Ao invés de blá-blá-blá, governo poderia reduzir número de acidentes simplesmente fazendo cumprir a lei, sua obrigação.
O Ministro das Cidades aproveitou a Semana Nacional do Trânsito para apresentar um plano para reduzir à metade os acidentes com vitimas fatais. Lembra que nossa legislação “é das mais avançadas” e que mais de 90% dos acidentes se dão por falha humana.
Ele está certo: direção perigosa é responsável pela maioria dos acidentes rodoviários. Mas o ministro se esquece de que muitos deles são provocados pelo descaso do próprio governo com a manutenção das estradas. Crateras asfálticas obrigam o motorista a malabarismos na pista. Ou desviam o carro de sua trajetória. Ou danificam pneus que podem estourar quilômetros ou dias depois.
E as lombadas? Primeiro que nem deveriam existir, pelos transtornos que causam, mas, ainda por cima são construídas sem respeito às normas técnicas exigidas pela legislação, mal-sinalizadas e danificam até os carros que passam por elas em baixa velocidade. Outra irregularidade é serem construídas em trechos de estradas com grande fluxo de veículos e até em roteiros de ônibus, proibido pela legislação específica. Além do tombo, o coice: a lombada obriga o motorista a quase parar o carro. Em determinados locais, é exatamente o que os bandidos precisam para facilitar o assalto. Em todos eles, redução de marchas, aumento de rotação do motor, de consumo e emissões…
O senhor ministro nem imagina quantos acidentes são provocados pelo pneu que estourou, o fluido de freio que ferveu, ou o amortecedor que não amorteceu. Componentes de reposição desqualificados comprometem a segurança, mas são vendidos livremente no mercado porque não existe — como em países do Primeiro Mundo — a necessária certificação ou fiscalização. Somos o país do salve-se quem puder. Mas nem todos se salvam.
O senhor ministro anuncia plano de redução de acidentes. Deveria começar olhando para o próprio umbigo: ele elogia o código de trânsito mas se esquece de que o Denatran, órgão do seu ministério, está atrasado mais de 20 anos para implantar a inspeção veicular exigida pelo código. O resultado são verdadeiras sucatas motorizadas rodando livremente, colocando em risco a integridade de todos, provocando engarrafamentos e poluindo o ar. A competência do Denatran chegou, recentemente, a sugerir que vans escolares fossem adaptadas para receber cadeirinhas infantis. Aberração técnica que espanta até quem tem um mínimo conhecimento do assunto.
Não adianta “legislação de vanguarda” se não tem polícia na rua. Carros com vidros escurecidos por películas, portanto totalmente fora da lei, rodam livremente. Picapes com bancos adaptados em caçambas são aprovadas por prefeituras em cidades no Nordeste. Ao lado de motos levando até quatro membros da família, e nenhum com capacete. Em todo o país são emitidas autorizações “provisórias” para caminhões circularem com boias-frias na caçamba. Condições que submetem milhares de brasileiros a risco de morte ou graves lesões no caso de acidente e que desafiam o projeto do senhor ministro. Ele cita, corretamente, a importância de se começar cedo a focar na educação e conscientização para o trânsito. Mas não controla se parte dos bilhões de reais recolhidos pelo DPVAT é efetivamente aplicada nestas campanhas, como previsto em lei.
Se o senhor ministro quer contribuir de fato para a redução de acidentes de trânsito, sugiro substituir planos mirabolantes por simplesmente fazer cumprir a legislação. Lembrar que carro não é esconderijo. Caçamba não é lugar de gente, mas de carga. Faixa de pedestre não é decoração do asfalto. Inspeção veicular não é bicho-papão e existe em muitos países há dezenas de anos. Van escolar tem que, de fábrica, acomodar criança na cadeirinha. Peças de reposição, só com certificação. Estradas: além de construir, governo tem que conservá-las. É pedir demais?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de responsabilidade exclusiva do seu autor.
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