A guerra tarifária entre EUA e China atingiu a indústria automobilística no fígado. Não só pelo aumento nos impostos de importação dos automóveis, como também do alumínio e aço, dois itens de peso relevante no custo final de sua produção.
Além do aumento nos custos da produção, as fábricas de automóveis nos EUA contabilizam uma redução nas exportações devido às novas tarifas impostas pela China. Para tentar amenizar o problema, antes da trégua estabelecida entre os dois países há duas semanas, presidentes das principais fábricas de automóveis nos EUA se reuniram no gabinete do ministro de Trump encarregado dos negócios externo. Presentes na reunião os principais executivos da Ford, GM, FCA, Volkswagen, Mercedes e BMW.
Em certo momento, sem que nenhum assessor do ministério tivesse anunciado a entrada de alguém, abre-se a porta e entra o presidente Trump. Que cumprimenta com certo mau humor (até aí nenhuma novidade…) o grupo, é apresentado a cada um e, quando chega em Herbert Diess, presidente mundial da Volkswagen, em vez do tradicional “Nice to meet you” (“prazer em conhecê-lo”) ele sapecou, sem rodeios: “O senhor por aqui? Achei que já estivesse preso!”
Desnecessário mencionar o mal-estar geral no grupo que poderia ter imaginado qualquer comentário, exceto este provocado pelo escândalo do “dieselgate”, apelido da manobra (que veio à tona em setembro de 2015) feita pela Volkswagen nos EUA para ludibriar o limite de emissões de NOx dos motores diesel.
Trump fez a brincadeira (de mau gosto) certa com a pessoa errada. O presidente da VW conivente com a maracutaia das emissões foi Martin Winterkorn, forçado a renunciar quando estourou o escândalo. Foi substituído por Matthias Müller, que ficou na presidência apenas por três anos: em abril de 2018 foi demitido e substituído por Herr Diess no comando da empresa. Além disso, Diess não não teve nada a ver com o “dieselgate”, pois entrou para a VW (vindo da BMW) apenas em 2015. Trump provavelmente o confundiu com o engenheiro Oliver Schmidt, outro alto executivo da VW que trabalhava nos EUA e preso no início deste ano na Florida. Winterkorn também foi condenado pela justiça norte-americana e, se pisar de volta nos EUA, vai direto para atrás das grades…
Diess, totalmente desconcertado e, na tentativa de amenizar a situação, comentou que sua empresa e a Ford tinham estabelecido uma parceria para entre, outras, a Volkswagen utilizar capacidade ociosa das fábricas da Ford na produção conjunta de alguns modelos. Imaginou que estaria conquistando a simpatia de Trump, aborrecido naquele momento pelo anúncio da GM de estar fechando fábricas nos EUA e Canadá e demitindo cerca de 15 mil funcionários.
Mas o tiro meio que saiu pela culatra, pois o que as duas empresas tinham anunciado era uma parceria exclusivamente para o desenvolvimento conjunto de novos projetos de veículos comerciais. Mas desenvolviam outros acordos mantidos estrategicamente sob sigilo para não prejudicar as negociações em andamento. Pelo menos um deles (produção conjunta) veio à tona com a língua de Herr Diess destravada pela grosseria de Mr Trump. O que, obviamente, incomodou profundamente os diretores da Ford.
Previsões pouco animadoras para o futuro e dificuldades que se avizinham para o setor estão provocando o estabelecimento de alianças, parcerias e fusões de fábricas de automóveis em todo o mundo. Todas conscientes da necessidade de se adequar para não sucumbir diante de novos modelos de negócios e mobilidade cada vez mais próximos.
Não é por acaso o registro de movimentos similares aos anunciados pela Ford e Volkswagen entre diversos outros grupos da indústria automobilística correndo atrás de eficiência e competitividade. E, por mais que possam despertar a ira de Mr. Trump, empresas irão fechar fábricas e demitir funcionários, por uma simples questão de sobrevivência.
BF
Foto:wsj.com