Corrida em Montreal acontece em clima de férias de verão.
Não tem o charme de Mônaco, nem a tradição de Spa, mas Montreal é, sem dúvida, uma das etapas mais descontraídas, senão a mais mais animada, da temporada. Disputado no circuito Gilles Villeneuve, o traçado semipermanente desde o GP de 1978 foi construído na Ilha de Nossa Senhora (Île de Notre-Dame), herança de épocas mais pródigas em grandes eventos internacionais e que remete à Feira Mundial de 1967 e aos Jogos Olímpicos de 1976. Consequência do inverno rigoroso do país da América do Norte, o verão é aproveitado ao máximo, particularmente em Montreal, cujas estações de metrô são interligadas a shopping centers e criam uma verdadeira cidade subterrânea. Com as temperaturas mais altas desta época do ano proliferam eventos variados, em especial gastronômicos focados em lagosta e cerveja e o apropriado Festival da Velocidade, que promove vários shows e mobilizações no centro da cidade.
O clima descontraído envolve até mesmo as equipes, que disputam uma prova de travessia da raia olímpica da ilha, cuja visão panorâmica você pode observar no vídeo acima, produzido em 2015. A competição começou nos anos 1980 e foi interrompida quando as equipes passaram a construir embarcações especialmente projetadas para a prova. No ano passado ela foi reincorporada ao programa, desta vez com restrições “orçamentárias”: mecânicos, engenheiros, dirigentes e até chefes de equipe só podem participar usando botes construídos com materiais rudimentares, como galões de plástico, estrados de madeira, carpetes e similares. Sinal dos tempos, foi a única vitória da McLaren na F-1 desde… 2012 no Brasil
O evento ajuda a descontrair o clima nem sempre positivo gerado pela rádio paddock em plena atividade nesta fase da temporada: pilotos negociando contratos, equipes flertando com fornecedores de motores e promotores americanos buscando oportunidades para entrar no calendário, são os assuntos mais comentados.
Torcedores da América do Norte aproveitam a oportunidade para saciar a sede de F-1 e completam o cenário de uma competição que ganhou um novo sopro de vida após a prefeitura de Montreal cancelar o evento de Fórmula-E. Segundo a prefeita Valérie Plante, a categoria de monopostos elétricos não justifica o investimento dos cofres públicos, que segundo ela estariam na casa de US$ 27 milhões, aproximadamente R$ 100 milhões.
O circuito Gilles Villeneuve chegou a ser cogitado como local da prova, mas suas características não atendem necessidades dessa categoria, basicamente uma pista plana com retas curtas. A F-1 saiu ganhando nessa história: já se trabalha em melhorias do paddock, um dos mais apertados do calendário, consequência das limitações do terreno. Dessas limitações nenhuma é mais perigosa do que aquela localizada na reta dos boxes e conhecida como “Muro dos Campeões”. Situado na entrada da reta dos boxes, trata-se de um dos pontos mais interessantes desse traçado de 4.361 metros: um erro na busca por um tempo melhor ou uma ultrapassagem mal calculada jamais são perdoados.
Os três setores do percurso têm características diferentes entre si. O Setor 1, por exemplo, começa na linha de chegada/largada pouco antes de uma freada forte para uma curva de 90o que dá acesso a um cotovelo cuja saída inicia um aclive que, comparado a Mônaco, é um verdadeiro paraíso; o que segue até o fim desse trecho é tão travado quanto as ruas do Principado. O Setor 2 corre ao lado do braço de rio Saint Laurent, que separa a ilha de Nossa Senhora da ilha de Santa Helena; é um trecho rápido, mas tem dois esses de média velocidade, no início e no fim, o último logo após a ponte.
O terceiro e último trecho começa pouco antes de uma freada onde se reduz de oitava marcha e 300 km/h para segunda e 80 km/h; este local é próximo das garagens de barcos e onde ficavam situados os boxes até o início dos anos 1980, quando ônibus escolares eram usados como cabines de rádio e TV. A reta que inicia ali foi palco de um dos momentos mais dramáticos do automobilismo moderno: Nigel Mansell liderava com autoridade e tranquilidade o GP de 1991 até completar o grampo na última volta da corrida. Sem qualquer sinal de alerta seu Williams-Renault FW14 perdeu velocidade e Nélson Piquet, que vinha quase um minuto atrás no Benetton-Ford B191 — num ano em que a melhor volta da prova foi completada em 1’22″285 (Mansell) —, assumiu a liderança na última volta e conquistou sua derradeira vitória na categoria.
O asfalto de Montreal é usado parcialmente pelo público durante o ano e, portanto, ganha aderência a cada volta, o que cria dificuldades adicionais para o acerto ideal dos carros. O piso liso exige pouco em termos de esforço lateral, uma vez que não há curva de alta velocidade; com isso o maior problema no quesito pneus é nas freadas: a cada volta são seis de média e alta intensidade, sendo que a maior redução é na aproximação para as curva 1 (de 315 para 160 km/h) e 2, onde se reduz praticamente 50% a velocidade. Assim, as maiores cargas sofridas pelos carros são no sentido longitudinal e exigindo bastante dos freios. Outro item decisivo na preparação da estratégia de corrida diz respeito ao clima local: situado numa ilha, o circuito sofre bastante com a ação dos ventos e mudança climática repentina.
Falando em pneus, vale mencionar que esta semana voltou à baila a possibilidade de alterar o diâmetro das rodas: há várias décadas padronizadas em aro 13”, elas poderão passar a aro 18” quando o regulamento mudar em 2021. Trata-se de um tema há muito debatido e que, caso adotado, vai abrir as portas para muitas inovações em termos de suspensão, freios e aerodinâmica. Portas, aliás, também serão abertas para o canadense Nicolas Latifi, herdeiro de uma fortuna maior do que a reservada para Lance Stroll. Latifi vai participar da primeira sessão de treinos livres pilotando um carro da Force India, apesar de seu pai recentemente ter comprado 10% das ações da McLaren.
A equipe fundada pelo neozelandês Bruce nos anos 1960 vive um dos mais conturbados em sua história. Há várias temporadas longe dos pódios e de grandes patrocinadores, sua participação na temporada 2019 da F-Indy é dada como certa, muito provavelmente com Fernando Alonso, que poderia inclusive encerrar sua carreira na F-1 para consolidar esse projeto. O brasileiro Gil de Ferran está ligado a essa empreitada, que pode ser anunciada oficialmente em breve. Enquanto isso não acontece o belga Stoffel Vandoorne tenta se recuperar de um início de temporada traumático para quem era apontado como grande promessa da F-1 atual.
Outra equipe com mudanças organizacionais é a Sauber, cujo controle acionário foi alterado recentemente e passou a incluir Frédéric Vasseur, Alessandro Alunni Bravi e Ernst Walch, além de Pascal Picci e a família Rausing, proprietária da Tetrapack e dona de uma fortuna estimada em US$ 6,8 bilhões. Vasseur é o mais experiente no que diz respeito à gestão de uma equipe de F-1; Alluni Bravi é um advogado formado pela Universidade de Perugia e especializado em gestão esportiva e que presta serviços para Vanoorne e para Nicolas Todt, entre outros clientes. Walch, ex ministro de Exterior e político de renome em Liechtenstein, é conhecido especialista em comércio internacional.
O endereço fiscal da Islero Investments é o mesmo da equipe Sauber (Wildbachstrasse 9, Hinwill) e não tem ligação com uma empresa do mesmo nome focada em tecnologia de ponta voltada para o mercado financeiro e baseada em Trondheim, na Noruega. O que parece estar por trás de tudo isso, segundo Marc Baderstscher, repórter do semanário Handelszeitung, é a relação de amizade entre Shelby du Pasquier (fundador da Islero e especialista em finanças do escritório Lenz & Stähelin) e o todo poderoso chefão da FCA, Sergio Marchionne. Os dois se conhecem dos tempos que atuaram na empresa de auditoria SGS e du Pasquier foi um dos fundadores da Islero, que assumiu o papel da Longbow Finance. Neste fim de semana em que todos estão longe de casa, em clima quase de férias, é bem possível que o tema seja abordado em conversas descontraídas pelo clima de festa de Montreal e renda boas notícias em breve. A conferir.
WG