Domingo passado, ao assistir à corrida de Fórmula 1 da Alemanha, ouvi meio de passagem o comentarista e o narrador mencionarem que Sebastian Vettel não gostava (ou não costumava, não tenho certeza) testar carro em simulador. Claro que tem piloto de teste justamente para, vejam só, testar carro. Mas como alguns dos meus leitores já sabem, tudo na minha cabeça se passa como um filme. Eu sei, é uma desgraça, mas é assim que funciona meu cérebro. Uma coisa leva à outra e, além disso, tenho uma memória muito boa. Lembrei então de minha adolescência com o que era o precursor dos videogames.
Ao contrário da maioria dos meus contemporâneos, não acreditei no Atari e comprei um Odissey, da Philips. Provavelmente só eu, mas tive uma adolescência rebelde… O fato é que em todos os jogos que tinha algum tipo de simulação de guiar qualquer coisa sempre fui muito, muito ruim. Aliás, continuo sendo.
Nas naves espaciais do Odissey era constantemente mandada para a corte marcial ou, na melhor das hipóteses, banida da frota estelar. Jamais consegui nada melhor do que isso. Meu herói nesse quesito sempre foi o Han Solo, de Star Wars, e acho incrível a mira dele, mas meus resultados sempre foram para lá de pífios. Eu consigo além de não abater nenhum inimigo, abater a mim mesma contra algum obstáculo. Geralmente algo bem prosaico, que pode ser até mesmo uma parede quando não alguma nave amiga. Deve ser por isso que há várias “travas” nos games, se não meus resultados seriam ainda piores.
Nos jogos que envolvem carros costumo me estatelar com apenas algumas voltas — mas dependendo do game ou do simulador, nem completo a primeira. Quando não dou perda total no carro sigo no melhor estilo Gilles Villeneuve no Grande Prêmio do Canadá de 1981. Quem me vê com essas engenhocas me acha a maior braço-duro, certamente. Ou se pergunta como posso andar na rua atrás de um volante de verdade, mas o fato é que devo ter uma espécie de dupla personalidade para simuladores e games e para o mundo real.
Acho que meu cérebro, ao saber que se trata de algo fictício, dá vazão a tudo aquilo que não faço no mundo real. Acelero até o limite. Faço curva a milhão. Dou totó nos outros carros. Ultrapasso com as quatro rodas na grama. Ou na zebra – aliás, zebra, que zebra? Faço ziguezague e volto sem nem me preocupar em saber se o carro cabe ou não. O máximo que pode acontecer é bater, certo? Então, não é nada demais.
Não tenho a menor dó nem do carro que estou dirigindo nem dos outros que por ventura (ou melhor, por azar) estão na pista. Deixo totalmente de lado a prudência, as normas e qualquer outro resquício de bom senso e solto a louca por velocidade e risco que existe dentro de mim e que guardo escondida e bem presa em algum lugar recôndito, mas que insiste em se soltar diante de um joystick.
Espero que nunca cheguemos ao ponto de ter de tirar ou, no meu caso, renovar CNH apenas em simuladores, pois perderei minha habilitação com certeza absolutíssima. Ou terei de reprogramar meu cérebro e, sinceramente, a estas alturas do campeonato me parece difícil, depois de tantos anos de doideira pura. Sabem aquela história de que cachorro velho não aprende truque novo? Pois é. Zero chance.
Pelo que me lembro comecei com este hábito na mais tenra infância quando me deixaram entrar num carrinho de parque de diversões, aqueles tipo bate-bate. Ia com meus pais quando era muito pequena e reclamava que eles não batiam o suficiente. Se estava com meu pai, que ele não o fazia contra minha mãe e minha irmã, se não o contrário. Afinal de contas, por que cargas d’água alguém colocaria o nome de carrinho bate-bate num veículo se não é para dar totó nos outros? E outra, para que os encheriam de borrachas e todo tipo de amortecimento se não é para encostar uns nos outros?
Quando cresci um pouco e já podia entrar na pista sozinha, ia com primos ou amiguinhos. Aí era pior. Tinha sempre algum deles que tentava desviar ou que achava que o mérito estava em evitar as batidas. Claro que era meu alvo e minha vítima predileta. Incrível que ainda tenha amizades daquela época, não? Mas garanto que existem, sim. E nenhum deles ficou com nenhuma sequela física ou mental das minhas investidas veiculares.
Por educação, não batia intencionalmente em desconhecidos, mas se alguém o fazia contra mim sorrindo era como chamar doido para tirar racha em Interlagos. Lá ia a maluca da Norinha atrás do outro. E nos divertíamos batendo especialmente de frente, olhos nos olhos, ainda que não nos conhecêssemos. Tem coisa mais divertida do que isso?
Em simuladores falta a interatividade de um ser humano de verdade e até mesmo o contato físico da “batida”. Talvez por isso me solte ainda mais. Como sou apenas eu e uma tela, e eventualmente carros virtuais… vixe! Saiam de perto. Dick Vigarista é um anjinho perto de mim. Engraçado que ainda que tente me policiar e “brincar” a sério, acabo me traindo em algum momento — fora a óbvia falta de prática de dirigir direito uma coisa dessas. Não sei andar em velocidade que não seja a máxima.
Acredito que isso também tenha a ver com meu total desinteresse pela pontuação. Quando se trata de game ou mesmo qualquer tipo de jogo meu objetivo é apenas me divertir. Nunca me preocupei com placares, embora provavelmente tenha batido todos os recordes de expulsão da frota estelar. Jamais quis bater marca nenhuma, apenas as de farra. Não que não seja competitiva, mas sou comigo mesma. Gosto das coisas bem feitas, mas quero que sejam perfeitas sem compará-las com as dos outros. Se fizer um bolo delicioso, para mim está ótimo. Não estou nem aí se é melhor do que o da minha amiga. Para mim, desde que seja saborosíssimo, maravilha. Fico com muita raiva quando me engano numa receita, mas porque eu fiz algo errado. Toda vez que escrevo algo que ao reler me agrada, agrada aos meus leitores e que faz alguma diferença na vida de alguém, fico feliz. Não o comparo com um texto de Hemingway — tá, só faltava isso, não é? Obviamente isso é um exagero, mas é bem ilustrativo.
Isto posto, já sei que não teria nenhum futuro como testadora de games e, obviamente, muito menos de carros. Que tipo de avaliação poderia ser feita com meus, vá lá, “testes”? De impacto? Talvez, mas dadas minhas sandices acho que nem para isso serviriam, já que faço coisas que ninguém faria — logo, é como avaliar as chances de um elefante jogar bem gamão num tabuleiro normal usando apenas as patas. Zero possibilidade de isso acontecer. Então, para que perder tempo com isso?
Mudando de assunto: Mais um final de semana de uma linda corrida de F-1. Hamilton fantástico e, claro, com sorte que sempre deve acompanhar um campeão. Vettel jogou fora aquilo que a Ferrari deu de bandeja e que o Kimi brilhantemente deixou bem claro no rádio (“mas o que vocês querem que eu faça?”). O alemão é ótimo, mas não gosto do que eu chamo de piloto-Moisés — aquele que passa um rádio e a equipe tira tudo da frente, como se abrisse o Mar Vermelho. Prefiro que qualquer pontuação seja por mérito, embora saiba e entenda o jogo de equipe. Só que não gosto. Aliás, na mesma corrida, Kimi e Bottas tiveram que entregar a posição. Sei de movimentos aqui no Brasil que criariam algum “coletivo”, diriam que se trata de finlandofobia, iniciariam grupos de #somostodosFinlandia, escreveriam longos tratados sobre a minoria branca e de olhos claros já tão submetida ao longo dos anos por seguidas dominações russas, suecas e alemãs, culpariam o Papai Noel já que lá reside e não fez nada para evitar isto… Por favor, modo irônico ativadíssimo, tá?
NG