Ao longo de minha carreira como engenheiro aprendi a entender e a valorizar o automóvel em todos os seus atributos funcionais, analisando a sua coerência como um todo. Conjuntos excelentes nem sempre têm excelência em todos os seus atributos individualmente, mas a dose certa para que o consumidor os valorize. Esta é a principal dificuldade que eu vejo nos projetos virtuais, onde geralmente os engenheiros projetam as partes individualmente com regras e procedimentos-padrão, esquecendo a interação entre as partes.
Confesso ao leitor que trabalhando na Ford, algumas vezes desejei instalar o oval em alguns veículos da concorrência que eu particularmente gostava em razão de seus conjuntos coerentes. Um desses veículos foi o Volkswagen Golf, com o estilo marcante definido pelo mestre Giorgetto Giugiaro e que iniciou a sua história de sucesso em maio de 1974 quando foi apresentado na Alemanha. Leve, com peso em ordem de marcha de 790 kg, mostrava linhas simples e funcionais com a coluna traseira larga dando aparência robusta ao veículo e que foi a sua marca registrada ao longo dos anos e ainda é.
O VW Golf seguia os princípios mecânicos do VW Passat 1973 com a adição da montagem transversal do motor e câmbio que permitia uma frente mais curtinha que o seu irmão. Suspensão dianteira McPherson com raio negativo de rolagem e suspensão traseira com eixo de torção.
O raio negativo de rolagem contribui para a estabilidade direcional e para a segurança em caso de eventos singulares como, por exemplo, perda de ar súbita dos pneus, perda de um dos circuitos diagonais do freio, impacto contra obstáculo, frenagem em piso com diferentes coeficientes de atrito por roda, entre outros. O segredo do raio negativo de rolagem é anular automaticamente qualquer força da perturbação e assegurar que que o veículo se mantenha na trajetória.
E foi na época da Autolatina que tive o prazer de dirigir um Golf GTI Mk1 que estava preservado na VW. Com motor 1,6 de 110 cv, herança do Audi 80 GT, e injeção mecânica de combustível Bosch K-Jetronic, acelerava de 0 a 100 km/h em 9 segundos e tinha a velocidade máxima de 180 km/h. Fiz uma rápida avaliação entre a fábrica VW e o Caminho do Mar, a estrada velha de Santos, e fiquei impressionado com o seu desempenho e estabilidade “de kart”, com a direção de respostas rápidas e precisas. O seu conforto de rodagem deixava um pouco a desejar, porém o seu comportamento divertido de dirigir compensava toda a dureza do conjunto.
A cereja do bolo era o pomo da alavanca de câmbio em formato e desenho de bola de golfe. Os engates das marchas eram leves e precisos. A embreagem, superdimensionada, mantinha boa modulação sem apresentar patinagens prematuras durante as trocas de marcha. A posição de dirigir, ajudada pelos bancos anatômicos e com bom apoio lateral, complementava este excelente conjunto.
Durante o período Autolatina a Ford ficou sem um carro médio que realmente pudesse competir com o Golf de igual para igual. O que chegou mais perto em termos de conjunto foi o Ford Escort com motor Zetec 1,8 16V em 1997. Com câmbio bem longo e motor elástico, tinha excelente desempenho, 0 a 100 km/h em 9,8 seg e velocidade máxima de 200 km/h. Lembro-me que nem os Kadett GSi da GM eram páreo para o Escort. Enquanto o Kadett estava no limite em 5ª marcha, o Escort em quarta marcha levava bonito e ainda com reserva para as descidas.
O compromisso estabilidade e conforto não era realmente o forte do Escort. Sua suspensão traseira por eixo de torção e buchas pequenas, com pouca isolação, transmitiam as irregularidades da pista. A suspensão dianteira muito firme também apresentava desconforto induzindo movimentos laterais aos ocupantes do veiculo. Mesmo assim, o Escort tinha boa estabilidade com comportamento levemente subesterçante, mantendo a segurança em manobras transientes e também em velocidades estabilizadas. Não era nenhuma maravilha em estilo com a grade oval e a mistura de linhas retas e curvas pouco coerentes. O interior era confortável com bom espaço para os ocupantes e sem nenhum item marcante que se distinguisse.
Em 1995 a Ford na Europa pensava em um substituto para o Escort que ainda tinha um nome respeitável, porém já cansado em sua configuração. E em 1998 a Ford deu uma virada radical no segmento dos carros médios, com o lançamento do Ford Focus.
Apresentado no Salão de Genebra em março de 1998, em duas versões hatch 3- e 5-portas, surpreendeu pelas suas linhas arrojadas (New Edge Design), com destaque as lanternas traseiras altas junto ao vidro. Seu interior era impecável com o painel dos instrumentos acompanhando as linhas modernas do veículo, com todos os controles à mão e uma iluminação noturna digna de elogios.
Com posição de dirigir perfeita, o Focus se destacava pelo seu compromisso de estabilidade e conforto de rodagem graças ao trabalho liderado por Richard Parry-Jones, vice-presidente mundial de desenvolvimento do produto da Ford com consultoria de Jackie Stewart, tricampeão de Fórmula 1. Direção precisa e comportamento levemente subesterçante, tinha suspensão traseira multibraço, o que fazia toda a diferença. A variação dos valores dos ângulos de trabalho com o curso de suspensão eram mínimos, garantindo um controle incrível do automóvel com as quatro rodas trabalhando independentemente e com precisão. A pouca rolagem da carroceria, em torno de 3 graus por G, aumentava ainda mais a sensação de segurança do Focus e o prazer ao dirigi-lo. Tinha duas motorizações principais, o Zetec E 1,8, 115 cv e Zetec E 2,0, 130 cv, que lhe garantiam um bom desempenho.
O Ford Focus estreava no Brasil no segundo semestre de 2000 com duas diferenças em relação ao modelo europeu: adição de batente hidráulico nos amortecedores dianteiros e aumento da altura do veículo em 10 mm para ajustá-lo ás condições de rodagem brasileiras. O Focus foi produzido na fábrica de General Pacheco, região metropolitana de Buenos Aires, com toda a linha de montagem remodelada em suas instalações.
Ford Focus e VW Golf, conjuntos diferentes mas com a mesma interação dos atributos que tem feito a grande diferença ao longo dos anos, dando prazer em dirigi-los.
Hoje o VW Golf em sua sétima geração e o Ford Focus em sua quarta, continuam como referência no segmento dos carros médios mundiais.
Nos despedindo de 2018, desejo um Feliz 2019, saúde, sucesso e muita paz
CM
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