Dia 18 de outubro foi dia de Mercedes-Benz AMG Performance Tour 2018 no autódromo Velo Città, em Mogi-Guaçu, no interior paulista. Teríamos a oportunidade de pilotar vários modelos da AMG, divisão esportiva da Daimler AG, a fabricante dos Mercedes-Benz; um privilégio. Foi fartura de potência, pois pilotando seis modelos tive sob meu comando ao menos 2.500 cv.
Carros fortes, como bem se vê. O único senão é que esse “sob meu comando” foi algo relativo, pois não era permitido desligar todos os controles eletrônicos, e olhe que são muitos. Só era permitido que colocar na programação Sport+, que, como diz o nome, é o modo esportivo, porém que mantém a ajuda dos controles, ainda que de modo mais permissivo, ou seja, demorando um pouco mais para intervir.
Então, temos aí potências explosivas e torques imensos — mais de 500 cv, mais de 70 m·kgf —, e por outro lado temos controles rigorosos, bem pensados, temos tração nas 4 rodas na maioria dos modelos e um câmbio automático que trabalha com uma perfeição que nunca vi. Usar as borboletas, usar o modo manual, é absolutamente perda de tempo, já que dificilmente faremos trocas mais adequadas do que o modo automático.
Por exemplo, você vem na reta, pé embaixo, e freia forte para a curva. É só frear e virar o volante, que ele mesmo vai reduzindo marchas sequencial e perfeitamente, com perfeita aceleração interina, até à marcha certa para o contorno e saída de curva. Daí, basta passar o ponto de tangência e afundar o pé no acelerador, e afundar sem dó, que os controles dosarão a aceleração até o limiar da aderência dos pneus para retomada de velocidade otimizada e, especialmente, evitar uma escapada de traseira que requer muita habilidade.
Um parêntese aqui: esse “sequencial e perfeitamente” é em termos, pois os “homenzinhos verdes” do gerenciamento do câmbio e do motor não sabem como é a curva e vão determinando reduções sucessivas até à marcha que corresponda à velocidade escolhida pelo piloto para fazer a curva. O ideal seria uma só troca pulando marcha, já que em regime de volta rápida num circuito a frenagem sempre é máxima. Câmbios automáticos hoje pulam marcha sistematicamente na reduções para potência pelo kickdown, tornado possível e rápido devido ao controle eletrônico; o mesmo caberia numa aproximação de curva.
Com câmbio manual, e quando não se quer ou não se precisa poupar freio usando freio-motor, a freada para a curva e a redução é uma só, da marcha com que se vinha para a marcha a ser usada para fazer a curva.
A AMG fez tudo o que é possível para facilitar a vida do piloto, e o fez com precisão germânica. Fica fácil, não? Talvez um pouco fácil demais, principalmente depois que nos acostumamos com a tremenda aceleração de que esses modelos, todos eles, são capazes. E essa aceleração é das boas mesmo, uma devido à potência quase sem fim que deles brota, e outra devido ao fato de que a tração nas 4 rodas permite que grande parte dessa potência seja despejada no chão sem romper a aderência, já que ela será distribuída por um maior número de pneus. E pneus não lhes falta.
E assim, dentre os sedãs acabei me apaixonando pelo menos potente, esse “vermelhinho” das fotos, um AMG CLA 45 4M, principalmente por sua maior leveza e agilidade na pista, já que o circuito do Velo Città não tem retas longas nem curvas de alta. Esse CLA 45 4M entrega 381 cv (a 6.000 rpm) de 2 litros, ou seja, sua potência específica é de absurdos 190 cv/litro. Obviamente que através de turbocompressor, injeção direta, etc., etc.. E o torque é outro que impressiona: 48,4 m·kf entre 2.250 e 5.000 rpm. Veja só que isso é torque máximo em quase toda a faixa de giro, um absurdo tecnológico. O câmbio automático tem 7 marchas que são trocadas de maneira instantânea. Acelera de 0 a 100 km/h em 4,4 segundos e atinge máxima (limitada eletronicamente) de 250 km/h.
E como ronca esse motor! Ele grita; afina e grita como uma Valquíria — guerreiras virgens da mitologia nórdica — partindo a galope para a luta, e é difícil não se deixar levar por seu canto de guerra. Gamei.
Gamei foi no menor e menos potente, o que pode ser algo herético para um autoentusiasta, porém tem-se que ver qual era o ambiente em que estava. Provavelmente num circuito de velocidade média mais alta os maiores e mais potentes seriam os escolhidos. Suas potências e torques colossais, como os 612 cv (entre 5.500 e 6.250 rpm) e 86,7 m·kgf (entre 2.500 e 4.500 rpm) do AMG E 63 S 4MATIC+, compensariam a quase meia tonelada a mais que “o vermelhinho” (1.955 kg contra 1.585 kg), e em alta velocidade potência bruta e arrasto aerodinâmico é o que manda, tanto que sua velocidade máxima é limitada eletronicamente em 300 km/h. Tração nas 4 e câmbio automático de 9 marchas. Faz o 0 a 100 km/h em 3,4 segundos, praticamente com qualquer motorista que se habilite a pisar tudo de uma só vez e deixar o resto por conta do carro. O ronco de V-8 é um tanto estrondoso para um Mercedes, ao menos para o conceito que faço da linhagem da marca. Você ao longe escuta um Hot Rod e passa um Mercedes.
E aí vamos para a cereja do bolo, o AMG GT R. Tração só traseira, câmbio automático de 7 marchas, 1.630 kg, 585 cv a 6.250 rpm e 71,4 m·kgf entre 1.900 e 5.500 rpm. E essa cereja do bolo veio presenteada tendo como copiloto meu amigo e excelente piloto William Freire, que já me conhece de várias outras oportunidades, e comigo guiando carros bem mais tinhosos. Então o meu amigo ficou sossegado e me deixou dirigir em paz, só dando úteis dicas de como melhor tomar as curvas cegas desse circuito que ainda não conheço bem e com cones para todo lado formando chicanes que visavam diminuir a velocidade.
Essa guiada foi minha última na pista e foi filmada. Outras não me interessaram, pois me haviam dito que só seria filmada a minha cara, o que acho estrelismo inútil, mas nessa o William me disse que teria uma tomada da nossa visão de pista, então achei que seria de interesse do leitor e pode ser vista no canto superior direito da tela (imagem dentro da imagem).
O GT R é fantástico. Seria um sonho meu se tivesse câmbio manual, mas ao que parece esse negócio de embrear, mudar marcha na alavanca, fazer punta-tacco, etc. está fora de moda e hoje preferem só acelerar, frear e virar a direção. Mesmo assim ele é fantástico. Os controles pareciam estar mais permissivos, porém, segundo o William, isso era só impressão, pois a diferença estava nos limites do carro, mais altos do que os que eu havia pilotado. E gostei do tamanho dele, menor que o antecessor, o que tinha portas em asas de gaivota, o AMG SLS. Bom tamanho. Esse é um GT de estirpe. Fiquei imaginando viajar viagem longa com ele nas estradas do sul da Argentina…
Depois foi dirigir os suves da marca em pista off-road. Bom, foi covardia. Por mais difíceis que fossem os obstáculos, como rampa em cascalho, descida íngreme também em cascalho, dessas em que parece que vamos embicar de cara no chão, lama, água, etc., nada pareceu desafio a eles. E tudo na paz interior, na maciez de suspensão, no silêncio a bordo. Seria preciso uma pista bem mais radical, dessas do tipo “quase morri”, para que um motorista recém-habilitado se preocupasse um pouco e tivesse que parar e escolher com cuidado o caminho a seguir, pois, assim como no asfalto, a cuidadosa engenharia alemã tratou de facilitar ao máximo a vida do motorista na terra.
Em suma, mais uma vez ficou claro que a Mercedes não brinca em serviço. Quando entra numa competição, entra para ganhar. Foi assim com os Flechas de Prata na década de 30, foi assim na Mille Miglia e F-1 na década de 50, e é assim na F-1 atual. Com os carros de rua age do mesmo modo.
Fichas técnicas: como foram 14 modelos oferecidos para teste, o interessado pode entrar no site do evento (depois de abrir clique em PT/Português) que ao final há fichas técnicas e equipamentos de todos, além de muitas outras informações importantes.
Assista ao vídeo das curtas voltas com o AMG GT R:
Mais fotos:
AK