Espalhou-se como um vírus entre nós a expressão ‘piloto automático’, péssima tradução de cruise control, controle [de velocidade] de cruzeiro, sistema operado pelo motorista que mantém a velocidade pré-ajustada do veículo sem que seja preciso acelerar no plano e nas subidas.
Nas descidas, só alguns. Seja pela aplicação automática e parcimoniosa dos freios, seja por freio-motor, embora nem sempre o câmbio tenha a marcha exata para a gradiente da descida. A exceção são os câmbios CVT, em que a relação ideal é encontrada dada a enorme faixa (espectro) de relações de marchas inerente a esse tipo de câmbio.
E nos últimos anos surgiram os controles de cruzeiro adaptativos (adaptive cruise control, ACC), em que encontrando um veículo mais lento à frente o carro diminui velocidade de acordo.
Mas tudo começou longe daqui, nos Estados Unidos, há exatos 60 anos, quando a Chrysler introduziu esse equipamento nos modelos da marca e na submarca Imperial e lhe deu o nome de Auto-Pilot, alusão ao sistema em uso nos aviões há mais de 20 anos então (veja boxe).
Talvez não seja um tradução tão má assim a que a nação brasileira adotou, embora, obviamente, o conceito esteja totalmente errado…
Vejo com frequência tal expressão até nos descritivos dos equipamentos dos veículos emitidos pelas fabricantes, algo inconcebível uma vez que, como o próprio título desta matéria diz, trata-se de um piloto automático que não pilota o veículo no sentido amplo, que é conduzi-lo dando-lhe a imprescindível direção por todo o trajeto.
Tanto é assim que a Ford divulgou ontem (31/8) uma interessante notícia, que segue, na íntegra.
“FORD TESTA A EFICIÊNCIA DO PILOTO AUTOMÁTICO ADAPTATIVO CONTRA OS ‘CONGESTIONAMENTOS FANTASMA’
A Ford realizou um estudo em parceria com a Vanderbilt University, universidade particular de pesquisa em Nashville, estado do Tennessee, nos EUA, visando comprovar se o uso do piloto automático adaptativo pode contribuir para reduzir os chamados “congestionamentos fantasma”, a reação em cadeia que interrompe o fluxo de trânsito quando um motorista reduz a velocidade sem motivo. Este vídeo mostra isso bem:
Segundo o estudo, esse tipo de engarrafamento é facilmente causado por fatores humanos como, por exemplo, quando um motorista entra no fluxo sem sinalizar, dirige de forma distraída, tem tempos de reação desconexos ou freia sem necessidade.
O estudo, feito em uma pista de testes fechada da Ford, contou com 36 motoristas que simularam o fluxo normal de tráfego de uma estrada em carros equipados com piloto automático adaptativo. Depois, eles repetiram o mesmo trajeto sem usar a tecnologia, acelerando e freando eles mesmos os veículos.
A conclusão foi que quando os veículos são equipados com o dispositivo, o impacto de uma frenagem sobre o fluxo do trânsito é muito menor. Além disso, a fluidez é beneficiada mesmo quando apenas um em cada três veículos usa essa tecnologia.
Também conhecido como ACC (do inglês Adaptive Cruise Control), o piloto automático adaptativo é a base dos sistemas de condução autônoma. Por meio de sensores, ele acelera ou freia automaticamente o veículo para manter a velocidade selecionada de acordo com o fluxo do trânsito, sem a necessidade de intervenção do motorista.
A Ford tem aprimorado continuamente essa tecnologia e recentemente introduziu o recurso stop and go, para e anda, que permite ao carro retomar o movimento após ficar até 3 segundos parado. Nos sistemas anteriores, quando o carro para o dispositivo é desarmado e precisa ser reativado para voltar a operar. Essa inovação já está disponível no Brasil nos modelos Fusion e Edge.
‘Acreditamos que o piloto automático inteligente é um grande passo para ajudar a reduzir os congestionamentos e encorajamos os proprietários de carros da Ford a usá-lo em suas viagens”, diz Torsten Wey, gerente de tecnologia de segurança da Ford Europa.’
‘Há anos, pesquisadores e engenheiros de tráfego têm buscado tecnologias inteligentes para reduzir os congestionamentos, seja por meio da comunicação entre veículos, seja de sistemas capazes de prever o caminho a seguir’, diz Daniel Work, professor de engenharia civil da Universidade Vanderbilt. ‘Essa demonstração foi uma oportunidade única para entender como tecnologias ativas de assistência ao motorista já disponíveis comercialmente podem ser usadas para influenciar positivamente o fluxo de tráfego.'”
(fim)
Como se vê a Ford brasileira traduziu o controle automático de cruzeiro adaptativo (adaptive cruise control, ACC) como piloto automático. Assim está até no título do vídeo, como pode ser visto.
A fabricante do oval azul arrisca-se a alguém de mente ardilosa pegar um Ford que tenha o sistema, ativá-lo e cruzar os braços até o carro bater em que não deve, com todas as suas consequências, e entrar na justiça com ação de danos morais e materiais.
A Ford precisa rever esse termo o quanto antes, tanto no interesse dos consumidores quanto do seu próprio.
E, cá entre nós, o gerente de tecnologia de segurança da Ford Europa perdeu uma excelente oportunidade de ser magnânimo no seu encorajamento ao uso do controle de cruzeiro adaptativo e citar os proprietários de carros Ford e de outras marcas: o interesse num trânsito mais fluido é de todos.
Os primeiros pilotos automáticos
Nos primeiros anos da aviação, aviões requeriam atenção contínua do piloto para voarem com segurança. À medida que as distâncias percorridas pelos aviões aumentavam, tornando possível voar por muitas horas, a atenção constante levava à fadiga. O piloto automático destina-se a executar as mesmas tarefas do piloto.
O primeiro piloto automático aeronáutico foi desenvolvido pela Sperry Corporation em 1912. O sistema conectava uma bússola giroscópica e um altímetro ao profundor e ao leme (os ailerons não eram conectados uma vez que o diedro da asa assegurava a necessária estabilidade em termos de rolagem). O piloto automático possibilitava a aeronave voar reto e horizontal num rumo escolhido sem a atenção do piloto, reduzindo enormemente a sua carga de trabalho.
Lawrence Sperry (filho do famoso inventor Elmer Sperry) demonstrou-o em 1914 num concurso de segurança aeronáutica em Paris. No evento, Sperry provou a credibilidade da invenção pilotando o avião com suas mãos fora dos controles e isto visível para o público presente ao concurso. O filho de Lawrence Sperry, Júnior, e o Capitão Shiras continuaram o trabalho no mesmo piloto automático após a Grande Guerra e em 1930 testaram um mais compacto e confiável que manteve um avião do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA num rumo e mesma altitude durante três horas.
(Leia mais sobre o piloto automático em https://en.wikipedia.org/wiki/Autopilot)
BS