Quando a banda Supertramp percorria os EUA em turnê de divulgação de seu álbum “O Crime do Século” (1974), um de seus integrantes, Roger Hodgson, machucou sua mão e eles tiveram de cancelar o restante das apresentações. Com tempo extra sobrando lá, pressão dos produtores e gravadora para lançarem outro trabalho, puseram-se a compor as músicas de um novo álbum para gravar lá mesmo e assim surgiu o “Crise? que crise?” (foto de abertura e miniatura da capa ao lado).
Nas músicas de Rock dessa época tem-se dificuldade em encontrar uma conexão entre as melodias e as letras. Mais difícil ainda era encontrar um significado a elas. Tempos do Rock Psicodélico. Você pode ler as letras das músicas das bandas Pink Floyd, Genesis, Supertramp ou outras do mesmo gênero e iria concordar que as composições saíam de verdadeiras viagens no ácido, ou na linguagem politicamente correta de hoje, o sujeito viajava para outras galáxias sem tirar os pés do chão. Além das letras e melodias desconectadas, as capas dos álbuns eram outra viagem à parte e, como não podia deixar de ser, também desconectada com o conteúdo. Mas basta olhar para a arte das mesmas e notar que em geral há enorme significado, viajadas no ácido ou não. A capa em particular e da abertura deste post, da banda Supertramp vem da época da crise do petróleo e qualquer um que vivesse as circunstâncias da época a entenderia logo de cara. Nada precisava ser dito. Depois a surpresa viria em descobrir um conteúdo nada a ver com a capa, mas com o que os roqueiros gostavam de ouvir.
Minha viagem a 1974 voltou a este mês de setembro. A capa do álbum do Supertramp tem tudo a ver com nosso mercado de veículos. Dólar na estratosfera, bolsa volátil, riscos eleitorais da volta do PT ao poder, mercado chinês despencando no ano 15%, europeu despencou outros 23%, este devido a problemas com entrada de novas regras mundiais de testes de consumo de combustível e emissões e testes (WLTP), sigla, em inglês, de Procedimentos Mundiais Padronizados de Testes de Veículos Leves), enfim, o Brasil e o mundo atravessando tempos turbulentos e as vendas de veículos aqui seguem seu curso, crescendo acima de 13% no ano. A analogia com a capa do Supertramp não podia se encaixar melhor — “Crise? Que crise?”
Na reunião do último 4 de outubro da Anfavea com a imprensa especializada e de economia, seu presidente, Antônio Megale, apresentou os resultados de setembro e uma nova revisão de projeções para o restante do ano. Normalmente essas revisões ocorrem a cada semestre e atribuo a revisão extra a dois fatores: o mercado argentino vem derretendo, a queda em agosto foi de 35% sobre mesmo mês do ano passado, e a Argentina representa 70% de nossas exportações; Com suspensão dos embarques de forma brusca e consequentes férias coletivas em algumas fábricas, imperava mostrar uma mudança de cenário local. Assim, Megale cuidou de apresentar a catástrofe vizinha e informar que o aquecimento do mercado nacional está acima do esperado e que amenizará parte das perdas das exportações. Sim e não.
Em evento de segunda-feira última, 15 de outubro, Rogélio Golfarb, vice-presidente da Anfavea, tratou de amenizar as apostas em forte crescimento para próximo ano e, ainda por cima, o condicionou à aprovação imediata de reformas pelo próximo presidente da República. Referiu-se basicamente a da Previdência. Disse também que boa parte da expansão do mercado interno neste ano está ligado às vendas diretas, com programa PcD no meio.
Basta olharmos os números com mais cuidado e veremos que se a desaceleração econômica que atingiu vários setores do comércio e indústria não trouxe impactos ao setor automobilístico, não nos dá muitos motivos a comemorar, mas bem que as vendas domésticas têm saído com esforço hercúleo da rede e boas concessões por parte dos fabricantes.
Em setembro venderam-se ao todo 213.339 veículos, sendo 205.134 automóveis e comerciais leves, 6.707 caminhões e 1.498 ônibus. Em mês com quatro dias úteis a menos que agosto, foram 14,2% a menos licenciamentos, porém a média diária de vendas de leves subiu 3,6% para 10.797 veículos. Animador.
Concluídos três trimestres, o avanço sobre mesmo período de 2017 foi de 13%. Porém, seguem sinais de alerta adiante. As vendas diretas passaram a 47% do total, um avanço de 2% sobre agosto e de 5% sobre mesmo mês do ano passado. Em suma, estamos vendendo mais carros sim, mas as vendas tem sido forçadas via canal direto e programa PcD, que hoje representa mais de 20% do total de automóveis, um a cada cinco carros novos é vendido com isenção de impostos. Situação insustentável no médio e longo prazos.
Da lista dos 50 mais vendidos, 28 modelos tiveram vendas menores que em 2017 no varejo. A rede tem sentido melhora em seu faturamento, porém a média foi da ordem de 8%, enquanto os emplacamentos totais cresceram 13%. A Jeep vendeu -14,9% no varejo e +71% em diretas e PcD, a Nissan licenciou -3,1% no varejo e +96% em diretas e PcD. Temos claras distorções nos modais de vendas.
Nas vendas por região, o Sudeste apresenta 55% do total dos emplacamentos, com expansão de 11% sobre os três trimestres de 2017. As regiões Norte apresentaram crescimento de 24%, Centro-Oeste, com +19% e Sul com +15%.
RANKING DO MÊS E DO ANO
Chevrolet segue líder, com 36.389 veículos emplacados, um crescimento de 3% sobre mesmo mês do ano passado. VW em segundo, com 31.672, Fiat em 3º, com 25.212, depois Renault, com 18.878, Ford com 18.755, Hyundai e Toyota. VW tomou a frente no crescimento set 2018 contra set 2017, com expansão de 36%, depois Jeep, com 17%, Fiat com +10%. As marcas francesas tiveram desempenho mais fraco no mês, Peugeot caiu 26%, Citroën 21% e Renault, 8%. As vendas totais deste setembro foram 6% superiores a set 2017.
Na comparação dos primeiros nove meses de 2018 com 2017, a marca alemã segue puxando o crescimento, com 34% de expansão e 263.848 veículos, Nissan com +33% e 71.724, Renault com +24%, seguida da Jeep com +22%.
Onix teve outro bom desempenho, 17.981 emplacamentos, superior à soma do 2º e 3º colocados, respectivamente Ka, com 8.680 e HB20, com 8.626. Gol em 4º, 6.765, Prisma em 5º. Argo superou seu rival direto, o VW Polo, pela primeira vez, e Corolla fecha a lista dos dez primeiros. No acumulado do ano o compacto Chevrolet cresceu outros 9%, inferior à expansão do mercado (13%), mas ainda um bom número para um veterano.
Os novos compactos Toyota, Yaris e Yaris Sedan, emplacaram 5 mil unidades totais, porém tomaram bastante espaço do seus irmãos Etios, que despencaram na tabela. Mais um processo de autofagia, este creio programado à moda nipônica, ou seja, sutilmente e que poucos percebam, o Yaris deve progressivamente ir tomando o lugar do Etios, que parece não terá substitutos. Aos fãs desse modelo, por suas diversas qualidades, uma ducha de água fria.
O Citroën Cactus, já avaliado pelo AE, deve vir com boas vendas e trazer bons momentos à marca francesa, que hoje não tem mais seus modelos figurando nem entre os 50 mais vendidos. O Peugeot 208, em que pese ser um ótimo produto, também vai caindo no ranking e em setembro foi somente o 49º da tabela.
Nos comerciais leves a Strada voltou à liderança, com 4.696 unidades licenciadas, seguida da Toro, com 4.575, Saveiro em 3º e encostando, com 4.334, Hilux em 4º e a Amarok numa surpreendente 5ª posição, superando a S10 pela primeira vez desde que foi lançada, em 2010.
Em 9 meses a compacta Fiat expandiu-se 32%, Toro +12%, Saveiro +10% e a Amarok com +70%, revela um acerto da marca alemã em trazer o modelo V-6 e também boa agressividade nas vendas.
Este mês temos o Salão do Automóvel de São Paulo onde várias novidades serão apresentadas. O mercado vem de recuperação na casa dos dois dígitos por ano, porém espera-se crescimento menor para 2019, algo entre 5 e 10%. A ver.
Até o mês que vem!
MAS