O designer anda sempre no mínimo quatro anos à frente da fábrica, às vezes mais, como nos carros-conceito. Como eu disse, na noite da aprovação do Fox eu já estava pensando nos derivados.
Um versão óbvia seria a SpaceFox, um Fox com um grande compartimento de bagagem, voltado para famílias, já que a Parati, por ser uma “perua” estava ameaçada de nunca nascer.
Precisávamos também agora avançar no projeto Fox, viabilizar o carro, conforme estava na nossa apresentação ao Board, e isso dá muito trabalho, ainda mais sendo um projeto que seria observado de perto pela Matriz. Isso significava MUITO trabalho pela frente, muita briga com as áreas, se defender dos inimigos, e da turma do “deixa como esta que está bom”.
Nossa (Design) participação na evolução final do carro sempre foi muito forte, um verdadeiro “cérebro da companhia”. O design tem o papel de harmonizar todos os desejos, seja de marketing, planejamento do produto, Engenharia, Qualidade, produção interna e especialmente externa, junto aos fornecedores.
Na transição de análogo para digital estávamos presentes, supervisionando cada passo de evolução do que tinha sido definido. Este processo, que assegura que o modelo de Design permaneça íntegro, sem modificações de aparência até o final do projeto na Volkswagen, está muito evoluído.
Mas naquela época, no início do carro virtual, dados matemáticos, predições de teste, simulação de estampagem e outras maravilhas do mundo moderno, tínhamos que supervisionar pessoalmente o desenvolvimento das ferramentas e peças ligadas à aparência.
Sempre com o intuito de limpar problemas, criar novas soluções, ajudando os engenheiros e especialistas de outras áreas, além de ajudar a desenvolver os próprios softwares de superfície matemática, que hoje é o fato mais importante dentro de uma desenvolvedora de automóveis.
Hoje, com o carro virtual, conseguimos controlar a evolução de cada peça, sentados em frente à nossa máquina de trabalho.
A SpaceFox deveria usar o máximo possível peças que fossem comuns ao Fox. Um exemplo é o das portas traseiras, que a princípio eram “copy” do Fox. Fizemos o modelo do derivado no Brasil, primeiramente com a mesma porta traseira do Fox, e eu adorei o modelo. Ele era extremamente rápido, mas quando apresentamos o modelo ao Demel e ao Hirtreiter, eles recuaram.
O modelo era muito avançado, com uma caída de teto nunca antes usada na VW. Assim, ganhamos o dinheiro para desenvolver novas portas traseiras, mas deixamos o carro mais “careta” que no final fazia sentido no racional, mas não no emocional, típico VW.
Mas, como sempre, ordens não se discute, se cumprem.
E assim entramos em grande atividade de desenvolvimento, responsáveis pela aparência de cada peça visível no automóvel.
Depois da aprovação final do modelo de design, se constrói um modelo em material duro, modelo este baseado nos dados matemáticos, geradas na época pela nossa área junto aos modeladores virtuais.
Chamamos de modelo padrão, que tem que refletir o projeto teórico com desvios aceitáveis de somente décimos de milímetros.
Oa dados deste modelo, depois de aprovados fisicamente no modelo padrão, já serão as referências para se fabricar os protótipos, voltados para os mais diversos teste e aplicações.
O trabalho de interior é bastante complexo, com muitos problemas relativos a ergonomia, fixação das peças plásticas e grandes sistemas como o do ar-condicionado, sistemas elétricos cada vez mais sofisticados, materiais de revestimento que devem garantir o não desgaste de estrutura e cor, analisar e determinar todas as texturas em todas as peças plásticas de revestimento interno e externo, um processo muito caro e sofisticado.
Toda parte gráfica seja ícones ou escalas e telas devem ser visíveis e acessíveis, há vários padrões de pessoas, sejam baixas e magras, sejam gordas e altas.
Muitos testes são hoje em dia virtuais, ou seja predições matemáticas, porém no final do projeto, protótipos e veículos fabricados na pré-produção são fisicamente testados quanto a durabilidade, no nosso caso, um perfil off-road, devido às condições de solo no Brasil, crash tests variados conforme legislação de cada país.
O carro que seria exportado para a Alemanha deveria cumprir todos os requisitos legais e internos da VW, como níveis de emissões e crash tests mais rigorosos dos que os exigidos no Brasil daquela época.
A missão é produzir um carro urbano seguro, confiável e atraente. Alguns acontecimentos importantes antecederam o lançamento do Fox.
Um “clinic test” tardio foi feito em São Paulo e o resultado foi que “O carro vale mais do que vocês estão pedindo!” Os convidados ao teste avaliaram o carro muito acima do que nosso grupo de finanças e marketing imaginavam.
Significa que tinha que ser criada uma nova categoria no mercado, acima do Gol, que acabou por aumentar a margem de lucro calculada, notícia maravilhosa para os financeiros.
Já o modelo que foi exportado para a Alemanha foi castigado com a valorização do real e o carro chegou muito caro na Europa. Eu mesmo tentei comprar um carro lá, e quase fui convencido pelo vendedor a levar um Polo, pelo mesmo preço.
E assim foi. O Fox já vendeu mais de 2 milhões de unidades. Eu nunca poderia imaginar que no desenvolvimento do modelo através do tempo o Fox se tornaria o que é hoje: um Volkswagen por excelência, que atende a todos padrões de construção
dos modelos alemães, professores muito duros em qualidade, performance e segurança.
Outro caso muito interessante foi o CrossFox.
Ele foi o primeiro “crossover” derivado de um carro classe A0, antes mesmo da Alemanha, que só tomou coragem de realizar um Cross Polo no mercado muito mais tarde, depois que várias outras marca lançaram modelos com o mesmo caráter.
Na Europa também não havia nada parecido.
Tenho algumas lembranças sobre um carro-conceito pequeno, japonês, com este pique de “off road”, mais alto do chão, mais resistente ao solo ruim, com uma posição de trabalho mais vertical e ótimo acesso e saída do automóvel.
Proteções ao redor do veículo, também mostra seu lado selva de pedra. Bom, perto do lançamento do carro, que devido a uma antiga decisão, levou todos os planos para que primeiro fosse lançado um modelo 3-portas, e seis meses mais tarde o 5-portas. Só que, durante o tempo de desenvolvimento o mercado tinha mudado, e justamente antes do lançamento, um estudo de marketing mostrava que as pessoas estavam mudando para o modelo 4-portas, que não era bem visto no passado.
Nesta época o Dr. Demel já tinha saído da VWB e tínhamos um outro presidente, o inglês Paul Fleming, que não durou muito no cargo, só ficou 14 meses. Ele reuniu os cérebros para procurar uma solução para o problema.
Na reunião houve muito bla, bla, bla, mas quando nos apresentamos nossa (Design) proposta todo mundo silenciou, olhando só para a reação do novo chefe.
Ele gostou!
A ideia era construir três protótipos que demonstrassem claramente as qualidades do Fox 2-portas:
FOX PEPPER, branco pérola, interior de couro, rodas 17, e suspensão rebaixada. Um pequeno GTI.
FOX microVAN, sem banco traseiro, para transporte urbano de pequenos objetos, ou serviços.
E o CROSS FOX, um pequeno “jeep style”, off-road urbano.
No dia do lançamento do Fox em Curitiba os três modelos estavam lá, na saída da apresentação antes do jantar-show com os jornalistas. Formou-se um grande aglomerado em volta do CrossFox e os jornalistas perguntavam quando ia ser lançado esta maravilha!
Resultado, no dia seguinte fomos chamados à sala do presidente, muito contente, e solicitou um crash program para implementar o modelo Cross em produção.
E nós lá, com aquela cara de santo, ao contrário do resto do Board, que teria que encarar um lançamento fora do padrão de tempo, o que significa grandes problemas a serem resolvidos.
O desenvolvimento da marca Cross sempre foi muito desafiadora, mas com um retorno criativo muito bom, inspirando o estúdio e fazendo a gente evoluir e também mostrar para a Matriz que nós éramos capazes de desenvolver carros e ideias criativas que poderiam também ser adotadas pela Matriz. Mesmo assim o Polo Cross só aconteceu porque a onda Cross virou trend e todo mundo (fabricantes) fez seu pequeno exemplar.
Eu não poderia deixa de mencionar a encrenca que nos arranjamos tendo a petulância de propor uma nova texturização da peças internas, que assim como os padrões de tecidos, eram inspiradas na natureza.
O trabalho de textura que é feito nas ferramentas de injeção de plástico são caríssimas, e uma vez feito não tem volta. Se alguma coisa der errado, você tem que refazer a ferramenta. A Matriz, VWAG tem uma experiência exemplar neste quesito, e desenvolveram através do tempo uma textura baseada na pele humana de ótima qualidade, “macia”, ótima proteção contra riscos e homogeneidade de cores, perfeitas para disfarçar eventuais linha de fluxo de material, que acontece em quase toda peça injetada. Além disso lá, para modelos mais refinado e caros eles usam materiais macios, moldados, couro, que também recebe uma textura artificial e o vinil. É por isso que mexer na textura do plástico significa mexer em todas texturas do interior, de materiais diversos. Encrenca pura.
A textura de pele é padrão da marca, mas nós, os atrevidos brasileiros. queríamos desenvolver uma textura baseada nas plantas!!!
Com o tempo a gente acaba entendendo o porquê às vezes é melhor ficar do lado seguro.
Mas no fim, conseguimos mais uma vez impor nossa vontade, e a história da natureza foi aceita em reunião oficial do Board.
Para o lançamento do carro na Europa não fomos nem convidados, mas acabei dando um jeito e acompanhei extraoficialmente tanto o lançamento no Salão de Dresden quando o lançamento oficial para a imprensa, que foi em Copenhague.
Na Europa o carro foi direcionado para os jovens, e foi uma apresentação para imprensa muito diferente. O local foi no porto antigo de Copenhague, e foram convidados varios grafiteiros para criar temas sobre o carro, além de DJs da moda e discussões sobre o futuro da mobilidade nas cidades.
O lançamento do Fox, foi em Curitiba e eu nunca vou me esquecer da cena dele, um vermelho, saído da água, de um lago artificial criado para o evento. Naquele momento eu tive um sentimento muito estranho…
Muito bem, eu (com meu time e meus superiores) tínhamos desenvolvido “meu próprio carro”, do guardanapo na mesa do boteco até ele começar a ser comercializado e vendido, milhões de vezes.
E agora?
Me senti completo como Designer e gestor, mas também imediatamente farto, saciado e meio vazio. O que fazer agora? Um novo carro? Começar tudo de novo?
Nos dias seguintes ao lançamento eu ia para o trabalho meio que na função automática, mas lá no fundo alguma coisa estava me incomodando. Parecia que tinha acabado a graça.
Foi aí que aconteceu mais uma dessas mudanças, que você não prevê, momento de decisão que você sabe, vai virar sua vida de cabeça para baixo.
Um famoso “headhunter” de São Paulo entrou em contato comigo e solicitou uma entrevista.
Claro que eu fui, com aquele frio na espinha mas fui.
Ele tinha uma proposta irrecusável de emprego para mim de outra fabricante, na posição de diretor/vice-presidente e muitos e duradouros benefícios. Na realidade uma consequência do Fox.Nesta época tínhamos um diretor de engenharia (meu chefe) muito simpático, culto e refinado, o Dr. Westendorf.
Logo depois de eu ter sido requisitado pelo head hunter, o Dr. Westendorf me chamou em seu escritório, de supetão.
Sobre o que ele quer FALAR com você… Típico sinal de alerta, quando o chefe te chama é porque vai dar treta.
No escritório, ele fechou a porta e, sempre simpático, abordou um assunto que eu não esperava. Queria saber se era verdade que eu estava pensando em largar a VW para outra companhia.
Eu falei a verdade para ele, sobre a abordagem e sobre minha fase sombria.
Ele pediu para eu dar um tempo e não tomar nenhuma decisão, que ele voltaria a falar comigo em breve.
Na realidade, mesmo sendo um grande negócio, eu não estava certo sobre que decisão tomar: ir para uma nova aventura, num ambiente político completamente estranho, e deixar para trás esta bagagem adquirida na VW, toda a estrutura política técnica e conhecimento profundo do DNA da marca?
Em menos de uma semana aconteceu a conversa de volta. O caso chegou aos ouvidos do novo Designer-chefe do grupo VW, Mr. Gunak, que eu já havia conhecido em outras situações, inclusive bem desfavoráveis, e ele estava me chamando imediatamente para conversar em Wolfsburg. Ele me ofereceu uma vaga no novo estúdio de Potsdam, estúdio avançado da VW dentro do território alemão: Berlim.
Fomos juntos com o manager do estúdio de Wolfsburg até Potsdam para ver o andamento da construção do estúdio e conhecer um pouco a cidade de Potsdam, que é uma das mais bonitas da Alemanha.
Claro que não deu para recusar a proposta, pois Potsdam era um sonho dentro do sonho.
E lá vamos nós para outra grande aventura.
LV