Não sei exatamente qual será a palavra escolhida como aquela que define 2018, mas fora #gratidão e outras de modas ainda mais passageiras acredito que em ano eleitoral “desigualdade” tem grande chance de emplacar.
É claro que esse é um assunto que merece muita atenção de todos nós, especialmente dos políticos, mas muita calma nesta hora. Tem situações em que desigualdade existirá – e não é algo necessariamente ruim. E antes que atirem contra mim tomates e outras coisas, lembrem-se de que minha cútis é sensível.
Explico melhor com um exemplo prosaico que é exatamente o cerne da minha coluna de hoje. Quando cheguei ao Brasil havia dois tipos de ônibus coletivos em São Paulo: os “comuns” e os “executivos”. Os primeiros tinham uma tarifa mais barata, iam mais lotados, mas tinham uma frequência maior e muitas mais linhas. Os executivos, dotados de naquela época raríssimos sistemas de ar-condicionado, tarifa bem mais cara (se não me falha a memória, o dobro da comum), mas com a garantia de que os passageiros iam sentados e, com menos paradas, chegava-se mais rapidamente ao destino. Mas havia menos linhas e as frequências eram mais esparsas. No Rio de Janeiro na mesma época surgiu o “frescão” que funciona até hoje e acredito que haja similares em outras cidades do país.
É tratamento desigual dos passageiros? Certamente. É injusto? Na minha opinião, não. Isso não significa que os ônibus comuns não devam ser melhorados e mais dignos — mas não há problema em transportar passageiros de pé, por exemplo. Algo assim como na aviação andar de classe econômica, executiva ou primeira. Paga-se valores diferentes por níveis diferentes de conforto, por ter mais banheiros, mais comissários para atender seus pedidos e refeições diferentes. Mas, por favor, não entendam que eu ache que se deva levar gente de pé num avião, tá? E olha que quem fala aqui anda de classe econômica – e sem drama. Não reclamo, não peço igualdade, não esperneio, não acampo na frente da companhia aérea pedindo isonomia com quem paga passagem de primeira classe… Aceito esse tipo de desigualdade assim como aceito que LeBron James jogue basquete muito melhor do que eu. Como poderíamos jogar igual? Ele deveria jogar com apenas um braço? Garanto que nem assim eu chegaria perto. Com uma perna amarrada? Novamente, não adiantaria. Numa cadeira de rodas? Sem chance. E como fazer para que muitas Noras jogassem como ele? Quebrariam-se as pernas e os braços dele? É uma óbvia estupidez fazer isso. Melhor eu treinar mais ou, por que não, treinar outro esporte. Reconhecer que não tenho habilidades para o basquete e tentar ginástica olímpica – que foi, de fato, algo que fiz com bons resultados. Ou talvez não treinar esporte algum. Pode ser que não tenha habilidade para isso, mas sim para escrever poesia ou tocar violoncelo. Desigualdade? Claro que sim, os seres humanos não são iguais e nem tem como ser. Por falar nisso, sou péssima em música. Tentei tocar violão e o máximo que consigo é fazer papelão em karaokês como baking vocal fazendo “aaaaa, uuuu” e movendo os braços e os quadris ao ritmo da música. Pois é, parece que não tenho nenhum gene musical. Paciência. Tenho outros dons. Mas não esse.
E, de volta a querer tudo para todos, por que devemos nivelar por baixo e deixar de oferecer um ônibus com passageiros exclusivamente sentados, menos paradas, ar-condicionado ainda que a um preço mais alto enquanto não conseguimos dar isso a todos? Não é melhor dar isso para alguns e, com essa receita, melhorar o transporte dos demais? Acabamos como naquela frase que diz que o ótimo é inimigo do bom. Pelo mesmo princípio, não haveria carros populares, mas apenas aqueles mega sofisticados de um milhão de dólares, com zilhões de recursos de segurança e opcionais. Mas, será que todos querem tudo isso? Será que todos querem pagar por tudo isso? Será que todos precisam tudo isso?
Ônibus diferenciado (como o da foto de abertura) é uma forma legítima de elevar a arrecadação das empresas de transporte público e com esses recursos investir melhor nos ônibus convencionais. E, de quebra, permitir que quem não sabe dirigir, não quer, está no dia de rodízio (no caso exclusivo da cidade de São Paulo) ou qualquer outro motivo, tenha conforto num transporte público.
Como meus caros leitores sabem, recentemente passei vários meses com uma perna imobilizada em decorrência de ruptura de ligamentos e, supremo azar e algo raríssimo, simultaneamente, uma fratura. Não podia dirigir e, das poucas vezes que o fiz em distâncias curtíssimas por total necessidade, foi uma experiência extremamente dolorosa. Pegar ônibus ou mesmo metrô era muito complicado como, aliás, andar pela rua quando havia muita gente pelo mesmo motivo: os esbarrões e pisões. Levei vários e apesar de um robot foot quase do outro mundo de tão bom, as dores eram inevitáveis. Nem as muletas eram suficientes para manter as pessoas afastadas o tempo todo. Afinal, moro numa cidade com milhões de habitantes e nessas horas parece que todos estão em volta de mim. Portanto, preferia táxi ou Uber. Quanto menos contato físico com outros seres humanos, melhor. Mas teria andado de ônibus executivo de boa, sem problemas. Se houvesse.
Quando existia o ônibus executivo e eu não tinha CNH e muito menos carro, várias vezes andei nele para ir até o então longínquo Centro Empresarial, na Zona Sul, saindo de Higienópolis — coisa de uns 20 quilômetros. Era excelente. Passava na hora certa, ia confortavelmente sentada, fresquinha (tenho uma vaga lembrança de música ambiente, mas pode ser ilusão minha), lendo e chegava descansada e no horário necessário. Tenho um amigo que trabalhou durante anos no Centro Empresarial e era vizinho meu de bairro e sempre ia de Executivo. Para ser mais precisa, em São Paulo eles circularam entre os anos 1970 e os 1990. Em 2016 houve um projeto de uma comissão que chegou a ser aprovado na Câmara de vereadores para que voltassem os ônibus executivos na forma de micro-ônibus, mas não passou disso. Nessas horas sempre aparece uma vozinha lá no meu cérebro que me faz desconfiar de que algum interesse falou mais alto do que aquele interesse meramente republicano… mas, claro, podem-me chamar de desconfiada.
Alguém dirá que hoje tem os ônibus fretados. OK, são algo parecido, mas eles têm horários rígidos e mensalidade. A vantagem do Executivo era que se pagava por viagem. Nas férias, ou se um dia não se fosse trabalhar, não se pagava. Ou se naquele dia houvesse uma providencial carona, também não. Se se perdia os das 18h00 podia-se pegar o das 18h30. Ou o das 19h00. Pintou um convite para um happy hour? Sem problema. Pegava-se o Executivo das 20h30.
Sinceramente, não entendo por que não se incentiva esse tipo de transporte. Acredito que seja, em parte, por questões ideológicas — algo assim como evitar entrar na disputa de segregar pessoas por classes sociais para manter a nomenclatura Fla-Flu tão em vigor e tão nociva a qualquer discussão. Como se todos não pudessem andar de ônibus ou de carro, indistintamente — que, aliás, é o que acontece. E eu posso dizer isso, pois frequento todos os modais, exceto barcas já que em São Paulo não temos. Aliás, tenho certeza que muita gente com poder de compra um pouquinho melhor, mas que não poderia comprar um carro, pagaria de bom grado um ônibus executivo pelo menos em algumas oportunidades para ir com mais conforto – talvez em algumas ocasiões, para ir a uma festa ou a algum compromisso.
É claro que em muitas cidades os ônibus (e o metrô e os trens) devem ser melhorados, mas por que não colocar ônibus executivos? Novamente, o ótimo é inimigo do bom. As mesmas administrações que acham que alguém deixaria um carro em casa para pedalar e chegar ao trabalho suado ou sob chuva deveriam acreditar que é mais plausível que alguém deixe o carro em casa para pegar um ônibus com ar-condicionado, hora certa e viajar sentado, não? E muito provavelmente as empresas de transportes se interessariam, assim como as construtoras ganham mais com as vendas dos apartamentos de cobertura do que com os imóveis padrão.
Mudando de assunto: ufa! Mais uma corrida de Fórmula 1 soporífera. Passei boa parte dela tentando lembrar o que é que aquela pista com essas listras coloridas e estrambóticas me lembravam e lá pela metade, bazinga! Uma placa de circuito impresso! Quando meu marido estava na faculdade de Engenharia eu soldava as plaquinhas de circuito que ele ou o grupo dele faziam. Tinha grande habilidade para isso – e para mais nada, diga-se, fora digitar (bem, datilografar, naquela época) os trabalhos deles. Mais uma vez, sugiro ao Bottas uma defumação, receber passes ou algo assim. Parece que tem uma nuvem preta em cima do finlandês. Cáspite!
NG