Uma semana inesperadamente plena de imprevistos alterou a rotina do teste de 30 dias com o Nissan Kicks. De uma hora para outra tive que embarcar em um avião e deixar São Paulo por três dias completos. Na volta, a greve dos caminhoneiros estava a pleno e, assim, o Kicks pouco rodou. Nada daquelas breves viagenzinhas que imaginava poder fazer, e que me dariam não apenas “horas de voo” no suvezinho nipo-brasileiro (obrigado, leitores por me tirarem das trevas da ignorância acerca do bizarro “nipo-carioca”…), mas, e principalmente, conhecimento e causa para poder descrever o veículo.
Na falta de quilômetros, recorri ao plano B — na verdade plano “S”, de Suspentécnica. Na oficina de Alberto Trivellato, a análise técnica que normalmente encerra nossos 30 Dias foi antecipada e assim, para a semana final, (se os caminhoneiros permitirem…) encerrarei com as tais “viagenzinhas”.
Sendo um carro relativamente novo — pouco mais de um ano de mercado — a entrada do Kicks na oficina causou alvoroço entre a dezena de colaboradores da Suspentécnica, e assim, com carro suspenso no elevador, a peregrinação dos profissionais para conhecer as entranhas da novidade foi evidente.
Antes disso, Alberto fez sua costumeira avaliação dinâmica no circuito padrão no entorno da oficina, onde cada irregularidade do piso serve de teste para todos os carros da clientela. Tendo mais ou menos o “mesmo chassi” que eu, Trivellato dificilmente mexe na posição de dirigir dos carros avaliados e assim foi também com o Kicks, que ganhou seu primeiro elogio por conta exatamente do banco, do encosto que, segundo o colaborador, “abraça as costas, não deixando pontos com maior pressão que outros”. Ponto para este importante aspecto, o conforto ao volante.
A passada de olhos no interior gerou o comentário referente à simplicidade dos materiais aplicados, mas também ao bom nível construtivo: não há frestas excessivas, irregularidades entre vãos. Tudo aparenta ser bem projetado e construído. Quanto à pedaleira, Alberto destaca o desnível entre o pedal da embreagem mais alto que o do freio ser incômodo, pois obriga a um movimento de elevação da perna esquerda. Eu não havia notado, mas depois do comentário, passei a perceber tal característica que certamente não é positiva.
O grande destaque, desta vez de caráter elogioso, foi dado ao acerto das suspensões. Na condição urbana o Kicks mereceu palmas pela capacidade de conciliar conforto com a positiva impressão de ajuste adequado. Não é rígido nem tampouco macio demais. O problema — probleminha, no caso — é passar para a cabine mais do que deveria em termos de vibrações e impactos por conta da já mencionada economia de material fonoabsorvente. Porém, isso não impacta o positivo aspecto dinâmico, de carro “sempre na mão” e capaz de engolir a desgraça em forma de pavimento que é típica no Brasil inteiro.
Um detalhe notado por Alberto neste giro com o Kicks foi a presença de um ligeiro torque steer, que aparece quando se impõe aceleração plena. O que é isso? Apenas a tendência da direção girar levemente para um lado específico por conta das semiárvores serem de comprimentos diferentes. Percebe um ligeiro desvio à direita quando em aceleração plena. A semiárvore esquerda sendo mais curta “acelera” mais essa roda do que a direita.
Sobre a direção, o ajuste da caixa com assistência elétrica também mereceria melhor ajuste. Em termos de peso e progressividade não há problema, porém em baixas velocidades ela tende a não se realinhar de modo adequado e por vezes obriga ao condutor a concluir a manobra atuando no volante. Outro aspecto é que, em linha reta (e sempre em baixas velocidades) o autoalinhamento é deficiente, ou seja, se girado levemente o volante “fica”. Isso posse se dever algo anormal na caixa de direção ou a características da geometria de suspensão dianteira. Nada grave, apenas incômodo para alguns, sendo que a grande maioria dos motoristas nem irá perceber.
Falando em comandos, excelente os engates do câmbio que segundo nosso colaborador “chupa” as marchas. Dirigindo à la motorista de táxi, passando marchas sem sequer atingir mil e poucas rpm, uma das melhores características do motor do Kicks foi notada por Alberto Trivellato, a elasticidade. Impressiona a capacidade não de apenas conseguir rodar a baixos regimes de rotação sem vibrar ou hesitar, mas principalmente a capacidade de retomada.
De fato o Kicks, com apenas dois a bordo, é capaz de progredir em 5ª marcha desde 20 km/h de maneira resoluta, inclusive encarando aclives ligeiros. Tal característica é especialmente bem-vinda em uso urbano que, possivelmente, é a praia da maioria dos donos deste Nissan.
De volta à oficina, a quantidade de narizes especializados que se empinaram para fungar as entranhas do Kicks foi digna de nota. O que eles viram? Simplicidade, essencialidade e personalidade. Ao contrário do usual, o Kicks não tem grandes parentescos com outros carros da Nissan e sua empresa-irmã Renault. Apesar de seguir a receita McPherson à frente e eixo de torção atrás, o Kicks não parece ser um herdeiro de componentes de outros Nissan.
Um elemento que gerou comentários foi a estrutura onde a suspensão dianteira assim como o conjunto formado pelo motor e câmbio se apoiam. De dimensões maiores que o usual, este subchassi aparenta robustez que, de certa forma, não é acompanhada pelos restantes elementos. Exemplo vem das bandejas de suspensão dianteira assim como do conjunto mola-amortecedor, essenciais, leves, que mais ou menos ditam o padrão seguido pelos restantes elementos como braços de suspensão, sistema de conexão entre caixa de direção e rodas e todos os coxins que, de modo geral, são pequenos e simples. Não parece haver, segundo Alberto Trivellato, nenhum coxim hidráulico e isso não depõe contra o projeto, mas apenas indica que o padrão seguido foi o da simplicidade.
Quanto à suspensão traseira, segue este mesmo conceito: o eixo traseiro de torção tem personalidade, com as partes próxima às rodas tendo um formato peculiar, “todo Kicks”; a localização dos essenciais molas helicoidais e amortecedores — separados — são corretos.
No restante cenário, a estrutura se apresenta convencional, com tanque situado à frente do eixo, em posição centralizada, e com o sistema de escapamento devidamente isolado para evitar passar calor à cabine. Falta é notada no que diz respeito à proteção do conjunto motor-câmbio e nos dutos de freios: certamente é melhor evitar o fora-de-estrada com muitas irregularidades quando ao volante de um Kicks.
Alguns aspectos chamaram a atenção do colaborador. Um deles foi o estranho andamento do capô, cuja espessura é anormalmente elevada. Parte do motivo está no posicionamento do sistema de fechamento, afundado. Outro — talvez —na busca de eliminar uma indesejável área vazia no berço do motor, o que poderia causar descompasso térmico na área. Com a palavra, os técnicos da Nissan.
Especialista em suspensões, Alberto Trivellato observou uma marca de movimentação nos montantes de suspensão dianteira, exatamente no ponto de ancoragem dos amortecedores à estrutura superior do monobloco do Kicks. A “dar bandeira” eram as marcas da borracha que circunda o topo da fixação dos amortecedores, que na superfície branca deixaram sinal evidente que ali está havendo uma movimentação. O que isso causa em termos práticos? Eventualmente, imprecisão na geometria da suspensão dianteira e, talvez, ruídos futuros.
Ainda olhando cofre do motor adentro, aquela velha má impressão causada pela aplicação irregular de tinta está presente. Em alguns pontos há pintura, em outros apenas a tinta de fundo e, em outros ainda, um “nem cá nem lá”. Certamente o olho não gosta de ver tal indefinição: ou pinta tudo, ou nada.
Ao fim da análise, o Nissan Kicks se revela um carro construído com inteligência: o alvo foi a efetividade, ser simples mas ao mesmo tempo funcional. Quem o projetou teve como alvo um simplificar aspectos construtivos e realizar um veículo de custo abordável, adotando componentes que não são superdimensionados mas que atendem às necessidades.
Evidentemente, se materiais fonoabsorventes fossem aplicados de maneira mais generosa o conforto na cabine seria maior, idem com relação ao padrão dos coxins usados. Mas nada disso condena o Kicks, apenas confirma o que dissemos no início: ele é um exemplo perfeito de simplicidade, essencialidade e personalidade. E, pelo que mostra nas vendas, está sendo bem compreendido, cobiçado até.
E na semana que falta, o que virá? Eu gostaria de submetê-lo a mais uma viagem, desta vez bem carregado. Os planos estão prontos, basta apenas verificar se o Brasil voltará a funcionar, ou seja, se sairá combustível das bombas…
RA
Leia os relatórios anteriores: 1ª semana 2ª semana
Nissan Kicks 1,6 S MT
Dias: 21
Quilometragem total: 1.176 km
Distância na cidade: 756 km (64%)
Distância na estrada: 420 km (36%)
Consumo médio: 9,3 km/l (78% gasolina/22% álcool)
Melhor média (gasolina): 14,0 km/l (rodovia)/10,5km/l (cidade)
Melhor média (álcool): 7,3 km/l (cidade)
Pior média (gasolina): 7,4 km/l (cidade)
Pior média (etanol): 6,3 km/l (cidade)
Velocidade média: 24 km/h
Tempo ao volante: 48h55min
FICHA TÉCNICA NISSAN KICKS 1,6 S MT 2018 | |
MOTOR | |
Designação | HR16DE 1,6 |
Tipo | Dianteiro, transversal, 4 cilindros em linha, bloco e cabeçote de alumínio, 16 válvulas, duplo comando de válvulas, corrente, variador de fase na admissão e escapamento, atuação de válvulas direta por tuchos-copo, flex |
Cilindrada (cm³) | 1.598 |
Diâmetro x curso (mm) | 78 x 83,6 |
Potência (cv/rpm, G/A) | 114/5.600 |
Torque (m·kgf, G/A) | 15,5/4.000) |
Corte de rotação (rpm) | 6.500 |
Taxa de compressão (:1) | 10,7:1 |
Formação de mistura | Injeção no duto |
TRANSMISSÃO | |
Tipo | Transeixo manual de 5 marchas à frente e uma à ré |
Relações das marchas (:1) | 1ª 3,727; 2ª 1,957; 3ª 1,233; 4ª 0,903; 5ª 0,738 |
Relação do diferencial (:1) | 4,929 |
Rodas motrizes | Dianteiras |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira eletroassistida indexada à velocidade |
Voltas entre batentes | 3,1 |
Relação da direção (:1) | 16,8 |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 10,2 |
FREIOS | |
De serviço | Hidráulico servoassistido a vácuo, duplo circuito em diagonal |
Dianteiros | A disco ventilado |
Traseiros | A tambor |
Controle | ABS de 4 canais e 4 sensores com EBD e auxílio à frenagem |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Aço, 16” |
Pneus | 205/60R16H |
Marca e modelo | Continental ContiPowerContact |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.295 |
Largura | 1.760 |
Altura | 1.590 |
Distância entre eixos | 2.610 |
Bitola dianteira/traseira | 1.520/1.535 |
Distância mínima do solo | 200 |
Profundidade de vau | 450 |
Ângulo de entrada (º) | 20 |
Ângulo de saída (º) | 28 |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente aerodinâmico (Cx) | 0,345 |
Área frontal calculada (m²) | 2,25 |
Área frontal corrigida (m²) | 0,776 |
PESOS E CAPACIDADES | |
Peso em ordem de marcha (kg) | 1.109 |
Carga útil (kg) | 427 |
Distribuição do peso D/T (%) | 62/38 |
Peso rebocável sem freio (kg) | 350 kg |
Porta-malas (L, VDA) | 432 |
Tanque de combustível (L) | 41 |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Monobloco em aço, suve, 4 portas, 5 lugares, subchassi dianteiro |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 11 (estimada) |
Velocidade máxima (km/h) | 180 (estimada) |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL INMETRO/PBVE (com câmbio CVT, manual n.d.) | |
Cidade (km/l, G/A) | 11,4/8,1 |
Estrada (km/l, G/A) | 13,7/9,6 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 5ª (km/h) | 32,8 |
Rotação a 120 km/h (5ª) | 3.650 |
Alcance nas marchas a 6.500 rpm (km/h) | 1ª 42; 2ª 80; 3ª 128; 4ª 174 |
INFORMAÇÕES ADICIONAIS | |
Intervalos de revisão/óleo | 10 mil km ou 1 ano |
Garantia | 3 anos |