A maioria das pessoas imagina que a vida de designer é ficar fazendo desenhos coloridos o dia todo, curtindo um som e tomando chá, participando de lindas festas e dirigindo máquinas fantásticas. Mas não é bem assim.
Dentro de uma grande marca, os designers são meros empregados, profissionais que têm uma missão bem definida.
Temos três categorias de designers: Exterior, Interior e Color & Trim. No Color & Trim, já vimos a trabalheira que dá cuidar da superfície das peças envolvidas na aparência do carro.
Vamos falar hoje sobre o “Exterior Designer”, aquele que cuida da aparência externa do carro. Para começar, os estúdios (exterior, interior e C&T) são fisicamente separados assim como as pontes de trabalho dos modelos em clay (lugar onde se posiciona com precisão o modelo e apoio das pontes de medição/fresas) que é a meta final do trabalho.
Roughs ou rafs – esta é uma especialidade muito valiosa no estúdio. A capacidade de gerar “ideias” visuais, usando somente a caneta esferográfica e papel.
Muitos Designers-chefes gostam de ver estes pequenos desenhos, que na realidade são feitos muito rapidamente e em grande volume, pois a ideia é criar novas ideias, usando o desenho como instrumento de desenvolvimento.
Explico: na maioria das vezes, quando você tem um papel em branco na sua frente, sua cabeça também está vazia, não há nenhuma ideia para pôr no papel. A prática do desenho, o riscar, experimentar sem compromisso, acaba por gerar algumas soluções espontâneas e daí a faísca para uma nova ideia.
Os “rafs” são desenhos absolutamente livres, sem a necessidade de se ater a medidas, e 99,9 % das dezenas produzidas vão para o lixo, e por isso mesmo têm uma espontaneidade única que, na maioria das vezes, se perde no andamento e evolução da proposta.
O Sr. Harmut Warkuss, que foi meu chefe alemão mais carismático e poderoso, sempre parava nos Boards com os rafs, e as vezes, simplesmente ignorava os sketches e renders enormes e de alto impacto visual, para escolher um tema qualquer em um pequeno desenho de não mais de 5 cm feito a lápis sobre papel.
Porém, o “raf é somente usado para discussões internas, entre o grupo do estúdio ou para apresentações ao supervisor direto, nunca para um nível mais alto.
Sketches – estes são desenhos muito mais elaborado, onde já usamos dimensões visuais, proporção aproximadas para representar as propostas seja de um carro inteiro novo ou um para-choques ou grade, ou qualquer outra peça de Exterior.
Andes da era digital existiam varias técnicas distintas para realizar um sketch. Os mais comuna eram o estilo Americano, usando um papel chamado “velum”, de transparência leitosa que, além de permitir “colar” o desenho ou foto que está por baixo, pode ser pintado nas duas faces, já que a transparência leitosa acaba formando também uma área pintada da mesma cor, porém com menor intensidade.
Para manchas, reflexos de carroceria, enfim, toda superfície que tem um padrão liso e grandes áreas, usamos os “markers” que são canetas hidrográficas de alta qualidade, sempre importadas dos EUA, Europa ou Japão.
Para degradês, o pó de pastel seco aplicado com “pads”, ou o aerógrafo, aplicado com ar comprimido e caneta, que é um pequeno “revólver” de pintura.
As linhas podem ser feitas com esferográfica ou os maravilhosos lápis “Prismacolor”, hoje objetos de museu. Digo isto porque com o desenvolvimento da aplicação de programas de manipulação gráfica, como o Photoshop, toda esta tralha sumiu da mesa dos designers.
Hoje em dia o designer tem somente a tela, na qual ele desenha diretamente com uma caneta sensível e tem à mão centenas de opções de funções de desenho e pintura.
Só se imprime em papel para as apresentações em alas onde os desenho são fixados com “push-pins” em enormes “boards” de apresentação.
Apresentação do tema – é uma qualidade que pode ser um grande diferencial na hora da escolha do tema.
O bom designer tem que vender o seu peixe, e para isso ele precisa saber “vender o peixe” para a diretoria e, um detalhe, muitas vezes em inglês e no meu caso também em alemão.
Portanto, não pense em ser um designer de automóveis se você não fala ao menos um bom inglês.
Mais do que nunca, hoje, os projetos são apresentados nas Matrizes e lá ninguém fala
português.
Um designer da Porsche em ação em frente ao board de trabalho. Era uma atividade muito física, horas se movimentando frente ao board. Hoje faz-se tudo confortavelmente sentado frente ao computador, e apresenta-se em grandes telões, já em 3D.
Tape Drawing – é um desenho em escala 1:1, da vista lateral do carro, feito com tapes pretos de varias espessuras.
O Designer aplica o tape sobre uma película plástica, chamada “Myler”, ideal pela sua resistência e estabilidade dimensional. A ideia do Tape Drawing é de representar um carro em tamanho real, visto de lado, para já se ter a sensação do volume e dinâmica, além da proporção.
Este já é um desenho controlado por medidas, já que cada linha no espaço deve respeitar a ergonomia e grandes sistemas como motor, suspensão, tanque de combustível, bagagens e, como nós chamamos ,“hard points”, pontos a serem respeitados por viabilidade técnica.
Hoje o designer mais completo já pode fazer seu “Tape Drawing” diretamente em 3D, no espaço, posicionar as linhas mestres e obter rapidamente um modelos de proporção, que será o primeiro modelo usado de base para os estudos iniciais de engenharia e para a evolução do modelo virtual, que vai sendo formado e dividido com outras áreas, como a turma do Design de interior, que com este modelo básico já pode começar a “dividir” os acabamentos internos e começar a esculpi-los, também em 3D.
Acompanhamento do modelo físico ou virtual – esta é uma função básica do Designer. Conforme o modelo virtual vai evoluindo, vão sendo “refresados” os modelos físicos para avaliação.
São necessários vários looping até o modelo se apresentado para o Board.
Aí varia muito a complexidade política da marca. Algumas dão mais liberdade e cargos mais alto (aos Designers-chefes para decidir, portanto as revisões com o Board são mais informativos, já que, o Designer-chefe é o responsável pela aparência, portanto outras áreas devem fazer de tudo para atingir o “Design Intend”, ou intenção de Design.
Outras marcas são mais “democráticas” e envolvem outras camadas da companhia nas
decisões de Design, e acabam o influenciando.
Participar desde o início nas discussões de engenharia e manufatura para viabilizar seu Design Intend – é uma tarefa que os Designers em geral odeiam, por isso dentro do grupo temos que ter designers com perfis diversos.
Alguns mais “criativos, outros mais “acabativos” e outros com mais experiência que tenham uma tendência e gosto para as discussões técnicas.
Mas sempre alguns acabam sobressaindo, seja pelo lado criativo ou pelo conjunto de criatividade, simpatia, facilidade de comunicação e “know-how” técnico. Estes acabam liderando o time defendendo suas ideias de maneira mais enfática e apaixonada, acaba ganhando projetos mais importantes e se projetando como executivo, chefiando primeiro grupos especiais ou uma supervisão de estúdio, mas se continua evoluindo e ganhando projetos, pode se tornar um Designer-chefe de uma marca.
Com certeza o exterior designer é o grande herói, todos querem esta posição, mas somente os muito bons é que conseguem.
Todos querem ser designers de exterior, e somente alguns poucos que t~em o perfil ideal para oDesign de Interior, que está muito mais ligado a ergonomia humana e de grande complexidade técnica. Além de tudo, seu trabalho não fica exposto às ruas, onde só o exterior é que vale.
O último degrau para um Designer de exterior pode ser até de presidente de um grande grupo, caso raríssimo do meu ex-chefe Peter Schreyer, que se tornou um Designer-executivo-chefe do grupo Hyundai-Kia.
Famoso também na escola europeia é meu outro ex-chefe (em Potsdam), Thomas Ingenlath, que além de vice-presidente de Design é também o presidente da nova marca esportiva da Volvo.
Muito antes de Potsdam já tínhamos trabalhado juntos aqui no Brasil, quando ele veio “afinar” a frente do Gol Geração 3, e também apresentou o showcar “Noah” no Salão do automóvel de São Paulo.
O grupo Volkswagen sempre foi um grande fornecedor de excelentes Designers-chefe para grandes marcas americanas, europeias, chinesas e coreanas.
No Brasil também fornecemos Designers-chefe Brasileiros, tanto para a Martriz quanto para as concorrentes. Outros Designers-chefe de Exterior conseguiram transpor as barreiras da indústria automobilística produzindo para a indústria de cinema em Hollywood.
Tive a grande sorte de trabalhar em Potsdam com o Daniel Simon, um dos melhores que eu já conheci. Seu sucesso nos States, primeiro no cinema, e agora como Designer autônomo (é o Designer do primeiro carro de corrida autônomo) se deve única e exclusivamente à sua genialidade e capacidade de gerar cenas de carros e ambientes/personagens e história virtuais de altíssimo nível.
Outro gênio nesta área é o Syd Mead, meu herói desde meus tempos de ilustrador técnico na General Motors do Brasil nos anos 80. Sua técnica e visão do mundo do futuro influenciou centenas de desenhistas, artistas e Designers.
O “filé” dos trabalhos de Exterior Design são os carros-conceito ou showcars. Ali o Designer pode voar mais alto, já que existe uma grande flexibilidade para os estudos, com uso de materiais exóticos, e pelo fato de se tratar de peça única. O desenvolvimento do modelo tem que ser rápido e sem interferências maiores por parte de testes, e produção.
O Designer de Exterior também acompanha os modelos nos primeiros teste aerodinâmicos, onde sempre há desejos a serem implementados, modificações de superfícies visíveis que podem melhorar vários aspectos do comportamento do automóvel em velocidades acima dos 100 km/h.
O Designer de Exterior mais procurado nos dias de hoje é aquele com a capacidade de já gerar superfícies matemáticas virtuais, ou seja, interpretar seus rafs e sketches em 3 D através principalmente do programa “Alias”, que foi especialmente criado para a indústria automobilística.
Esta maravilhosa profissão, no entanto, é uma das mais raras e desejadas do mundo moderno por pessoas que têm uma queda criativa para o desenho em geral. Não existe como profissão oficial no Brasil e há poucas escolas de qualidade em todo mundo.
A mais Famosa é o Art Center College em Pasadena, Califórnia e o Royal College, em Londres.
Enfim, é o trabalho dos sonhos de muitos jovens apaixonados por esta arte de esculpir (mesmo que virtualmente) automóveis.
LV