Em 1996 a Lamborghini estava em uma época muito difícil, sofrida. Afirmava-se que quase foi fechada. Não haviam novos projetos porque não havia dinheiro suficiente, e o Diablo, fabricado de 1996 a 2001 e sucessor do modelo mais conhecido da marca, o Countach, se era tecnicamente melhor, não tinha um estilo que passava nem perto da marca indelével que o Countach deixou no mundo. Não estou considerando as versões que alteraram o desenho original de Marcello Gandini e que adicionaram defletores e aerofólios que danificaram o desenho do LP400. Estes adendos eram chamativos, mas longe de serem bonitos. Finalmente foram 2.884 Diablos nesse período e 2.049 Countachs de 1974 a 1990.
Lembro-me vividamente de um Diablo à venda em uma loja em São Paulo, que passei vários minutos olhando, tentando enxergar algo que fosse verdadeiramente interessante do ponto de vista de desenho, mas desisti. Era para mim um Countach extensamente piorado. Além disso, a qualidade que se enxergava ao olhar detalhes era muito ruim para um carro que custava uma fortuna tanto novo quanto usado.
O Diablo só melhorou um pouco em 1998, quando os faróis escamoteáveis foram abandonados em prol do belo par do Nissan 300 ZX.
Mas lá em 1996 o estúdio Zagato e a própria fábrica de Sant’Agata Bolognese mostraram ao mundo no Salão de Genebra um conceito feito sobre a mecânica do Diablo, com um visual que deixou os fãs da marca muito felizes, pois aquele poderia ser o sucessor do já cansado Diablo.
Batizado de Raptor, teve em Alain Wicki, um esportista campeão de trenó natural da Suíça que também teve suas passagens pelas corridas, o incentivador do projeto, e tem a bolha dupla no teto, uma marca de vários desenhos do Z. Usou-se a mecânica do Diablo VT de tração nas 4 rodas, mas com chassis próprio. O acabamento era muito bom nesse conceito, o que fez muita gente acreditar que o carro estava quase pronto para começar a ser produzido.
Sem dúvida que a história da marca poderia ter ido para um novo caminho, pois sempre fora problemática. Depois de 1973 houve três donos, e até mesmo a falência foi decretada em 1978, ficando algum tempo inativa.
Em 1987 a Chrysler assumiu o controle, e numa tentativa de fazer a marca forte, um motor para a Fórmula 1 foi desenvolvido e usado por várias equipes. De 1989 a 1993, teve apenas um pódio — terceiro lugar no Japão em 1990, com Aguri Suzuki pilotando o carro da equipe Larousse, e nenhum outro resultado expressivo em mais três anos. O grupo malaio Mycom Stedco comprou a marca em 1994, sem determinar uma direção para o futuro, e nessa desorientação quem tinha paixão pelo trabalho tentava promover alguma evolução. O Raptor nasceu de uma dessas tentativas.
Em 1998 finalmente a Lamborghini voltava às mãos de alguém do ramo correto, quando o grupo Volkswagen a comprou através da Audi AG. Essa foi a salvação, pois numa decisão inteligente, a marca dos quatro anéis entrelaçados foi escolhida como responsável pelas atividades da marca italiana, justamente a marca do grupo mais dedicada à alta qualidade de uma maneira completa, mas principalmente especializada em projeto e construção de peças e conjuntos que ao serem montados produzem mínimas folgas entre si, o que eleva sobremaneira a percepção de produto bem feito, de visual conciso e sólido e que vale o que custa.
O conceitual Raptor foi dotado de carroceria com boa parte feita em compósito de fibra de carbono, teve o controle de tração e o ABS removidos dos sistemas do Diablo, e mesmo com o mesmo grande V-12 de 6 litros, duplo comando de válvulas nos cabeçotes, era mais leve que o carro de onde originou em cerca de 300 kg, ficando com 1.350 kg. Além disso, um compressor da marca Z-Engineering poderia ser instalado como opção caso o carro fosse fabricado, aumentando a potência de 498 cv para 620 cv.
Os freios Brembo foram trocados por pinças Alcon e discos maiores, sobre as rodas de 18 polegadas (o mundo era mais simples, um supercarro podia ter uma roda de apenas 18 polegadas de diâmetro) que, juntando a menos peso, melhoravam muito o desempenho em relação ao Diablo.
Ainda uma novidade no mundo dos desenhos de projeto, o CAD (computer-aided design, desenho auxiliado por computador) foi usado pela Zagato em modo muito intensivo, e o carro foi feito sem um modelo real em clay, em apenas quatro meses desde o começo dos desenhos. Esse sistema era novo ainda, o estúdio italiano havia acabado de adotá-lo e estava ávido em promover seu nome diante da indústria. O estilo do exterior foi em conjunto, o próprio Andrea Zagato, seu desenhista chefe Nori Harada e Wicki uniram suas ideias, com resultado muito superior ao que o Diablo mostrava.
O chassis era tubular, de tubos de seção quadrada. O mais interessante na carroceria era o teto, vidros e o que seriam portas abrindo para cima, como uma concha gigante. Isso fazia que uma modularidade fosse possível, com a remoção dessa concha e colocação de um acabamento ao redor dos bancos para proteger um pouco os ocupantes, fazendo do carro um roadster, ou ainda com a remoção também do banco do passageiro, tornando-o um carro de corrida.
Feito muito rapidamente, o carro foi exposto mesmo antes das avaliações da equipe da fábrica, que não poderia deixar de tentar saber como havia ficado algo que levasse o brasão do touro mas que não saíra de dentro de seu endereço.
Levado para avaliações demonstrou ser um veículo muito bom em comportamento, já que não havia grandes novidades em relação ao Diablo, exceto pela remoção do ABS e de componentes de freio novos.
Mesmo com esse começo promissor, não se aprovou o modelo. Nessa fase o carro que estava sendo feito em ritmo lento para entrar no lugar do Diablo era chamado de Canto, que também estava sendo desenhado pela Zagato. Talvez isso tenha causado certa confusão no andamento do projeto, fazendo a Lamborghini retirar o trabalho da Zagato e passar a utilizar os serviços da Bertone. De qualquer forma o resultado não viu as lojas, já que o Canto foi cancelado, e a Lamborghini só ressurgiu de verdade depois da entrada da Volkswagen no cenário.
O único carro feito ficou de posse de Alain Wicki, até que em 2000 foi leiloado na Europa e comprado por um colecionador. O valor pago foi de pouco mais de 216 mil dólares, menos que custava um Diablo novo, algo sem sentido ao se analisar pelo fator raridade e exclusividade.
O Raptor poderia ter mantido um maior interesse na marca Lamborghini até a chegada do Murciélago, ou até mesmo mudado muito o futuro.
Fotos: ConceptCarz, UltimateCarPage, Autoblog
JJ