Justo e perfeito, assim que eu definiria o título dessa publicação, o carro ainda está em pleno uso por diversos profissionais que precisam de um carro barato, fácil manutenção, econômico e durável. Afastado dos grandes centros, o Corcel, principalmente o de segunda geração, ainda é bem requisitado por pedreiros, mestres de obra, gesseiros, pintores e afins. Minha última publicação foi sobre a Pampa 4×4 e chegou uma chuva de comentários particulares sobre o carro, não conseguia acreditar que uma “picapinha” feita para trabalhar acabou sendo um chamariz para os conhecidos e amigos que leram o texto chamar para longas conversas particulares.
Na mesma época li um comentário do amigo e jornalista Felipe Bitu sobre um perfil de Instagram que ele criou e sou seguidor, onde ele se admirou de ter feito um perfil particular com fotos de carros bacanas e desejados, mas de baixa audiência, ao criar o perfil @corceltrabalhador. O número de seguidores cresceu automaticamente numa progressão bombástica. E nesse perfil ele só mostra Corceis e seus derivados em atividades de trabalho, muitas vezes carros “surrados”. Bitu, que também é policial civil, inclusive cita que: “Ver um carro desses, sem um bagageiro no teto, é sinal para desconfiança”.
Em 2009, o governo federal resolveu mexer nos impostos de quem trabalha com comunicação. Com isso eu, que trabalho como PJ, precisei passar a empresa para outro sistema tributário e um terço dos meus rendimentos brutos passaram a ser do meu pior sócio: o governo. Eu estava com dois Landau, um em restauração e outro na garagem, meu orçamento era para lá de apertado, percorria diariamente 21 quilômetros entre a porta de casa e o estacionamento da redação. A solução era um carro econômico, de fácil manutenção, mas antigo.
Fazendo as contas, vi no Corcel uma oportunidade de pegar um carro sem qualquer valor agregado. Afinal de contas, tanto no interior quanto nas periferias metropolitanas ainda são carros usados por muitos profissionais do ramo das construções e manutenções residenciais. Não é raro ver nos vidros desses carros os dizeres da mão de obra do condutor e é impressionante ver que muitas vezes os carros estão com as marcas do uso severo ; ainda assim, com bagageiro no teto e muita carga.
Se, por um lado, o motor nunca foi um campeão absoluto de desempenho e alta esportividade, sempre foi econômico e de baixa manutenção. Acredito que o principal motivo seja o grande número de automóveis que usou e, ainda, usa esse motor. Sua primeira aplicação foi em 1947 quando começou a ser usado no Renault 4CV, popularmente conhecido como “Rabo Quente” devido ao motor traseiro, passou pela Willys-Overland nos Dauphine, Gordini, 1093 e Interlagos, foi para as mãos da Ford quando esta absorveu a Willys-Overland, indo parar na Autolatina, a associação Volkswagen-Ford, chegando a ser aplicado no VW Gol.
É claro que durante todo esse período o motor recebeu modificações, desde o nome Ventoux nos primeiros modelos, Sierra quando criaram um novo e maior bloco e CHT quando a Ford aprimorou o projeto com vistas ao funcionamento com álcool na década de 1980. Chegou a participar de competições tanto no Corcel quanto no Escort XR3. Embora não tivesse a potência do seu maior concorrente, os VW com motor AP600, não fazia feio.
Divertidas também foram algumas versões do Corcel II que são desconhecidas por muita gente. O GT existiu de 1978 a 1983, no primeiro ano tinha o capô do motor e metade do teto com pintado de preto. Para 1979 a faixa preta passou a ser na parte de baixo do carro e tinha dois filetes na cor principal da carroceria, e de 1980 em diante um grande filete vermelho. Para o ano de 83 chegou a série “Os Campeões” que era o carro com pintura alusiva ao “Lotus 72 John Player Special”: o carro era preto com filetes e alguns detalhes em dourado. O carro misturava elementos do GT com alguns itens a versão luxuosa LDO, enquanto que o Hobby era um esportivo de baixo custo, que misturava elementos do GT com o Standard.
Meu primeiro Corcel II era vermelho, versão básica. O modelo conhecido como Standard, que é a versão de entrada, abaixo do modelo “L”. Sem cromo nos para-choques, sem frisos nas borrachas do para-brisa e vigia traseiro, sem revestimento plástico no painel, bancos em courvin e o carpete de borracha. O carro era simples, conservado e exercia seu trabalho todos os dias, e exceto pela cor em todo o resto lembrava um trabalhador. O carro me deixou com boa impressão, relativamente confortável com bom desempenho para o trânsito e isso me fez tornar fã do carro, o que me fez ir atrás de outros modelos da linha Corcel. Em paralelo tive um Corcel GT 1975 e descobri que a segunda versão do carro é muito mais confortável e agradável de dirigir.
A empolgação com o carro foi aumentando e notei que não era o único. Começaram a aparecer fotos e documentos de época, foram surgindo admiradores do modelo, logo surgiu um colecionador buscando um Corcel II com teto solar, outro indo atrás de algum dos conversíveis feitos para a Sonnervig e conheço gente procurando a versão hatch feito pela Souza Ramos. Algumas dessas versões estão no livro sobre Corcel que foi lançado recentemente pela Editora Alaúde, autoria dos meus amigos Rogério de Simone e Fábio Pagotto. Ontem, inclusive, houve a noite de autógrafos, conforme anunciado aqui no AE.
Tempos depois, num ato de diminuir a quantidade de carros, vendi a dupla de Corceis, o GT e o II Standard, e pequei o meu atual Corcel II GT 1979, um carro pouco rodado e de configuração rara. Atualmente esse “carro de pedreiro” anda ganhando espaço nos eventos de carros antigos e começou a integrar coleções pelo país.
É divertido ver que o Corcel continua firme e forte na lida diária de muitos prestadores de serviço que buscam um carro robusto e de baixa manutenção, que roda com economia e topa qualquer parada.
PT