Deve ser vingança minha. Como já começamos a ser bombardeados com pesquisas eleitorais de todo tipo, resolvi desempoeirar o DataNora e fazer meus próprios levantamentos. Sempre com pesquisas de campo, granja e pomar e com precisão extremamente imprecisa, fruto de total observação empírica e com pouca base teórica. Como acredito que sejam feitas algumas pesquisas por aí, diga-se de passagem…
Focus group? O que é isso? Amostragem? Sim, claro. Dou uma olhada por aí e tiro minhas conclusões. E minha margem de erro é como a dos institutos mais renomados: mais ou menos 50% para cima ou para baixo — mas pode variar ainda mais, pois o índice de precisão é de outros 50% — assim, devem ser aplicados 50% sobre 50% e os resultados sempre serão confirmados pela autoridade máxima do DataNora, euzinha. Portanto, nada de muito diferente do que vocês estão acostumados.
Nos últimos tempos dediquei-me a confirmar uma teoria já amplamente detectada pelos pesquisadores do DataNora (todos eles numa única pessoa, eu, mas não me chamem de esquizofrênica, por favor): existe uma espécie de justiça divina no trânsito.
Não sou especialmente religiosa, embora tenha algumas convicções. Às vezes elas são tão claras, firmes e comprováveis como todas as pesquisas do DataNora mas é mais por falta de interesse da minha parte. Sim, reconheço que nunca tive real curiosidade por saber de onde viemos, para onde vamos ou o que acontece depois que morremos. Estranho que sou muito curiosa, mas isso realmente nunca fez parte dos meus questionamentos. Respeito profundamente qualquer convicção religiosa e faço questão de me informar sobre todas e estudar bastante pois acho algo deveras interessante — até pensei várias vezes em seguir alguma, mas nenhuma realmente me cativou e se é para não seguir realmente fico como estou, não? Mas o fato é que acredito piamente que no trânsito há, sim, uma justiça divina.
Tenho certeza de que maus motoristas acabam sendo vítimas de outros maus motoristas e meu lado vingativo se diverte em ver aquele que me fechou tomar uma fechada mais adiante. Não sou de fazer justiça com as próprias mãos e por isso nunca devolvo uma manobra maldosa. Justamente porque tenho certeza de que outro mau motorista o fará por mim. Ou seja, no fundo não é que eu seja uma boa pessoa, apenas que não sou vingativa — quiçá paciente seja uma definição mais exata. Talvez isso não me leve ao paraíso, mas acredito que me livre do inferno e quiçá do purgatório — desde que tudo isto exista, é claro.
Observem, caros leitores, como isso acontece normalmente no trânsito e geralmente é bastante rápido. Se alguém força uma manobra e nos obriga a jogar o carro para o lado (foto de abertura), invariavelmente ele sofrerá algo parecido em pouco tempo. Se não, é porque não deu tempo de assistirmos à cena. Mas certamente isso acontece.
Aquele folgado que fica andando pelo acostamento quando o trânsito está lento não raro fica preso atrás de um carro parado no acostamento trocando um pneu. Claro que algumas vezes eles se dão bem – dentro do conceito deles, é claro. Mas com frequência sofrem com alguma outra coisa. Infelizmente multa ou retenção do veículo é mais do que raro, mas já vi caminhão jogar metade do veículo no acostamento e transitar assim apenas para impedir que um engraçadinho passasse pelo acostamento. Como numa conjugação de fatores, os ônibus que vinham pela pista da direita emparelharam com o folgado e não o deixaram entrar na pista. Não sei quanto durou, pois aconteceu uns carros atrás de mim e vi pelo espelho o quanto pude, mas não consegui deixar de esboçar um sorriso de felicidade. Gosto de pensar que o crime não compensa, mesmo quando muitas evidências dizem o contrário.
Semana passada tomei uma fechada considerável numa estrada de São Paulo – nada tão raro assim, aliás. O sujeito forçou a passagem entre veículos para cruzar adiante de mim e entrar numa fila de “sem parar” mais à minha esquerda bem na última hora, passando por cima de todos os tachões e quase acertando a quina da mureta. Para minha felicidade, o carro da frente dele ficou parado diante da barreira, imóvel, o alarme tocando e ele lá, entalado, sem sequer poder dar marcha à ré. Aquele apito irritante era música para meus ouvidos. Resisti muito, mas confesso que minha vontade era dar “tchauzinho” para o folgado enquanto eu passava pela cabine ao lado.
Na verdade acho que não se trata de justiça divina e sim de lei das probabilidades. Se a criatura vive fazendo barbaridades é apenas uma questão de tempo até que seja vítima de uma. Anos atrás assisti um acidente que na verdade já estava anunciado. Só faltava o lugar exato e o instante. Na avenida 23 de Maio, em São Paulo, vinha um carro fazendo ziguezague ensandecidamente. Perto do aeroporto de Congonhas o trânsito parou totalmente no sinal e o infeliz, que vinha da esquerda para a direita obviamente sem visibilidade adequada, parou contra o carro parado à frente dele. Baita batida traseira. Claro que às vezes os “navalhas” prejudicam quem não tem nada a ver, mas naquele caso o maior prejuízo foi dele mesmo. O carro da frente era enorme e o engraçadinho dirigia um Gol que ficou com metade do comprimento original.
Pelos levantamentos do DataNora, em quasetodososcasosvirgulaalgo dos casos, o troco vem da mesma forma como foi a barbeiragem. Assim, se o sujeito passa num sinal fechado, quarteirões adiante ele terá de frear porque outro passa na perpendicular com o farol fechado. Fechada acaba levando fechada. E mesmo aqueles que se apropriam da pista da esquerda acabam, em pouco tempo, sendo vítimas de outro tranca-ruas que não dá passagem.
É claro que isso nem sempre é instantâneo e o infeliz pode fazer várias barbaridades antes de tomar uma na cabeça. Mas minha convicção de que algo do que aqui se faz aqui se paga me dá essa tranquilidade de saber que há algum tipo de equilíbrio mesmo no nosso tão desequilibrado trânsito. Não é equânime, mas sim uma certa justiça. Assim como na política e como nas punições neste país, não são na velocidade que eu gostaria, nem na intensidade que gostaria, nem sequer com a justiça que eu gostaria – mas é, sim, uma luz no fim do túnel que me dá essa paz de espírito de saber que algo, sim, acontecerá com quem age de maneira errada.
Mudando de assunto: Piadinha para quem gosta de carros. Marido é Marido
Marido: Minha mulher desapareceu há 24 h.! Ela saiu para ir às compras e não voltou…
Policial: Qual a altura e o peso dela?
Marido: Não faço ideia.
Policial: Ela é magra, gorda, atlética?
Marido: Ela não é magra, mas também não sei se é atlética.
Policial: Qual a cor dos olhos?
Marido: Nunca reparei.
Policial: Qual a cor dos cabelos?
Marido: Muda no mínimo quatro vezes no ano, atualmente…não sei!
Policial: Ela estava dirigindo?
Marido: Sim!
Policial: Qual a cor do carro?
Marido: Um Civic, 2016, sedã, 4 portas, motor 2,0, 16v, DOHC i-VTEC, vermelho Rally, bancos em suede costura vermelha, câmbio manual 6-marchas com controle de estabilidade e estabilidade e tração (VSA e TC), diferencial de deslizamento (LSD), multimídia Pioneer, com câmera de ré, subwoofer JBL, módulo taramps, hondata, SRI K&N, TBI spacer OBX, escapamento Invidia Q300, coletor Skunk2 Slpha, faróis principais e auxiliares de xenônio. ar-condicionado digital com filtros antiácaro, 4 airbags, pneus Michelin Pilot Sport 4 215/50R17.
Policial: Fica calmo. Nós vamos localizar seu carro.
NG
A coluna “Visão feminina” é de total responsabilidade de sua autora e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.
Nota do editor: Não tivemos a coluna da nossa querida colunista na semana passada em razão de problemas de saúde na sua família que a obrigou a ir a Montevidéu para estar com sua irmã, submetida a uma angioplastia. Sua mãe, D. Letícia, foi junto. Tudo correu bem, mas ao desembarcarem sábado passado no aeroporto de Guarulhos, D. Letícia sofreu um infarto, ao qual não resistiu e veio a falecer na segunda-feira à noite quando na UTI. Mas conhecendo a Nora há muitos anos, especialmente sua capacidade e noção do dever, ela com muito esforço — está acometida de fortíssima gripe, está afônica — escreveu esta sua coluna das quartas-feiras, motivo para publicação somente agora, 20h20.
O AUTOentusiastas lamenta essa sucessão de pesados dissabores sofridos pela sua dileta colunista, que culminaram com a perda de sua mãe, e deseja a ela pronto restabelecimento.
BS