O designer automobilístico vive numa eterna luta contra varias dificuldades e pressões de suas áreas parceiras. Sendo o Design o aglutinador de todos os desejos de todas as áreas, é também um constante front de guerra. Por trás de cada calma aparente dos estúdios de criação, Exterior, Interior, Color and Trim, Modelação e Modelação 3D, existe um pequeno exército terrorista se digladiando com as áreas de engenharia, marketing, produção, fornecedores e qualidade.
Vamos a algumas delas:
FILOSOFIA DA MARCA – linguagem de Design
Este é um fator bastante limitante, já que dependendo da filosofia da marca, o design está proibido de usar certos recursos visuais ou soluções que não sejam “reconhecidas” da marca.
Neste item, o grupo Volkswagen é bastante castrador, já que como o grupo agrega 12 importantes marcas, cada uma deve ter suas próprias características visuais para compor seu caráter. Exemplo: uma grade dianteira tipo Audi nunca poderá ser usada num Volkswagen, ou Škoda, ou Seat, e assim por diante.
Isso se estende a praticamente todos itens de aparência. Rodas, faróis e lanternas, tratamento da superfície, linhas de caráter, materiais, cores, enfim tudo que possa imprimir caráter à marca especifica.
Portanto, dentro do próprio grupo já existe uma grande competição para quem vai usar qual ideia primeiro, sem contar que vencida esta parte vem o mesmo conceito quanto aos competidores.
Um Audi não pode usar uma característica da BMW ou Mercedes.
Ainda dentro deste mesmo enfoque, a posição hierárquica do Designer-chefe dentro da corporação também é um fator bastante importante para que o Design tenha voz de comando no que se refere às suas responsabilidades.
Citando mais uma vez a marca Volkswagen, embora Designer-chefe apresente seus itens diretamente ao presidente-executivo, ele se reporta ao chefe de engenharia, que em sua grande maioria se acha apto a dar “pitacos” no Design, já que ele é o chefe do grupo.
Somente para comparação, nossos antigos colegas Peter Schreyer (Hyundai/Kia) e Tomaz Ingenlad, (Volvo), que foram importantes chefes na VW, só puderam mostrar definitivamente sua plena criatividade quando se viram livres de todas limitações políticas, já que hoje exercem posições de presidente-executivo,isto é, não tem ninguém dentro da companhia que tenha mais poder que eles, nem o presidente, já que eles também o são.
PLATAFORMA
Tudo começa com a “plataforma” que “empacota” todos os grande elementos mecânicos do carro e que acaba sendo definido pela engenharia.
Considera-se como plataforma, todo os assoalhos, painel de fogo, longarinas que acolhem o
“powertrain”, ou seja, motor, câmbio e sistema de tração, sistema de escapamento e tanque de combustível, além de eixos e rodas, sistema de direção, etc.
As principais dimensões que vêm deste conjunto são as mais importantes em termos de proporção.
Todo designer experiente sabe que o carisma de um carro vem da proporção e não somente da
forma.
Se você aumentar 10 cm de altura em um Ferrari e mantiver todas outras dimensões fixas, o carro
se tornará “cômico” feio, uma piada.
E como é o carro ideal? Baixo, largo, com boa distância entre eixos, rodas maiores possíveis, balanço dianteiro pequeno e balanço traseiro grande. Estas são exatamente as dimensões que são ditadas pela plataforma.
ERGONOMIA
O próximo fator é a maneira como você posiciona o “manequim” dentro da plataforma. Na realidade, o primeiríssimo elemento limitador é a “arquitetura” da plataforma.
Resumindo: motor dianteiro, motor traseiro, ou centra-dianteiro. e central-traseiro.
Eu diria que 80% dos carros de produção em massa são de motor dianteiro, que pelas
características de custo é a mais usada, já que ele agrega num bloco o motor, câmbio e a tração.
A isso chamamos “powertrain”.
Também porque o motor está à frente do eixo dianteiro, logo em seguida vem os pés do manequim na área de pedais, outro ponto decisivo no ergonomia como um todo.
A partir dos pés (pedaleira) se escolhe o Ponto H. que seria o centro do quadril, fêmur e coluna. A altura do ponto H determina o conforto de acesso e de trabalho de direção.
Carros esportivos, ponto H baixo, SUV, ponto H alto.
Depois vêm ângulos de conforto da coluna e aí você já tem a cabeça do manequim posicionado,
portanto já poderá saber, incluindo os espaços para movimentação, altura dos manequins, folga
para o revestimento do teto e, portanto, altura final do teto (aço) externo do carro.
Carros “normais” são para 4 pessoas ou no Brasil, 5 pessoas. Portanto, aplica-se o pacote de ergonomia dos bancos traseiros, posicionamento do tanque e estepe e volume desejado de bagagem!
Com estes elementos você tem um desenho de “Package” inicial, para iniciar o perfil externo
lateral.
CONDIÇÕES DE PISO DO PAÍS
O Brasil é considerado um país de estradas ruins, o que é uma grande verdade. Eu chamaria, para ficar mais leve, um país “off-road”, e é por isso que os SUVs fazem esse sucesso estrondoso. Em países onde há neve eles também são muito bem-vindos, mais pela praticidade do que outra coisa.
O carro mais alto em relação ao solo tem pior desempenho aerodinâmico, e é mais deselegante. Carro bonito é carro baixo, socado, veja os campeonatos de marcas, e os de competição em
geral.
CONTRASSAÍDA / FLEXIBILIDADE DA CHAPA
Esta é uma das leis da natureza mais odiavas pelos designers. As peças de chapa são formadas pelas ferramentas de prensagem, as forma num sanduíche pelo macho e a fêmea da ferramenta. Depois de formar e recortar o excesso, a ferramenta tem que “abrir” e a peça tem que sair da
“fêmea”.
Portanto, nenhum ponto da superfície da peca pode ter uma contrassaída em relação ao movimento de abertura da ferramenta.
Isso parece tão óbvio, mas os problemas e limitações que surgem deste princípio básico são
devastadores, pois na maioria dos casos, após as análises feitas pelos técnicos, a superfície, os detalhes têm que ser bastante modificados, reduzindo muito a dramaticidade que o designer queria alcançar na sua escultura.
O Design e engenharia gastam milhares de horas analisando e resolvendo estes pontos. Hoje, os programas de predição já detectam os problemas com grande antecedência, mas mesmo assim resta ao designer resolver visualmente o problema.
É claro que você pode resolver certos detalhes, implementando “gavetas” nas ferramentas, que
trabalham com movimentos extras para resolver algum problema crítico de saída, porém tudo é
também uma questão de custo, pois a ferramenta de prensagem fica cada vez mais complexa e
cara conforme você acrescenta gavetas, com mais acionadores e circuitos, tudo respeitando milésimos de milímetros de tolerâncias na construção.
Na verdade as monstruosas ferramentas de prensagem de pecas de carroceria são tão precisas quanto relógios suíços, porém com tamanhos e pesos descomunais.
Abaixo uma linha de prensas com três ferramentas a serem montadas.
A linha produz uma peca de cada vez, fazendo estoques. Por exemplo, após 1.000 chapas externas de para-lama serem batidas, muda-se todas ferramentas, e se produz 1.000 pecas da chapa externa da porta, estocam-se, e assim vai por centenas de vezes, conforme o volume de produção.
PODER DE INVESTIMENTO / QUALIDADE E SOFISTICAÇÃO
E aí vem a capacidade da companhia de gerar clientes suficientes de paguem carros mais
sofisticados, que exigem investimentos maiores.
A redução de custo para carros mais acessíveis limita de muitas maneiras o designer, não só pela
proibição de uso de tecnologia avançada para a construção das peças, como para a qualidade dos
materiais aplicados nas peças.
Carros com baixíssimo volume, Ferraris, Bentleys, McLarens, etc, se permitem usar fibra de carbono, alumínio, metais exóticos, materiais de revestimento feito sob medida, para sua construção individual.
O operador de linha de montagem de um carro “normal” (até R$ 100.000) montam centenas da mesma peça num dia; o operador nas marcas de luxo e experimentais montam somente um carro completo em alguns dias.
O baixo volume traz a liberdade para o designer, mas junto com ela altíssimos custos de desenvolvimento.
GEOMETRIA DE PECAS MÓVEIS
Outro terror! O designer vê o carro como uma escultura única, mas infelizmente nos precisamos entrar nele, pôr bagagens dentro dele, dar uma olhada no motor, para manutenções… Então temos que criar as linhas de “gaps”, para portas, tampa traseira e capô.
Também temos linhas que dividem as partes de aço com as de plástico, como a dos para-choques,
tampa de combustível, assim como dezenas de linhas no interior que também têm a ver com peças móveis.
Quando se trata de peças fixas, que não se mexem, a coisa fica um pouco mais fácil, mas as
peças móveis são um pesadelo.
Um exemplo típico são os “gaps” de portas. Por causa de sua movimentação dificilmente a linha ideal para o design fica intacta.
SEGURANÇA ATIVA E PASSIVA
A segurança ativa e passiva trouxe um enorme aumento de necessidade de espaço para acomodar os módulos de arbags, reforços e longarinas superdimensionadas por causa dos crash tests, posicionamento preciso de sensores que têm por bem ou por mal se adaptar à superfície
imaculada, isso sem mencionar as novas leis de proteção ao pedestre, ainda frouxas no Brasil.
AERODINÂMICA
Sendo a gota a forma ideal, imagine as brigas com a turma do túnel de vento para escapar desta
charada.
Traseiras truncadas, defletores, “downforce”, área frontal, turbulências, ruídos de vento são apenas alguns dos obstáculos que temos que “acomodar” no veículo.
Esta serie de atributos, zonas de problemas aerodinâmicos, foram durante as ultimas décadas sendo descobertas e aplicadas nos modelos.
Hoje, todos automóvel moderno tem que passar e atender a uma série de normas e truques que têm a missão de melhorar o carro aerodinamicamente, mas a ciência da aerodinâmica automobilística é pouco explorada pelo marketing em geral, pois os interesses e novas tecnologias são o ponto principal de interesse de fabricantes e clientes.
PECAS MODULARES
Os grandes grupos desenvolvem certos módulos que acabam sendo usados em vários modelos.
Um bom exemplo são os volantes. Por nós, cada carro deveria ter seu próprio volante, como era no passado.
Porém hoje com toda tecnologia embutida nessas peças, e com o custo de desenvolvimento de
cada uma, que devem atender vários fatores de funcionalidade e segurança, um mesmo volante é
praticamente usado para todos carros.
Pedais, alavancas, trincos externos, espelhos retrovisores, estruturas de bancos, acionadores,
módulos de segurança e controle, são só algumas das peças visíveis que têm que ser
compartilhadas em vários veículos, muitas vezes influindo e proibindo uma evolução da forma.
POLÍTICA INTERNA
Bom, essa não tem como se safar. Todo mundo acha que entende de design tem sua própria visão, e se você não estiver devidamente protegido por forças superiores, eles vão influenciar no design.
Palpite é o que não falta, muitas vezes escondendo reais intenções de redução de custo e
direcionamentos de fornecedores e tecnologia.
Precisa ter uma mão firme por parte do chefão mais graduado para a proteção das intenções do
Design, porque senão os vários níveis de interferência acabam destruindo a intenção de design,
que é liderada pelos únicos (designers) dentro da indústria que têm uma visão mais aproximada
das tendências de forma e materiais que virão no futuro.
LV