Vamos falar mais do Fusca do casal Beth e Ivan Hodges, por onde ele esteve na Oceania e como foi que ele acabou num museu. Este fiel carro ficou na família Hodges por 54 anos e rodou 302.500 km.
Para descobrir um pouco mais da história deste Fusca, voltei à carga e fiz mais algumas perguntas ao Ivan, que atendeu com a prestimosidade de sempre.
Nós conhecemos a história das duas viagens, mas entre elas o carro ficou na Nova Zelândia e depois passou um tempo em Sydney na Austrália. Veja o que o Ivan contou sobre este tempo, atendendo a algumas perguntas e que ele respondeu desta forma aglutinada:
“Quando voltamos para a Nova Zelândia em janeiro de 1962, o carro foi assumido pelos meus pais. Naquela época, o mecânico que cuidava do carro era um aprendiz. Ele saiu daquela oficina depois de dez anos e abriu sua própria e pequena oficina especializada em Volkswagen, a TK Motors, de Terry Knowles.
O carro foi usado pelo meu pai Reece como carro da polícia (ele era um policial local), ele era muito conhecido pelo que fazia em seu trabalho policial, a comunidade sabia que ela estava chamando.
Homenagem ao “Fusca de Patrulha”
Durante a viagem de despedida, antes de se “internar permanentemente” no museu, o Fusca fez uma visita à delegacia da cidade de Levin, na Nova Zelândia. Lá ele recebeu novamente, por algumas horas, a honra de ter uma sirene de polícia e uma luz azul fixadas ao bagageiro de teto
Como se viu,o pai do Ivan era .policial e sua delegacia ficava em Levin. Ele usou o Fusca como viatura policial durante a década de 1960. O Ivan conta duas passagens de quando o Fusca foi um “carro-patrulha” nas mãos de seu pai:
“Isto ocorreu nos dias que antecederam a introdução de carros adaptados para o uso como carros de polícia na Nova Zelândia e o Fusca acabou se tornando de fato o veículo policial oficial da região. O Fusca trabalhou para o meu pai. As brigas terminavam antes mesmo da porta do carro ser aberta. Os encrenqueiros não precisavam ver o uniforme de polícia azul marinho para saber com quem estavam lidando”
“Conduzindo os criminosos de um lado para o outro ao redor daquela zona rural, o meu pai se voltava para seus passageiros no banco de trás e perguntava como eles estavam curtindo a viagem em um Fusca. Às vezes ele entrava em sua casa para pegar alimentos para os criminosos que ele transportava para a prisão de Mount Crawford, em Wellington (hoje desativada). Parando o carro e rapidamente apagando o seu cigarro, papai corria para dentro, dizendo: ‘Esse homem já andou de Fusca, mas acho que ele precisa de um bom uísque antes de ir para a prisão.’”
“Meus pais amavam a oficina TK Motors que cuidava do Fusca. A minha filha mais velha, a Keris, aprendeu a dirigir no Fusca aos 15 anos na Nova Zelândia e o instrutor foi seu avô, meu paiReece.
( *) -Na propaganda ao lado se lê: TK MOTORS
56 Keepa Street, Levin.
A (oficina) Terry Knowles oferece uma gama completa de serviços mecânicos e, embora nos especializemos em Volkswagen, temos experiência em atender a todos os modelos e marcas de veículos.
Compra, vende e atende Volkswagens.
Depois que minha mãe morreu e o carro não foi mais usado, meu já estava em uma casa de repouso. Entrei em contato com o mecânico Terry Knowles para explicar a ideia da nossa segunda grande viagem por volta de 1994, ele disse que não via nenhum problema e deu certeza que o carro estaria pronto para o segundo desafio.
Ele fez alguns reparos no motor, na parte elétrica e trocou as lonas de freio. Aí o carro foi enviado da Nova Zelândia para a Inglaterra em um contêiner. O carro precisou ser registrado e segurado no Reino Unido antes do início da viagem para a Austrália. Nisto o carro ganhou outra placa de licença. Isso causou grande dor de cabeça ao atravessar da Turquia para o Irã; pois as placas anteriores ainda estavam no carro, apenas cobertas pelas placas novas. Disto resultaram muitos questionamentos das autoridades daquela fronteira.”
Na sequência eu tinha perguntado por quanto tempo o carro ficou com o Ivan na Austrália e se ele foi restaurado antes de ser entregue ao museu, e ele respondeu o seguinte:
“Em 1997, quando chegou da segunda viagem, o carro começou a sua fase australiana que durou até 2016.
Antes de fazermos qualquer viagem na Austrália, entramos em contato com uma pequena oficina especializada em Volkswagens que nos deu alguns conselhos. Eles recomendaram fazer uma pequena restauração, repintar na sua cor original, azul Golfo, rever todos os cromados, restaurar os bancos e consertar pequenos arranhões. Os pneus de faixa branca foram adicionados cerca de dez anos depois, quando compramos quatro pneus antigos com faixa branca, o que fez o nosso carro parecer novo.
Sim, todo o trabalho foi feito antes de enviarmos nosso Fusca de Sydney para Auckland. A Volkswagen Nova Zelândia assumiu os custos de transporte; fato que nós apreciamos muito. O plano principal era que precisávamos registrar e assegurar o carro para a Nova Zelândia para realizar nossa última viagem naquele país. Daí você notará a nova mudança de placa. A placa que está no carro agora é a placa original, QJ 3951.”
A última viagem na Nova Zelândia, antes da entrada do carro no museu MOTAT, foi um acontecimento midiático, que o Ivan descreveu como segue:
“Na nossa volta final pela Nova Zelândia o escritório de Relações Públicas da Volkswagen Nova Zelândia nos cedeu um carro de apoio adesivado que Beth dirigiu por quase todo o tempo. Nós tivemos um programa de paradas programadas, entrevistas de imprensa em locais conhecidos por nós e nossa família.
Foi nessa época que nosso neto colocou as fotos de nossas viagens na rede social Reddit e a nossa história instantaneamente chegou às primeiras páginas, acabamos recebendo ligações da imprensa de todo o mundo. Daí a entrevista com Catherine (apresentada na Parte 2) e uma grande entrevista no programa “Good Morning America” da rede de TV americana ABC News. Tudo isto acontecendo enquanto fazíamos o nosso tour de despedida, mas isso já é outra história.”
Sobre o que ele sentiu nesta volta de despedida o Ivan disse:
“Levar o nosso Fusca em seu último passeio foi incrivelmente emocionante, pois ele tem sido uma importante parte de nossa vida — a partir de um ano do nosso casamento, com tantos destaques e coisas interessantes que fizemos ao longo do caminho. E agora concluímos nosso último passeio, que foi muito importante para nós. Queríamos compartilhar a felicidade e a história da Nova Zelândia com o maior número de pessoas possível.”
Neste giro final pela Nova Zelândia foram feitos vários encontros com as comunidades de várias cidades, em especial em concessionárias Volkswagen, onde foram dadas entrevistas e feito contato com o público, como mostra o vídeo abaixo (em inglês):
Finalmente o “Travel Bug” é entregue ao Museu MOTAT
O Ivan tinha uma grande preocupação com o futuro do seu companheiro de quatro rodas de tantos anos e sobre isto ele colocou o seguinte:
“Depois de ver muitos carros sucateados e enferrujados, achei que nosso Fusca é importante demais para acabar assim. Nosso Fusca viajou o mundo e viveu uma vida emocionante. Terminar em um pátio de um ferro-velho seria terrível. Decidimos que gostaríamos de doar para uma organização que o respeitasse e preservasse. Então nós contatamos o Museu MOTAT.”
Mas a decisão de doar o carro para o museu teve um entrave familiar. O carro tinha sido prometido pelo Ivan para o neto Tahni quando ele tinha cinco anos. Na época era apenas um neto; agora já são 12. Mas o Tahni abriu mão de receber o carro para que ele pudesse ser preservado no museu.
O MOTAT – Museum of Transport and Technology (Museu do Transporte e Tecnologia), inaugurado em 1964, é o maior museu de transporte e tecnologia da Nova Zelândia e oferece uma experiência de aprendizado divertida e emocionante para visitantes de todas as idades.
Sua visão central é “usar a herança, criatividade, transporte, tecnologia e histórias associadas da Nova Zelândia de maneira criativa e interativa para educar e inspirar os inovadores de amanhã”.
As exposições incluem aviões, bondes, trens, motores de tração antigos, carruagens, carros, ônibus, trólebus e caminhões, especialmente carros de bombeiros, equipamentos elétricos, exposições de voos espaciais, incluindo um foguete tipo Corporal e exposições científicas em geral. Há também uma “aldeia colonial” de lojas e casas antigas, incluindo uma casa de campo protegida por paliçada e uma oficina de ferreiro.
Já o MOTAT estava procurando adicionar um Fusca à sua coleção por vários anos. O Fusca é um veículo icônico e sua presença foi um lugar comum dentre os meios de transporte na Nova Zelândia durante a década de 1960 até a década de 1980. No entanto, o museu não queria apenas um Fusquinha qualquer, eles estavam procurando por algo com uma história única e interessante — o fiel Fusca da família Hodge se encaixava perfeitamente no que se estava sendo procurado.
O diretor-executivo do MOTAT, Michael Frawley, disse: “O MOTAT tem a honra de ser o guardião do Fusca do casal Ivan e Beth, para garantir que sua história memorável continue viva. Este veículo tornou-se um símbolo de resistência, confiabilidade, lealdade e inovação. Pretendemos transmitir estas qualidades nobres aos nossos visitantes, apresentando este Fusca no MOTAT e inspirando-os a tornarem-se como os Hodges — verdadeiros pioneiros.”
Chegou o dia: o Fusca foi entregue na segunda-feira de Páscoa 2016, mais precisamente no dia 28 de março daquele ano. E esta entrega foi festiva, contando com a participação de diretores do MOTAT, representantes da Volkswagen da Nova Zelândia, de uma caravana de membros de Auckland do VW Owners Club of New Zealand (Clube de Proprietários de Volkswagens a Nova Zelândia), e do público que lá compareceu.
Participação do VW Owners Club of New Zealand no evento
Eu conheço o Knut Erbs, um membro antigo do VW Owners Club of New Zealand desde 1995, quando nos encontramos pela primeira vez em Bad Camberg e de lá para cá temos mantido contato. Voltamos a nos ver em 2015 quando fui para Bad Camberg comemorar os 20 anos do Dia Mundial do Fusca.
Como eu soube que ele tinha participado da entrega do “Travel Bug” ao MOTAT eu pedi que ele desse um depoimento de como ele viu aquele acontecimento, e abaixo segue seu depoimento:
“Em 1999, um novo livro apareceu nas livrarias de Auckland, o que imediatamente me chamou a atenção porque ele tinha um Fusca na capa e como eu sou um ávido entusiasta da Volkswagen, tive que comprá-lo. Chamava-se “Por amor e um besouro” e contava a história de duas pessoas, Beth e Ivan Hodge, que haviam comprado um Fusca em Londres em 1960 e o levaram rodando para a Nova Zelândia. Então, em 1996, ainda possuindo o mesmo carro, agora com cerca de 35 anos a mais, eles repetiram o exercício, enviando o carro para Londres e depois voltando por terra novamente para a Austrália (onde moram agora).
Agora dando um avanço rápido de outros 20 anos até 2016 e o mesmo casal, agora em seus oitenta, e ainda possuindo o mesmo Fusca que eles compraram em 1960, decidiram viajar mais uma vez, ao redor da Ilha Norte da Nova Zelândia, visitando cidades que o Fusca passou tanto tempo em sua vida, e terminando em seu lugar de descanso final no Museu de Transporte e Tecnologia (MOTAT) em Auckland, Nova Zelândia.
Assim, no início de 2016, o MOTAT contatou o VW Owners Club, em Auckland, para discutir uma grande festa para a entrega deste icônico Fusca. Logo foi decidido que o clube deveria organizar um comboio de carros Volkswagen para acompanhar o Fusca em sua última viagem até Auckland e lá até o Museu.
A notícia foi para todos os entusiastas da VW em Auckland para se reunirem para compor um comboio na segunda-feira, 28 de março de 2016, encontrando-se no estacionamento do Garden Center em Silverdale. No dia, 45 veículos Volkswagen arrefecidos a ar, Fuscas, Kombis, Karmann Ghias, apareceram para formar um comboio, e cerca de 90 pessoas vieram para olhar os carros e falar com Beth e Ivan Hodge.
Às dez horas da manhã, o comboio VW deixou o estacionamento e entrou na autoestrada do Norte, e com muitos outros veículos tocando suas buzinas para nós e passageiros acenando, transitamos pela autoestrada, pela ponte Harbour Bridge e 45 minutos depois chegando ao Museu.
O Museu organizou um estacionamento especial em um de seus pátios internos para o Fusca 1960 e parte do comboio e também atraiu muita atenção dos visitantes do Museu e das pessoas que andavam pela rua. Todos queriam tirar fotos com o Beetle e seus donos!
Então vieram as celebrações de entrega… Um almoço leve foi oferecido pelo Museu e algumas pessoas discursaram sobre o evento e a entrega do Fusca para o MOTAT.
Eu visitei o Museu recentemente com meu neto e fomos dar uma olhada no Fusca. Ele está orgulhosamente exibido em um grande cenário com muitos detalhes de apoio que mostram a história deste carro e seus donos.”
Além da foto de abertura desta matéria, que mostra o Fusca em seu display dentro do galpão “Motor Cycle Engineer” temos outras:
O Terry Sawyer, secretário do Clube, enviou o link do vídeo abaixo que mostra cenas do comboio, bem como dos carros estacionados dentro do MOTAT:
Seguem algumas fotos do comboio que o Knut descreveu, iniciando com a foto do “Travel Bug” que ia puxando a fila de carros:
Seguem algumas fotos de carros que participaram do comboio, mostrando exemplos dos carros que colecionadores preservam na Nova Zelândia:
Mais fotos deste evento podem ser vistas no álbum do Flickr For Love and a Beetle .
Aproveitando o gancho do Knut, vamos ver onde o “Travel Bug” ficou parado na foto abaixo:
No fundo da foto com o Fusca está um galpão com a inscrição: “Motor Cycle Engineer” (Engenheiro de Motocicleta”); onde o display do Fusca foi instalado. Aí eu decidi saber onde é que o Fusca estava parado e a posição do galpão “Motor Cycle Engineer” considerando o mapa do Museu. Isto está esclarecido na ilustração abaixo:
O MOTAT está instalado em dois sites M1 e M2 que são ligados por uma linha interna de bonde; a localização que procuramos está no M1. O Fusca na foto acima estava estacionado perto do prédio azul, marcado com o número 5 no mapa, ao lado da “Little Corner Store”, local que eu indiquei com a flecha vermelha.
Já o galpão “Motor Cycle Engineer” faz parte do conjunto de cor marrom marcado com o número 4 que eu indiquei com a flecha amarela.
Como dissemos na Parte 1 da matéria o 1. Käfer-Klub Wolfsburg e.V. havia dado um agasalho de presente para o Ivan durante a passagem deles por Wolfsburg. Este agasalho, depois de ter prestado bons serviços ao Ivan, acabou sendo dado de presente para o Ben Montgomery, Chefe de Vendas da Volkswagen Nova Zelândia — e mecenas que ajudou com o translado do carro de Sydney para Auckland, bem como organizou o tour de despedida na Nova Zelândia, como mostram as fotos abaixo:
A família Hodge compareceu em peso para a cerimônia da entrega do Fusca ao MOTAT e certamente este foi um momento muito emocionante para todos:
Para terminar este relato, retransmito a mensagem que o Ivan enviou para mim e para os leitores brasileiros:
“Quando fomos contatados por Alexander, “do Brasil”, percebemos que ele pesquisou muito bem nossa história e devemos apoiá-lo o máximo possível e sempre o mais rápido possível. O Brasil e a Austrália compartilham estilos de vida semelhantes, verde e dourado, cores nacionais, churrascos, vôlei de praia e nossa filha tinha um amigo próximo, de São Paulo. Muitos brasileiros moram na Austrália. Esperamos que nossa história seja compartilhada em seu país.
Beth e Ivan Hodge”
Esta matéria é realmente épica, com todos os detalhes que foi possível levantar. Um Fusca que teve uma “vida” atribulada, fez duas viagens transcontinentais, foi patrulha de polícia e depois de 56 anos servindo à família Hodges foi para um museu em vez de ir para um ferro-velho. Um fim honroso para este Fusca.
Fica o agradecimento em especial para o Ivan Hodges, que se desdobrou para responder às minhas dúvidas; em agradecimento eu fiz esta matéria em três partes com todo o cuidado possível e com muito interesse, aliás o que foi automático com uma história destas.
AG
Leia a Parte 1 Leia a Parte 2
Reitero o meu agradecimento ao casal Beth e Ivan Hodge pela participação neste trabalho. Esta Parte 3 demandou mais trabalho de pesquisa, e foram feitos contatos com o MOTAT através da Vanessa Hefer — Gerente de Marketing & Comunicações; e do Graham Cooper — Designer de Exibições. Também foi feito contato com o VW Owners Club of New Zealand, nas pessoas do Terry Sawyer —Secretário do Clube e do amigo Knut Erbs. Nestes contatos foi feita uma grande troca de e-mails. Além disto foram necessárias várias horas de pesquisas na Internet para conferir dados e coletar esclarecimentos.
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