No início de 2010 eu e minha família voltamos para o Brasil, já que tínhamos assim decidido. Na realidade, depois que fui chamado para renovar as famílias de carros brasileiros com o “family face” e me transferi de Berlim para Wolfsburg, tive que voltar a lidar com a administração dos programas da VWB, o que não estava no meu plano de vida.
Depois de montar o Design Corner e estabilizar o fluxo de trabalho entre Brasil e Alemanha, resolvi voltar para casa e coordenar todo trabalho de Design da VWB no Brasil, agora rolando simultaneamente em dois estúdios: Design Center Brasil e o Design Corner, em Wolfsburg.
Em meados de 2009 ganhamos um novo chefe de Engenharia na VWB. O nome dele era Dr. Egon Feichter, já que se tratava de um bacharelado de Engenharia. O Dr. Feichter tinha um profundo conhecimento em Engenharia de ponta na área automobilística.
Ele tinha como principal missão organizar a Engenharia do Brasil dentro dos novos padrões correntes em Wolfsburg, e olha que isso não era um trabalho simples.
A maneira de se projetar automóveis tinha sofrido grandes avanços, principalmente graças às novas tecnologias digitais, novos materiais agora proporcionavam um avanço em termos de rigidez de carroceria, e processos de montagens, e os níveis de qualidade exigidos pelo grupo VW estavam cada vez mais rígidos.
Meu primeiro contacto com o Dr. Feichter foi ainda no “Design Corner” na Alemanha. Na época conversamos sobre minhas aspirações e eu fui bem claro sobre minha condição especial.
Tinha ficado cinco anos com família na Alemanha, trabalhado muito, brigado muito e agora iria voltar para o Brasil na mesma posição que eu havia partido, gerente executivo, Designer-chefe.
Pois pouco tempo depois de minha volta para o Brasil o Klaus Bischoff veio nos visitar, para o Salão do Automóvel de São Paulo e o Dr. Feichter o convenceu a assinar um documento de promoção para mim.
E foi assim que me tornei um diretor de Design, o primeiro brasileiro com este título na VW.
Ele tinha me prometido e cumpriu a promessa. Um homem de palavra a quem muito admiro. Nossa relação sempre foi meio estranha, talvez pelo fato de eu ter mais experiência e estar no “métier” há mais tempo que qualquer outro novo gerente da VW, seja no Brasil ou na VWAG. Em contrapartida, ele tinha um conhecimento e personalidade que só me despertavam admiração e respeito.
Nesta época grandes mudanças estavam em andamento. Também a documentação de Engenharia se tornara completamente digital e organizada conforme novos padrões e controle alemães.
Para se implementar novas tecnologias tem que se ter Budget, isto é, dinheiro, que vem do bolo total da companhia.
De qualquer maneira, para manter uma Engenharia completa viva e com boa performance, é necessário muito investimento.
Se a companhia vende bem, se há lucro, está perfeito, mas se o mercado vacila, ou como aconteceu no Brasil, fica saturado, aí começam os problemas.
Na minha volta ao Brasil, me vi forçado a retomar a uma vida mais burocrática, regida por reuniões sem fim para vários tipos de decisões, e muito consciente da necessidade de evolução do estúdio e do time brasileiro de Design para que ele sobrevivesse, afinal, mais importante que criar novos carros é continuar tendo a capacidade de desenvolvê-los.
Durante este período fizemos muitos facelifts na família Gol e Fox para atualizarmos os modelos. Porém o trabalho mais importante para o recém-chegado Dr. Feichter era do desenvolver o up! para o mercado Brasileiro, além de alinhar os nossos produtos aos produtos mundiais da VW.
O modelo de design do up! alemão estava em andamento, liderado por um brasileiro, o Marco Antônio Pavone, que venceu a competição para o primeiro carro-conceito que foi a visão VW para o veículo, apresentado em Frankfurt. Mas o carro europeu era muito pequeno para nosso mercado.
Na realidade o carro estava nascendo para ser um supercompacto, com função de segundo carro e de olho nas grandes cidades europeias, que quer dizer sem um porta-malas full size.
Seu mercado seria o do segundo carro ou carro de jovens, sem filhos ou família grande. O porta-malas era muito pequeno, assim como o tanque de combustível, o que é um problema para o Brasil.
Por isso forçamos e conseguimos que o modelo para o Brasil fosse diferente do alemão, justamente com mais espaço de bagagem e maior autonomia, assim como suspensão mais forte e alta e pneus com maior banda de rodagem, para aguentar o péssimo piso nacional.
O projeto era tratado como carro mundial, tendo o Brasil um lugar de destaque devido ao potencial volume de vendas, como sempre superestimado pelos alemães, forçando altos números de produção para atingir os números azuis de lucro.
Porém com um carro inadequado, nunca atingiríamos os volumes desejáveis. Outro “problema” foi que o up! é um carro de alta tecnologia, principalmente nos quesitos de segurança, powertrain e qualidade de construção. E o que é bom, é caro.
Infelizmente o Brasil ainda não está preparado para valorizar a segurança, olhando somente para o preço baixo e acessórios com muitas luzes mas de pouco valor real.
Por outro lado nosso marketing, sempre muito calçado no cenário atual e não no futuro, impõe um pensamento muito conservador e sob pressão dos altos números de vendas acaba sempre se acovardando e evitando explorar novos nichos e maneiras de vender o produto.
Quando vimos as propagandas do futuro produto (up!) ficamos (designers e engenheiros) chocados/revoltados. Tanta tecnologia a ser explorada e o que vimos, como peças de lançamento do carro, foi um lamentável adereço de jovens alienados dançando e cantando, passando por cenários virtuais, esterilizados e sem alma. É o Marketing, criando mundos incríveis que não importam a ninguém.
O up! brasileiro nos trouxe muito trabalho, e no dia da aprovação do modelo frente ao Dr. Martin Winterkorn nosso trabalho foi elogiado, e muitos alemães saíram da reunião com as orelhas vermelhas, já que o próprio Winterkorn os criticou por não terem tido a capacidades de aproveitar as ideias brasileiras no carro alemão, já que nos números, nosso carro era campeão.
Outro pepino enorme era conseguir definir um substituto para o Fox e seu derivados.
Trabalhamos muito em propostas de um novo chapéu, meses de trabalho que não deu em nada. O Fox já não se encaixava no lineup da marca, e a esta altura do campeonato pensar em um carro regional era completamente fora de cogitação.
Trabalhamos também em várias propostas de produtos usando a plataforma do up! até para um pequeno crossover, o Taigun, que foi feito a princípio na surdina pelo estúdio de Potsdam sem nosso conhecimento e apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo de 2012.
Nos já tínhamos avisado que a base, plataforma embora confiável, ficaria prejudicada pelo tamanho muito pequeno, o que não é mau, mas no Brasil menos é menos
Eu viajava mais do que nunca. Voltei à Alemanha um semana depois de meu retorno ao Brasil. Eu tinha muitos assuntos engatilhados nas Alemanha, projetos no início, meio e fim rolando e com apresentações já marcadas.
Então começou uma nova fase que era morar meio tempo em casa e meio tempo em hotéis na Alemanha.
Eu tinha que estar em todas apresentações preparatórias e finais em todos pontos relativos a Design de nossos produtos. Minha fama de terrorista brasileiro já estava espalhada em WOB, mas eu procurava ser o mais discreto e silencioso possível, para também não atrapalhar a rotina dos outros estúdios e oenorme volume de trabalho que é gerado na matriz.
De qualquer maneira, tanto no Brasil quanto na Alemanha eu estava cercado por reuniões e uma rotina de apresentações que começaram a me irritar, pois como vocês já sabem meu negócio é desenvolver carros e não fazer política ou administração.
O que realmente valia a pena era a oportunidade de conversar com algum designers, velhos colegas de muitas batalhas, sempre aprender alguma nova tendência, conviver com a qualidade, seja nos estúdios, seja na cidade/país, e nos encontros com o Walter de Silva, quando todo o Grupo se reunia para falar naquilo que realmente nos emocionava: design de automóveis.
A evolução de cada modelo de clay é uma história por si só.
Modelo bom é modelo na ponte de trabalho, sendo preparado para a próxima apresentação. Conferir todos detalhes, rodas, pneus, faróis e lanternas, friso, grades, trincos, antenas…
A pintura tinha que estar impecável e a montagem só inicia depois que ela seca. Imagine a pressão sobre o pintor de plantão.
Horas antes da apresentação tinha o transporte do estúdio para a ala de apresentação. Sempre uma operação nervosa. Todos os desenhos explicativos ou propostas alternativas devem ser fixados nos painéis de apresentação padronizados.
A montagem e ajustes finais são feitos no modelo na própria sala de apresentação.
Quando tudo está perfeito o modelo entra na longa fila de modelos para a apresentação, com horário marcado!
E por ali ficamos, entre “smalltalks” e uma fugida para fumar um cigarro no frio de 10 abaixo de zero aguardando o próximo ponto de apresentação.
Antes do “show” principal, com o Board da companhia, ensaiávamos nossos papéis junto com a estratégia do produto, que normalmente faz as apresentações, além das áreas de marketing, produção e qualidade, além é claro, da engenharia, que ainda é o grupo mais forte na Volkswagen já que é quem tem o controle do produto.
Outra coisa muito boa é a vida de um frequent traveller internacional. Depois que você chega neste nível, que é conferido de acordo com a milhagem do passageiro, seu status muda e você é tratado de maneira exclusiva, o que ajuda muito quando voar longas distâncias se torna uma rotina.
Com meu cartão HON *** eu recebia da Star Alliance tratamento de primeira classe pagando classe executiva. Eu tinha direito ao uso de todos ‘lounges” de primeira classe e seus serviços.
Prioridades em despacho de bagagens, atendimento no balcão, filas de embarque, e se
sobrasse um lugar na primeira classe do avião eu recebia um “upgrade”.
Eu tinha um truque, especialmente quando se tratava de uma aeromoça muito bonita. Antes e durante o jantar eu fazia um retrato da aeromoça, e no fim do jantar, eu entregava o desenho. O desenho era sempre fixado no quadro de aviso da tripulação e mais tarde sempre acabava ganhando algum agrado como ótimas garrafas de vinho ou caixas de chocolate.
Nos últimos anos eu viajei muito pela Swissair que fazia em Zurique uma conexão mais rápida, em um aeroporto menor e mais práticos que Frankfurt ou Munique.
Também ia todos os anos ao Salão de Genebra e ia de Zurique para Genebra de trem, uma viagem muito confortável e com uma paisagem maravilhosa. Adorava ficar hospedado em Lausanne, uma cidade muito bonita e prática em termos de acesso via trem para qualquer ponto da Europa e a 40 minutos de Genebra, parando praticamente dentro do salão.
Sempre considerei Genebra como o melhor Salão do Automóvel da Europa, já que era um lugar de “um teto só” — não como Frankfurt, com suas 12 alas, cansativo e monótono.
Além disso, a Suíça éneutra, não tem nenhuma fabricante no país e as marcas apresentam só o melhor, seja em carro topo de linha ou carros-conceito.
Por ser um salão pequeno, você encontra as pessoas, e lá estão com certeza os melhores designers da Terra, especialmente nos dois dias de imprensa.
Enfim, a vida estava dividida em dois extremos. Por uma lado a vida “boa” de executivo de alto nível e do outro, os problemas e responsabilidades que se acumulavam a grande velocidade.
Quase 50 anos de trabalho ininterrupto e de grande atividade física, emocional e mental cobram seu preço mais cedo ou mais tarde.
LV