A foto estava próxima de mim há muito tempo, perdida em uma folha de papel entre tantas outras. Folhas estas saídas de revistas de muitos títulos, anos, tamanhos, nacionalidades, parte de coleções ou avulsas, compradas, ganhadas, recolhidas em lixeiras, ou dispensadas por quem não mais as queria ou precisava delas, como bibliotecas públicas ou de escolas de inglês que frequentei, mas com uma coisa em comum: a importância.
Cada um de nós tem sua classificação pessoal de importância para tudo que está em volta de nós mesmos, e revistas de carros e de aviões sempre me foram muito, mas muito importantes, tendo destaque em meu quarto quando morava com meus pais, e em outros lugares da casa, desde que me casei e saí de lá. Não vou complicar o assunto e falar de livros, que todos que me conhecem sabem que são partes da minha pessoa.
Depois de anos e anos de montes de revistas, há algum tempo comecei a me livrar delas, mas com um processo bem delineado na minha cabeça. Todas seriam folheadas visando a classificação numa escala simples. As imperdíveis seriam aquelas que eu não me desfaria de maneira nenhuma, exceto por catástrofes naturais, acidentes, ou desequilíbrio mental absoluto. Exemplo claro é a coleção com todos os exemplares de Motor 3.
Outra classe eram as que poderiam ser desmanchadas para salvar apenas as folhas com matérias ou fotos importantes ou interessantes, isso segundo meu ponto de vista pessoal. Muitas Autocar estavam aí encaixadas. A terceira categoria é a das dispensáveis em sua totalidade, que nada mais foram do que informação à época em que foram publicadas, mas cujo conteúdo é desinteressante para mim ou de fácil acesso na internet. Aqui não vou citar nomes, pois há de tudo.
E comecei a trabalhar sempre que sobrava tempo entre afazeres mais importantes. Consegui concluir esse trabalho há pouco mais de três meses e devo dizer que se tratou de uma enorme evolução em minha pessoa, primeiro por possibilitar que sobrasse espaço nos armários, segundo por ter melhorado o visual da casa como um todo e, terceiro, porque me sinto muito mais distante daqueles pacientes mostrados em programas de TV a cabo, conhecidos como ‘acumuladores’ de tanto que juntam quinquilharias em casa. Disse muito mais distante, não totalmente distante.
De forma simples, jogar papel fora é delicioso. De forma simples também, o papel é insubstituível. Já tentaram ler uma revista digital ou um livro desse tipo? Absolutamente antinatural, desconfortável, enfadonho e dependente de energia elétrica, mesmo com luz natural. Em suma, horrível. Mas necessário. Às vezes.
Nesse trabalho todo, haveria então uma outra etapa, que seria a de digitalizar (ou escanear) matérias e fotos para serem arquivadas em computador. E assim me vi com algumas pilhas de folhas de revistas, que demorei mais de um ano para passar para o formato eletrônico. Ou dois, nem me lembro para falar a verdade.
E eis que cheguei à foto da abertura dessa matéria, publicada em 1969 na revista britânica Autocar. Mostra um Ford Cortina Mk2 à frente e um Hillman Hunter que vem bem perto, percorrendo no limite de aderência uma curva de raio médio, aparentemente. O Hunter tem rodas fora do chão, inclusive. Não que inclinação lateral, cujo termo correto é rolagem, seja algo que defina estabilidade. Não é. Mas o ângulo das rodas no Cortina, e as rodas fora do solo do Hunter mostram que o comportamento era certamente ruim tentando andar rápido.
Diante da imagem, parei e pensei um pouco no que estava fazendo, e a analogia ficou clara. Evolução é algo necessário, natural, constante. Mesmo que existam sempre correntes contrárias, ela é irrefreável, pois o tempo é o lugar onde tudo acontece, e ele não para, obviamente.
Ver essa foto e a atitude dos dois carros mostra de forma simples o quanto se evoluiu na dinâmica veicular em algumas décadas. Lembre que 1969 foi o ano em que a Nasa colocou homens na Lua — desconsideremos as teorias que dizem que isso não foi verdade — e carros familiares ingleses se comportavam assim em uma curva. Os americanos não eram muito diferentes, claro.
Agora, veja como todos os carros novos fazem curvas nos dias de hoje, independente de marca, preço, propósito e outras classificações. Nada que esteja à venda em qualquer canto desse mundo é tão ruim como o que aparece nessa foto. Picapes enormes e altas andam rápido e fazem curvas sem sustos. Jipes as acompanham. E carros de família são melhores que muitos quase ou pseudo esportivos de duas décadas atrás.
Como qualquer coisa nessa vida tem pelo menos dois lados, claro que eu e mais um monte de gente vai lembrar que carros antigos são legais, importantes pela história, significado na vida de cada um e mais uma porção de razões para que sejam mantidos, cuidados e usados. Isso é fato para qualquer um com um mínimo de interesse pelas máquinas. Mas também concordo que carros novos funcionam tão melhor, são tão mais práticos e muitas vezes até mais duráveis que os antigos, que só posso comemorar a evolução dessa indústria como um todo.
Sim, haverá sempre modelos a deixar saudades e que nunca deveriam ter mudado, evoluído ou deixado de ser fabricados, mas o caminho do mundo é esse, e ninguém vai alterá-lo, exceto se algo muito terrível acontecer, como uma guerra nuclear por exemplo.
Sempre haverão cavalos, carroças, bicicletas movidas a pedal, carros com motores de combustão interna que nós mesmos dirigiremos e outras coisas antigas, hoje e amanhã, que são amadas por muitos.
Mas não há como escapar de algumas evoluções que pode ser que venham para ficar ou pode ser que tenham seu tempo e morram mais à frente, sabemos lá quando.
É bom não saber o futuro.
JJ