Porsche alfineta circo da Liberty e Todt prega economia de escala.
O recente noticiário envolvendo a Fórmula 1 e o Mundial de Resistência deixa claro que o céu que encobre ambas tem algo a mais que aviões de carreira, como diria o Barão de Itararé. De um lado, a Porsche preparou seu modelo 919 da temporada WEC 2017 para andar mais rápido que um F-1 no veloz circuito de Spa e, de outro, Jean Todt advogando que as duas categorias devem adotar mais peças e sistemas em comum. A disputa entre ambas não é novidade, ocorre ciclicamente e sempre quando o reino dos monopostos mais caros do planeta sofrem alguém tipo de ameaça direta ou indireta.
Não custa nada lembrar que o próprio Todt, hoje presidente da Federação Internacional do Automóvel (FIA), já foi vítima em uma dessas batalhas, mais exatamente quando chefiava a equipe Peugeot que venceu as 24 Horas de Le Mans com o modelo 908 HDi em 2009 (Alexander Würz/David Brabham/Marc Gené) e com o modelo 905 em 1993 (Geoff Brabham/Christophe Bouchut/Éric Hélary) e 1992 (Derek Warwick/Yannick Dalmas/Mark Blundell). A marca francesa investiu pesado na categoria por vários anos mas alterações no regulamento acabaram por interromper o programa e, pior, a proposta de usar o motor na F-1 em parceria com a McLaren, em 1994, nunca funcionou. Foi mais um episódio em que os programas de grandes fabricantes de automóveis sucumbiram às mudanças políticas e desportivas.
Nos anos 1960/1970 a categoria era mais conhecida como “Protótipos” e teve nesse período marcas como Ferrari, Alfa Romeo, Porsche, construtores como a Lola e Chaparral, que foi o maior programa esportivo internacional da General Motors, ainda que a ligação entre ambas seja mantida até hoje numa aura de secretismo. Eram tempos em que os principais pilotos da F-1 eram estrelas também nos grids de Daytona, Sebring e Le Mans, para mencionar apenas três pistas; a primeira vitória da Ford no asfalto de Sarthe foi conquistada pelos neozelandeses Bruce McLaren e Chris Amon.
O inglês Graham Hill, campeão mundial de F-1 em 1962 e 1968, é o único piloto a ter conquistado tal glória e também Indy (1966) e Le Mans (1972), trilogia de conquistas que ficou conhecida como “tríplice coroa”. Mais recentemente o título da F-1 foi substituído nessa lista pela vitória no GP de Mônaco, algo que facilitou a vida de marqueteiros e em nada afetou o retrospecto do pai de Damon Hill: o inglês faturou o GP de Mônaco em 1963/4/5/8/9.
Fernando Alonso e seus empresários na McLaren enxergaram a possibilidade de recuperar sua imagem de vencedor (e consequentemente atrair maiores patrocinadores) e passaram a investir na possibilidade de o espanhol replicar o feito de Hill. No ano passado ele disputou a Indy 500 e chegou a liderar a prova. No fim de semana ele estreou no WEC e venceu a 6 Horas de Spa, abertura do campeonato WEC, defendendo a Toyota e se preparando para Le Mans. Nos treinos para a corrida belga o brasileiro Pietro Fittipaldi bateu na curva Radillon e sofreu fraturas nas pernas. O motivo do choque foi uma falha, possivelmente elétrica, em seu carro.
Ironicamente um dos maiores opositores da categoria “Endurance” tem ligações indiretas com a recente campanha da Porsche em usar uma versão modificada do modelo 919, usado no WEC 2017, para demonstrar desempenho superior a um F-1. No primeiro capítulo de um projeto chamado “Tributo ao Porsche 919”, que você pode conferir clicando aqui, um modelo com motor de 710 cv (a versão homologada tinha 493 cv) a adoção de uma asa traseira e um difusor dianteiro de maiores dimensões, este último com a novidade da abertura variável. Por ano a fio Bernie Ecclestone foi visceralmente contra o crescimento das provas de resistência.
Indiretamente a Porsche indica que as próximas exibições — Nürburgring (neste fim de semana), no Festival de Goodwood (julho), Festival Porsche em Brands Hatch e Laguna Seca (ambas em setembro — são uma maneira de capitalizar o desenvolvimento do programa de competição para 2018, que foi abortado. Indiretamente, o feito de ter baixado o recorde oficial de Spa (Lewis Hamilton, 2017, 1’42”553) para 1’41”770, nas mãos de Neel Jani, é uma provocação não só à Mercedes, mas à toda F-1. Ao notar que Herbie Blash, o eterno braço direito de Ecclestone, passou a trabalhar na estrutura da Porsche Cup europeia, a história ganha tempero mais picante.
Se a casa do Jardim das Éguas (Stuttgart), quer mostrar tecnologia, Todt e a FIA defendem a adoção de trens de força e outros equipamentos comuns nas duas categorias envolvidas. Em princípio o discurso passa pela ladainha da economia de escala, diminuição de custos e outros que tais, algo reforçado pela campanha de diminuir o número de motores usados por temporada na F-1. Se tradicionalistas são radicalmente contra a proposta, os mais sensatos vão considerar que contra a validade de baixar custos, a essência de ambas categorias e a eterna necessidade de manter os monopostos como ápice do esporte nunca trouxeram ganhos aos esporte-protótipos.
WG