Desde o início de minha carreira no Design me deparei com uma situação típica de grandes estúdios. Por um lado, é muito importante para um estúdio a renovação de mentes, novos talentos a serem escolhidos e treinados, já que somente alguns anos atrás foram criados no Brasil cursos de “Transportation Design”, que é a disciplina que forma profissionais para a indústria automobilística para esta área.
Qual o jovem que não gosta de automóvel, e quantos deles não gostariam de desenhá-los?
As melhores escolas desta disciplina consideradas são o Art Center College, na Califórnia, e o Royal College of Arts, em Londres, por isso de difícil acesso para os talentos brasileiros.
O automóvel sempre foi um símbolo de liberdade e desafios. Hoje em dia, nos países desenvolvidos, graças ao trânsito caótico e a melhora dos transportes públicos, o perfil de jovens das grandes cidades está mudando e o automóvel já não tem mais a mesma importância do passado, sendo até hostilizado como objeto poluidor e causador de caos urbano.
Mas em países como o Brasil onde as distâncias são continentais e o transporte público é deficiente, o automóvel ainda é a única maneira pela qual uma pessoa pode ir de A até B de maneira individual, com conforto segurança.
Quando o Design começou a ser uma opção de carreira muito desejável, recebíamos muitos pedidos de estágio e principalmente solicitações vindo de executivos para aceitarmos estagiários em nossa área.
A maneira como isso acontecia não era a ideal, pois além de não termos uma estrutura para a formação destes futuros profissionais, muitos dos indicados não tinham aptidão para o desenho, e na grande maioria dos casos gastávamos nosso tempo treinando pessoas que não tinham um talento real para a profissão.
Eu costumava receber muitas cartas de meninos, fanáticos por automóveis, pedindo uma chance de aprender esta profissão. Eu mesmo fazia questão de responder às cartinhas, recomendando um caminho a ser trilhado, sempre acompanhado de desenhos explicativos, e sugerindo o caminho a ser percorrido.
Primeiro, a capacidade de desenhar sempre foi um qualidade imprescindível, mas também uma boa escola relacionada à arquitetura, belas artes, engenharia, ou cursos técnicos onde eles pudessem ter uma boa base para iniciar a carreira.
Além disso, procurar revistas especializadas, que só podiam ser encontradas em poucos lugares no Brasil, como a Auto Design italiana, e Car Design japonesa (acho que ainda podem ser encontradas no Aeroporto de Congonhas).
Eram revistas caras, mas nelas haviam muitas ilustrações e criações detalhadas de projetos automobilísticos internacionais.
Outra recomendação era estudar a língua inglesa, que até hoje é indispensável para um
profissional da área.
Atualmente o acesso a imagens de Sketches automobilísticos ficou muito fácil e acessível através da internet, permitindo assim que os pretendentes à profissão tenham acesso às técnicas de Sketch e seus processos.
Eu também deixava bem claro desde o início que as chances de conseguir uma vaga em um dos poucos estúdios no Brasil era quase zero. Nos últimos anos, em razão da terrível recessão que se abateu na indústria em geral, muitos estúdios foram fechados, com os melhores talentos sendo transferidos para o exterior, o que tornou o sonho ainda mais inacessível aos nosso jovens.
Mas eu sempre acreditei que não há nada que um ser humano não possa atingir se ele se dedicar de corpo e alma à busca do seu ideal.
Um exemplo que eu sempre cito é a história dos irmãos Pavone, gêmeos paulistas que me escreveram quando ainda eram garotos. Passei a cartilha para eles, que a seguiram à risca e conseguiram, praticamente sozinhos, construir uma grande carreira internacional, atingindo atualmente a posição de Chefe Designer-chefe de Exterior da Marca Volkswagen (Marco Antônio) e me substituindo como Designer-chefe da VW para a América do Sul (José Carlos).
O Marco Antônio (sempre apoiado pelo irmão) foi o vencedor e Head Designer do Show Car up! de 2007, apresentado no Salão de Frankfurt, e na sequência liderou o carro de produção, que como vocês podem notar, perdeu muito do toque humano e sensual do modelo original.
Então, em 1999, depois de uma pequena batalha, consegui que fosse aprovada uma
verba extra na Engenharia para instituir o Concurso Volkswagen do Brasil Design, algo que nem na Alemanha existia.
A dificuldade maior sempre é o dinheiro, pois o investimento para esta ação não é pouco e não existe um retorno palpável, mas somente uma oportunidade subjetiva de descobrir novos talentos que num futuro não determinado poderia trazer frutos em termos de criatividade para a marca. Tudo muito etéreo, para financistas, mas bom para a imagem da marca, e inspirador paraa juventude brasileira, já que o know-how” tecnológico faz a diferença para qualquer país.
Chefe de Engenharia na Época, o Sr. Karl Hirtreiter nos apoiou e desviou uma verba para o evento e como a maioria dos vice-presidentes de engenharia da VWB são alemães, nenhum deles teve coragem de extinguir a verba para o concurso até hoje, o que nos transforma ainda em um ninho produtor de talentos para o mundo automobilístico.
As normas estabelecidas por nós eram:
– Convocar todas escolas de Design, e Arquitetura do Brasil para estudantes que estivessem no último ano do curso.
– Os finalistas teriam 1 ano de estágio na área.
E se houvesse a possibilidade seriam aproveitados e contratados a princípio no Brasil, e como aconteceu mais tarde, também pela matriz, depois que em um dos eventos foram convidados o Sr. Hartmut Warkuss e o Sr. Peter Schreyer, que ficaram encantados com o potencial dos jovens brasileiros.
Aí a coisa decolou e deste concurso vários estudantes brasileiros acabaram encontrando seu caminho no mundo secreto e exclusivo do Design de Automóveis.
Graças a esta ação, com o passar dos anos renovamos todo nosso staff e acabamos provendo designers de ponta, não só para o Grupo VW, mas também para a VW, Audi, Bentley, Porsche, assim como para outras marcas com base no Brasil, como Ford, GM, Fiat, e o Grupo francês PSA (Peugeot e Citroën) e a francesa Renault.
Sempre entendi que um bom gestor não deve só pensar em si próprio, mas também no futuro da marca e, principalmente, na formação de bons profissionais. Quando isso não acontece, especialmente na área de Design, você acaba “envelhecendo” o time, e designers mais velhos são mais medrosos, mais cuidadosos, já que foram obrigado a recuar em ideias devido à não viabilidade técnica de suas propostas.
Têm maior experiência, mas acabam perdendo a capacidade de gerar novas ideias, de arriscar. Mesmo que suas propostas não sejam viáveis por motivos técnicos, forçam o avanço dos produtos, pois os jovens entregam propostas desafiadoras, que forçam as áreas correlatas a “pensar” e tentar mais uma vez aquilo que no passado não foi possível por limitações de materiais e processos, mas que com o passar do tempo são viabilizados por novas tecnologias.
No estúdio, durante o ano em que ficam sentados lado a lado aos profissionais da área, os estagiários são defrontados com trabalhos reais, tais como rodas, detalhes de interior ou exterior, acessórios, tudo rigidamente controlado diretamente com os engenheiros que são nossos parceiros diretos para o lado da engenharia.
Todo ano finalizamos o treinamento com um trabalho especial, normalmente dentro do “briefing” do tema do ano seguinte, com modelos em escala reduzida ou reais.
Outro grande prêmio para estes “garotos” é a chance de se relacionar eme aprenderem com os melhores Designers, Engenheiros e Técnicos da atualidade.
Aí vão alguns nomes que saíram desta ação:
– Raul Pires, que chegou a Chefe de Design Exterior da Bentley e foi o designer que introduziu a nova linguagem da marca, mais tarde tornou-se o Diretor de Design do Estúdio Giugiaro Design em Turim, e hoje atua no Design Avançado da Audi
– Os irmãos Pavone, que já citei acima
– Arnaldo (Mineirinho), Designer de Exterior da VWAG, responsável pelo desenho de SUVs da VW, entre eles o novo Touareg
– Morita, que foi Designer de Exterior da VWAG e hoje tem seu próprio estúdio no Brasil além de ser professor da IED no Brasil.
Na VWAG ainda podemos citar o Felipe Montoya e Thiago Carfi, Designers de Exterior de ponta que estão envolvidos em vários projetos de carros de produção e show cars.
Na VWB, vários membros do time titular vieram do concurso:
– O supervisor Guilherme Knop, que foi meu colega e braço direito no Design Corner
— Gustavo Mota, João Rubens, Gabriel Zonta e Enrico Nascimento no desenvolvimento de “shape”
Na área de Color & Trim o Marcelo Pereira, Milene Kazama e Enrico Nascimento. Também o Arthur Martins, André Fonseca, Luís Antonelli e Rogério Okabe estão pelo mundo, trabalhando em estúdios avançados, na Califórnia e Europa para outras marcas.
Alguns mudaram de área, como o Harrisson Redi que hoje trabalha na Adidas, graças à sua genialidade e conhecimento profundo adquirido na área de Color & Trim da Volkswagen do Brasil e Porsche.
Já são 20 anos de concurso com mais de 1.000 participantes, 70 vencedores. Vinte permaneceram na Volkswagen, 15 estão fora do Brasil, oito abriram empresa e quatro estão na áreade desenvolvimento de produtos, e outros que estão tocando seus negócios, mas sempre ligados ao Design Automobilístico.
As principais faculdades e universidades que forneceram os vencedores foram a Unesp Bauru, Mackenzie, Belas Artes, UEMG, UFRJ e instituto Mauá de tecnologia. Pois eu me orgulho muito de todos os trabalhos que eu participei e liderei durante minha vida pessoal, mas, mais que tudo, me orgulho de ter proporcionado e ter dado impulso definitivo na carreira destes que hoje são grandes profissionais do Design brasileiro e internacional.
LV