Pois é, caros leitores, estou de volta. Este ano foi pródigo para mim em termos de viagens. Alguns feriados e muita, muita conta para esticar o tempo da melhor forma, quesito no qual sou mestre. Se Matemática não era meu forte na escola, descobri que há uma forma que me resulta mais fácil de pôr em prática meus conhecimentos: transformar tudo em algo que eu gosto. Assim, se até hoje não me lembro a fórmula para calcular máximo divisor comum (ou mínimo comum múltiplo, ou qualquer coisa parecida), transformo a soma de frações em pedaços de pizza. Sim, adoro pizza! Pronto, faço qualquer conta assim. Demora mais, é claro, mas chego ao mesmo resultado. A mesma coisa quando tenho de calcular porcentagens rapidamente sem usar regra de três. Faço sempre o que for mais fácil. Se preciso calcular 60% de algo, divide ao meio (50%) e somo 10%. Números quebrados também podem ser calculados de uma forma simplificada: 33% é, basicamente, um terço do total. E por aí vai. Claro que isso é para contas rápidas nas quais posso usar arredondamentos. Bem, toda esta disgressão para explicar como fiz este ano para poder viajar tanto…
Aplico isso também ao orçamento da viagem e tudo isto somado chego ao destino que, para determinada época do ano, tempo disponível, etc. e aí é só fazer as malas. E aí Noratur arrasa. Faço uma extensa lição de casa, pesquiso lugares interessantes e desde que aprendi a fazer meus próprios mapas no Google Maps, incluo lugares a visitar, calculo as melhores ou mais bonitas rotas entre as cidades já com os tempos necessários e, supremo requinte de pesquisa, seleciono restaurantes e até mesmo os pratos que quero experimentar. No caso dos mais procurados ou daqueles que têm menos mesas, chego mesmo a reservar. Ou seja, TOC total quando se trata de férias. Mas sempre dá certo – e até mesmo os imprevistos têm lugar e tempo e sempre deixo margem de manobra.
Viajar para mim é das melhores coisas do mundo e não tenho pudor em dizer que trabalho para pagar minhas férias. Acho uma das duas melhores formas de gastar dinheiro, juntamente com estudos. Nem chego a chamar de “gasto”, mas sim investimento. Claro que para que seja realmente produtiva uma viagem tem de ser planejada e o destino muito pesquisado. Assim, aprendo e relembro fatos da história, conheço outros lugares e tenho contato com outros hábitos.
Bom, mas vamos logo ao que interessa: onde estive e por que vou escrever sobre tudo isto? Hungria, Eslováquia, Polônia e Alemanha — mas apenas Berlim. Ou seja, tudo atrás da Cortina de Ferro. Belíssimos destinos, digo em primeiro lugar. Exceto a Alemanha, nenhum deles é um país rico e os três primeiros passaram por terríveis guerras, ocupações e períodos extremamente sombrios. Ainda assim, vale muito a pena conhecer estes lugares.
Alugamos um carro para dirigir por Hungria, Eslováquia e Polônia e de lá fomos de trem para Berlim por questões de tempo. No total, dirigimos 2.000 quilômetros.
Escreverei cada semana sobre estradas, trânsito e outros assuntos autoentusiastas seguindo a ordem em que fiz a viagem. Hoje, então, vamos à Hungria.
O primeiro problema, é claro, é o idioma. Bom, pelo menos para mim que não falo húngaro. Como sempre faço, aprendi uma lista de palavras: bom dia, por favor, obrigada, café, vinho, cerveja, pato e coentro. As primeiras palavras por cortesia e civilidade e para ter um mínimo de autonomia. “Pato” porque coleciono e gosto de comprar algum em cada lugar que vou. “Coentro” porque detesto e quero ter certeza de que meu prato não terá esse ingrediente, apesar que isso no exterior não chega a ser problema. Nunca fora do Brasil me deparei com algo que tivesse tanto coentro como é comum aqui no País e muitas vezes até comi, sem drama.
Quanto a “pato” costumo pagar micos horrorosos, momentos em que meu marido finge que não me conhece. Geralmente, em lojas de souvenires ou de pequenos objetos, procuro algum de madeira, cerâmica, vidro ou qualquer outra coisa. Como sempre faço, entrei numa loja na pequena cidade de Tokaj e pedi, cheia de mim “kacsa”. Tinha até checado a pronúncia ao chegar com um húngaro mas, pelo visto, meu sotaque deve ser horrível pois a balconista fez cara de paisagem. Aí apelei para meu recurso infalível: dobrar os braços, pôr as mãos na cintura e abanar as extremidades superiores dizendo “qua, qua, qua”. Sim, meu marido desaparece nessas horas e não posso culpá-lo por isso. A simpática moça da loja então fez que não com a cabeça. Aí pensei que devia haver uma forma menos escandalosa de aumentar minha coleção e resolvi baixar uma foto de um pato no meu celular. Na loja seguinte, tentei novamente falar “kacsa”. Nada! Aí mostrei a foto de um pato no meu telefone e a solícita atendente me levou até uma estante onde havia… patê de pato!. Pois é, sempre tem uma pegadinha…
Por sorte, em Budapeste o inglês não é tão raro, embora nem todos falem. Aliás, aprimorei consideravelmente minha linguagem de gestos e estou tão afiada que acho-me (a ênclise da semana) imbatível jogando “Imagem e Ação”.
Alugamos em Budapeste uma station wagon, uma Škoda Octavia que devolvemos em Varsóvia, já na Polônia. Por sinal, belo carro. Meu marido reclamou apenas da visibilidade lateral direita ao dirigir já que meu banco obstruía a visão dele e eu tinha que avisá-lo se podia fazer uma conversão. Mudei várias vezes a colocação do banco do carona mas não adiantou. Já eu, bem menor do que ele (vulgo “prejudicada verticalmente”) provavelmente pela posição do banco do motorista não tive nenhum problema. O carro era a gasolina, mesmo, 95 octanas RON. a chamada gasolina Super lá, e teve um desempenho excelente — aliás, ótimo, pois na maioria das estradas a máxima era 130 km/h, enquanto nos outros países tivemos estradas de 140 km/h e o carro sobrava.
A infraestrutura rodoviária húngara me pareceu excelente. Mesmo nas estradas menores e menos transitadas que pegamos, pois Noratur sempre tem algo diferente para fazer e fica inventado coisas for a da casinha. Sinalização sempre eficiente, nem a mais nem a menos, curvas ligeiramente superelevadas para “segurar” o carro em vez de jogá-lo para fora da estrada, como sói acontecer no Brasil e algo que adorei: faixas de aceleração e desaceleração com uns mais de 50 metros, várias vezes mais até. Assim, dá tempo de entrar ou sair de uma estrada rápida sem prejudicar o trânsito. Marcação de velocidade máxima enxuta – às vezes tinha de olhar no Waze pois nem sempre era clara, mas tenho que dizer que nessas horas optávamos por acompanhar o fluxo e sempre deu certo e “batia” com a oficial. Como é comum na Europa, marcação de faixa continua e pontilhada mesmo que no mesmo sentido — assim fica fácil entender que em alguns lugares pode-se ir da direita para a esquerda. mas não o contrário. Isso sempre acontecia nos acessos, de forma a que quem entrava na estrada não passasse rapidamente para as pistas da esquerda, por exemplo. Pelo que o DataNora apurou em observações de campo, o pessoal de lá respeita isso. Não vimos ninguém mudar de pista com faixa continua. Mas é uma constatação puramente empírica, claro.
Em 1980, a Hungria tinha somente 200 quilômetros de autoestradas, mas desde 1990, com a independência da URSS, o número subiu consideravelmente. Em 1998 já eram 500 e este ano o número chegou a 1.491 quilômetros. Não é muito para um país com 93.000 quilômetros quadrados, mas como disse, os números aumentam rapidamente, embora com interrupções por denúncias de corrupção e superfaturamento e, claro, adaptações aos padrões da União Europeia.
Nas autoestradas (“autópálya”), vias que têm pelo menos duas pistas asfaltadas em cada sentido, com acostamento, a máxima é 130 km/h. A sinalização também é fácil: placas azuis com a letra M e um ou dois números. Nada de nomes que só confundem. Estrada para mim deveria ser sempre com letras e números. Nas estradas expressas (“autóút”), com duas pistas asfaltadas em cada sentido mas sem acostamento, a velocidade máxima é de 110 km/h e elas têm uma letra M e um ou dois números, com placas azuis e brancas. As estradas rápidas (“gyorsút ”) tem duas pistas nos dois sentidos sem acostamento e velocidade máxima de 110 km/h. As placas são azuis e têm um R e um ou dois números. Budapeste tem um prático rodoanel, a M0, com três pistas em cada sentido mais acostamento e quase 100 quilômetros de extensão, que diminui o trânsito dentro da cidade e facilita deslocamentos para outras regiões.
Em comum, nos três casos e mesmo nas ruas das cidades, a qualidade do asfalto chama a atenção. Não encontramos um único buraco. A sinalização nas estradas e mesmo na cidade é clara e intuitivo. Não posso dizer o mesmo de particularidades em relação a estacionar, por exemplo, já que os textos estão apenas em húngaro e o ícone nem sempre é claro. Mas o mesmo nos aconteceu em outros países e não apenas nesta viagem. Deduzimos que eram peculiaridades como dias e horários nos quais era permitido parar naquele lugar, e em outros casos circulação nas faixas de ônibus mas é pura especulação.
O número de carros de passeio subiu muito desde 1990 com o fim do domínio soviético, quando havia 1.990.000 veículos registrados no país. Em 2015 já havia aumentado em 50%, passando dos 3.700.000 embora tenha havido queda entre 2009 e 2010 devido à redução do poder aquisitivo, que, no entanto, desde então se eleva constantemente. Segundo dados da União Europeia, são 394 carros de passageiros por 1.000 habitantes em 2017 e o crescimento tem oscilado entre 3 e 5% ao ano. Ford, Opel, Volkswagen, Suzuki e Toyota lideram as vendas, mas contei 33 diferentes fabricantes com vendas consideráveis naquele país.
O respeito às normas de trânsito é muito grande. Havíamos rodado exatos 1.489 quilômetros quando, a 18 quilômetros da Cracóvia (Polônia) fomos ultrapassados pela direita pela primeira e única vez em toda a viagem. Em nenhum lugar da Hungria nem da Eslováquia isso aconteceu. Embora sempre voltássemos para a direita, estávamos fazendo isso quando o sujeito passou reto. Os motoristas ultrapassam e voltam para a pista sempre. Em vários trechos da estrada é proibido caminhão na pista da esquerda e eles absolutamente não vão para lá nem por uns metros. Ficam em comboio um atrás do outro na faixa da direita, disciplinadamente. Pelo que percebi, todos mantêm a mesma (e máxima) velocidade permitida. Ultrapassam somente quando é permitido, em algumas estradas e apenas em alguns trechos, claramente demarcados. E sempre voltam para a direita, assim como os carros de passeio.
Já nas cidades, como na Europa em geral, carros estacionam sobre a calçada à às vezes total, às vezes parcialmente. Em alguns lugares, inclusive, está indicado quanto do carro tem de ficar na pista e quanto na calçada. Bicicletas andam em ciclofaixas (vi poucas na Hungria), ou entre os carros ou na calçada. Mas sempre em velocidade compatível, sem ameaçar pedestres e sinalizando nas conversões. Ou seja, convivência pacífica entre todos os modais.
E encontrei um carro elétrico sendo abastecido bem na região do Parlamento, em Budapeste.
Ponto alto da viagem
Um dos (vários) pontos altos desta viagem foi a visita ao circuito de Fórmula 1 da Hungria, o Hungaroring. Era um sonho há muito tempo. Imaginem eu estar no palco daquela que considero a melhor manobra de toda a história da Fórmula 1? Refiro-me (outra ênclise, afinal, fiquei um tempinho sem escrever) à ultrapassagem de Nélson Piquet, de Williams, sobre Ayrton Senna, de Lotus, por fora, na corrida de 1986. Se alguém não conhece, aqui vai o vídeo, mas acho que sou capaz de narrar de tantas vezes que vi:
Fiz as reservas com um mês de antecedência pois embora o tour pelo circuito possa ser feito diariamente somente uma vez por mês, ou às vezes nem isso, pode-se andar DENTRO da pista. Até mudei minha programação para poder encaixar nossa estadia em Budapeste a isto. E valeu muito, muito a pena. Claro que fiz palhaçada no pódio e tirei um monte de fotos nas arquibancadas, nos boxes… tipo adolescente nos bastidores de um show com sua banda de rock favorita.
Tem várias opções de visita, mas a única que se encaixava durante nossa estadia no país era a “Race Taxi”, na qual anda-se com um piloto profissional pelo circuito. Optei pelo carro mais potente, um BMW M3 E36 de corrida. E, óbvio, meu marido umas voltas e eu outras. Imagina andar no banco de trás numa hora dessas? Nunquinha… alias, nem sei se pode. Nem perguntei.
O piloto que nos levou é o Csaba Walter (os húngaros invertem e colocam o sobrenome na frente), húngaro de 38 anos simpaticíssimo e super-habilidoso, especializado em corridas de longa duração. Tem 11 vitórias no curriculo de 79 disputas, entre as quais 24 horas de Nürburgring SP6 (vitória em 2016), 24 horas de Nürburgring DAC Zurique, SP8 (primeiro lugar este ano) e vários campeonatos da Fórmula Turismo húngara, GT3 europeia (foto de abertura). Como curiosidade, a também muito simpática Csaba Adrián, esposa dele, também faz parte do time de pilotos da equipe e foi quem nos recebeu, colocou balaclava, capacete e tudo.
É indescritível a emoção de andar naquele circuito mítico com um piloto profissional, num carro de corrida, a milhão. Ele passava por cima das zebras, freava dentro das curvas, em fim, tudo de bom. E ainda acenava e sorria para minha câmera enquanto eu filmava dentro do carro. Ainda levei uma GoPro que fixamos no teto do carro para registrar tudo.
Aproveitei para sentir a sensação de estar no lugar mais alto do pódio, como apareço na foto mais acima.
Mudando de assunto: Não consegui ainda ver a corrida do México por estar viajando. Mas certamente Hamilton mereceu ganhar pelo que fez durante o ano todo e simplesmente adorei a atitude de Vettel ao abraçar e dar os parabéns ao inglês. Linda demonstração de humildade e reconhecimento. Pena que nossos políticos não têm nada disso – e olha que o alemão estava disputando o campeonato literalmente com a própria vida. Agora vou procurar o vídeo.
NG