.
Como sou uma curiosa infatigável, pesquisei lombadas em calçadas e lombadas para pedestres em outras praças. Não encontrei nada nem no Brasil nem no exterior, o que me faz crer que essa praga ainda não se alastrou para outras freguesias. Espero que assim seja e não apenas algo que eu não encontrei.
O bairro da Vila Mariana é um dos bairros charmosos da cidade, mas parece que vem sendo usado como laboratório de testes de barbaridades. Em 2014 foi instalada uma ciclofaixa por lá – várias, aliás, mas uma que passava na frente do colégio Madre Cabrini. Exatamente do lado da rua da escola — se bem que do outro lado da rua há outra escola e mais duas, além de uma universidade até o final dela. Mas, como naqueles anúncios “ligue já”, isto não é tudo.
A mesma rua foi agraciada com uma faixa “extra” para embarque e desembarque e para pedestres, entre a calçada e a ciclofaixa, pintada de azul. Fazia parte de um projeto-piloto da Prefeitura para embarque e desembarque. As crianças que descessem dos carros o fariam no meio da rua e teriam de atravessar a faixa azul e outra de bicicletas antes de chegar à calçada da escola. Prático, não? Na teoria, por ter faixas brancas, a ciclovia deveria ser usada naquele trecho por ciclistas somente desmontados até como forma de evitar acidentes, o que nunca ocorreu.
Depois de seguidas reclamações de pais e da própria escola, a ciclofaixa foi cortada no trecho de frente à escola em 2016. Desde então, as crianças descem diretamente na calçada. Detalhe: repetindo, na mesma rua há um total de quatro escolas, uma faculdade e ainda uma clínica num total de cerca de alguns milhares de crianças e adultos. E não se viram mais faixas azuis piloto pela cidade.
Em todo caso, fica aqui o alerta que confirma minha teoria, devidamente comprovada por pesquisas empíricas de campo (e granja e pomar) do DataNora: as lombadas surgem do nada, como cogumelos depois da chuva. Portanto, todo cuidado é pouco, pois agora o próximo passo podem ser radares para pedestres, tendo em vista que eles devem estar correndo muito. E sim, modo irônico ativadíssimo.
Mudando de assunto: sobre a corrida de Fórmula 1 de domingo, foi tão mais ou menos que não tenho muito a comentar — exceto mais uma lambança de Grosjean, que continuou acelerando e esterçando o volante para voltar à pista. Acabou com a corrida do Hulkenberg e do Gasly de graça. E ainda disse que tentou voltar sem prejudicar os outros. Hã? Como assim? Ele estava no pelotão do meio — logo, obviamente haveria uma dúzia de carros que deveria desviar dele.
E mudando de assunto do mudando de assunto, darei uma folga a meus caríssimos leitores. Volto dia 6 de junho. Até lá.
NG