Muito mais que contar a história de um modelo, o livro do inglês Chris Harvey é mais útil. Mostra o que se deve fazer para usar e manter corretamente o Jaguar E, isso escrito pouco tempo depois que o carro deixou de ser fabricado em fevereiro de 1975.
O livro foi publicado em 1977, quando já se tinha a certeza que o E-Type era um clássico. E hoje essa certeza só aumenta, dado tudo que o carro trouxe de importante quando lançado e tudo que representa hoje, talvez melhor entendido do que quase 50 anos atrás.
Mas passando à praticidade, Harvey separou os assuntos em capítulos, e os títulos explicam do que se trata em poucas palavras. Alguns deles: Tributo ao E Type, Testes de revistas de época, Os E Type de corrida, E Types de produção, Pontos fortes e fracos, Problemas comuns, Intercambiabilidade de peças, Melhorias possíveis, Comparação com concorrentes, Do belo ao bizarro, Porque o E-Type teve que acabar.
Se você quer saber muitos detalhes sobre a história do carro, seu nascimento e desenvolvimento, esse não é o livro, mas é muito informativo se um detalhamento não é desejado. Se você quer saber como é ter um E-Type, esse é o livro. Claro que estamos falando de uma época pré-internet. Para isso, ela ajuda muito. Mas há mais de quatro décadas a confusão era outra, e se precisava de ajuda que não se conseguia sentado em casa, com o amigo Google diante de você,
Para ajudar nessa tarefa que é tortura para pessoas comuns mas absoluto prazer para quem abre um capô sem real motivo, há 40 páginas de desenhos das partes do carro, motor, carroceria, suspensões, freios e outros, retirada de manuais de manutenção e de peças, desenhos feitos pela fábrica. Ocupam páginas inteiras e são bem úteis para entender o E-Type, apesar de não terem explicações.
O volume tem desde dicas simples para evitar a tão comum corrosão, passando por vazamentos de óleo que precisam ser reparados e os com que se pode conviver, até os porquês de trocar o capô e para-lamas por um de alumínio ou de compósito de fibra de vidro, além de mostrar as razões do motor 6-cilindros ser melhor para o carro do que o V-12, Harvey explica com clareza e humor britânico os prazeres e agruras de possuir aquele que é considerado por muitos como o mais belo carro de todos os tempos.
As três séries ou gerações do carro são explicadas, e o modelo feito para o mercado americano, o 2+2 com portas mais compridas e altas e mais espaço no banco traseiro é mostrado e criticado na medida certa, deixando claro que os americanos compraram 2/3 dos Jaguares E produzidos, mantendo o carro em produção com lucros saudáveis para a fábrica, mas que as exigências de testes de impacto foram as principais responsáveis pelo fim do carro.
Pela construção da carroceria monobloco com partes de chassis na frente onde se monta motor e suspensão, os impactos com barreiras rígidas não mostravam bons resultados, e modificar tudo era fora de cogitação pelo custo. Estavam contados os dias do “mais belo carro jamais fabricado”, como disse um certo Enzo Ferrari ao vê-lo pela primeira vez.
Na parte de comparações, são analisados o Corvette, Aston Martin DB4, Porsche 911, Triumph TR-4, Austin-Healey 3000, Facel Vega II, Mercedes 190 SL e 300 SL, Ferrari 250 GT e Maserati Mistral. Nenhum deles vencia o Jaguar em todos os quesitos, e os dois mais próximo, o Ferrari e o Aston, eram muito mais caros, junto com o 300 SL. E os que tinham desempenho superior ao Jaguar (não muito) consumiam muito mais gasolina. A proporção dava sempre o Jaguar como melhor escolha, independente do gosto pessoal pelo desenho do carro.
Tudo posto em perspectiva, é o que já sabemos de vários textos publicados ao longo de anos. O E-Type foi o melhor carro esportivo fabricado por muitas décadas, considerado seu preço e o que oferecia. Há um ótimo texto sobre ele aqui nesse link.
Um breve resumo dos principais personagens que criaram o carro é muito bem escrito, com as devidas homenagens a Malcolm Sayer, engenheiro aeronáutico especialista em aerodinâmica e que foi o principal definidor das linhas externas e das formas aerodinâmicas; Bill Heynes, o líder da engenharia de produto, responsável pelo motor de seis cilindros, 3,8-litros e duplo comando de válvulas acionado por corrente, que desenvolvia 269 cv logo no primeiro modelo, e pouco mais de de 220 km/h de velocidade máxima, com aceleração de 0 a100 km/h em 7 segundos, ambas marcas fabulosas para 1961. Houve uma polêmica sobre velocidade máxima ser de 240 km/h, mas apenas uma vez um teste foi publicado pela revista Autocar onde se atingiu esse número.
Obviamente Sir William Lyons, um dos fundadores da fábrica e o grande responsável por tudo que dela saiu no período áureo, é devidamente comentado.
Chris Harvey tem autoridade suficiente para a obra ser considerada valorosa para curiosos e colecionadores do carro ou apenas interessados. Tem muitos livros publicados sobre várias marcas e longa carreira como jornalista da área. Ele teve, até o momento da publicação, três modelos E, portanto, desmontar e montar não vem de observação, mas de “fazer você mesmo”.
O fato é que Harvey adquiriu três E-Type em dez anos. O primeiro foi um de 3,8 litros de 1961 com suspensão de um modelo Lightweight, de corrida. O carro foi comprado em 1967 e andou com ele três anos e 110 mil km, até que bateu com um furgão do jornal The Sun, onde Harvey trabalhava. Coincidência cômica, se não fosse trágica.
Ele guardou o que sobrou, comprou um 4,2-litros de 1966 com 100 mil km, mas bastante cansado. As peças do carro destruído foram sendo transferidas para o mais novo. O motor ficou, mas foi depois irremediavelmente danificado andando em alta velocidade na França. Então ele resolveu pegar o motor do primeiro carro, melhorá-lo com peças mais novas e um balanceamento, instalando-o no carro mais novo.
Seu terceiro Jaguar E, que também era um carro vítima de acidente, foi comprado em 1972, sendo um modelo fabricado em 1964 com motor 3,8. Várias peças dos carros 1961 e 1966 foram colocadas nele, que depois foi vendido.
E é o segundo carro que ele comprou e manteve por muito tempo o que aparece na foto abaixo, com pintura que presta homenagem a um carro que venceu várias corridas.
E-Type, End Of An Era, pode ser encontrado facilmente na Amazon, no eBay e às vezes até mesmo na Estante Virtual. Não é um livro caro, pois teve grande tiragem. Mas vale bem mais que seu preço se você gosta desse carro fabuloso.
JJ