A sensação de antagonismo ainda é forte tanto para Christian Fittipaldi quanto para quem o conhece ou trabalhou com ele. Em um fim de semana marcado por um desfecho igualmente surpreendente, o brasileiro encerrou um importante capítulo de sua história e inicia uma fase que é consequência do sucesso e carisma que consolidou desde que se associou à equipe Action Express. Um bom termômetro para aferir essa imagem foi o aplauso demorado com que jornalistas o saudaram ao entrar na sala de imprensa de Daytona, domingo, recepção calorosa o suficiente para provocar soluços e lágrimas. Ao final da salva de palmas levantou-se respeitosamente e curvou-se aos profissionais ali reunidos, alguns deles conhecidos de longa data.
Este colunista seguiu Christian e o acompanhou bem de perto em sua passagem pela F-1, quando os planetas não estavam alinhados e muito menos os ventos sopraram a seu favor. Em meados da década de 1990 a juventude não ajudou como poderia e, particularmente, não creio que aquele ambiente fosse — até mesmo seja — o melhor para sua índole. Se existe alguma exceção ela está bem escondida, mas em mais de duas décadas que acompanhei a F-1 não me lembro de pilotos tão boa gente quanto Christian que tenham conseguido alcançado o sucesso que merecem no mundo dos Grandes Prêmios: a engrenagem ali é cruel e não há marchas sincronizadas, daquelas que te ajudam a trocá-las sem arranhá-las.
Já o automobilismo americano reconhece e incentiva personagens como o filho de Suzy e Wilsinho. Mas até: a aparência saudável e o sorriso fácil levaram Paul Newman — que foi seu patrão nas corridas de F-Indy/Cart — a tentar transformá-lo em um artista de cinema. Chegou até a lhe enviar um script para que ele fizesse o papel de motorista em um do seus últimos filmes, mas entre dedicar seis meses aos estúdios de Hollywood ou seguir com pleno foco em corridas, optou por este último, mundo onde foi criado e onde construiu a estrada de sua vida.
Seu caminho teve curvas fechadas e outras mais suaves, disputas de freadas e até um voo seguido de um verdadeiro looping na reta principal de Monza, onde o então companheiro de equipe Pierluigi Martini não aceitou ser derrotado na chegada do GP da Itália de 1993. Após uma longa conversa no motorhome da equipe os dois saíram e o brasileiro tomou a iniciativa de passar a borracha no que tinha acontecido. Um quarto de século depois Christian é reverenciado no automobilismo e pouco ou nada se ouve do italiano.
.O português Filipe Albuquerque pode ser considerado o herdeiro da vaga de Christian Fittipaldi na Action Express: ele vai disputar a temporada de 2019 formando dupla com João Barbosa, também lusitano e parceiro do brasileiro há muitos anos. Albuquerque só tem elogios para o ex-companheiro de equipe, a partir de agora seu novo diretor esportivo: “O Christian é uma pessoa cinco-estrelas, muito simpático, amigo do amigo. Mesmo dentro deste mundo competitivo consegue ver tudo em perspectiva, ficar calmo e dar aquela palavra de atenção a um piloto mais jovem como eu. Os anos passaram e ele continua a andar forte, com o pé embaixo. Sempre que pode ele não perde oportunidade para aprontar alguma comigo, especialmente quando compartimos o mesmo automóvel a caminho do autódromo.”
WG
Foto de abertura: José Mário Dias)
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