A contabilidade das fábricas de automóveis é um indecifrável mistério pois elas estão sempre em Brasília, de chapéu na mão, pedindo (mais) favores, isenções e incentivos. E obtiveram, no final de 2018, o que pediam ao governo federal: um plano de incentivos — Rota 2030 — para balizar pelo menos seus próximos quinze anos.
Mas, na semana passada, uma novidade: só a General Motors, alegando prejuízos nos últimos três anos, foi de chapéu na mão pedir ao governo estadual uma antecipação do retorno de ICMS. E, enquanto isso, sua presidente em Detroit ameaça sair da América do Sul e condiciona sua permanência aqui à realização de lucros.
Num erro grosseiro de comunicação, a GM do Brasil enviou comunicado a seus funcionários pedindo compreensão e apoio neste momento difícil. Que vazou e tornou público seus problemas internos. Ou, talvez, tenha sido este mesmo seu propósito…
Por que só a GM desta vez?
Quem acompanha o setor vê outras empresas investindo, atualizando ou lançando novos modelos, modernizando ou construindo novas fábricas. As asiáticas, por exemplo: Honda manteve uma nova fábrica fechada por três anos mas acaba de iniciar suas operações. Toyota e Hyundai não param de investir, vender e lucrar. A Ford, sem maiores chorumelas, está resolvendo suas aflições operacionais: vai fechar suas gigantescas e ociosas instalações de São Bernardo do Campo, encerrar a deficitária produção de caminhões e do Fiesta e concentrar suas operações industriais em Camaçari e Taubaté. A Volkswagen coloca este ano um ponto final numa longa série de balanços deficitários graças a uma renovação de modelos e enxugamento de operações.
Até dois grupos nacionais acreditam e investem: o CAOA assumiu as operações da Chery e o BTG Pactual (associado a Eduardo Souza Ramos) mantém a produção de Mitsubishi e Suzuki sob franquia.
A GM cometeu erros de gestão nos últimos anos. A começar de sua linha de modelos. Ela se diz líder de mercado (mas é a FCA, somadas as marcas Fiat e Jeep) e o Ônix é o disparado o carro mais vendido do mercado, porém de baixa rentabilidade. E concentra quase metade de suas vendas no chamado mercado de atacado (frotistas), principalmente locadoras, onde a margem de lucro é irrisória. Não é à toa que outras marcas desistiram (ou nem entraram) no segmento.
Não investiu em picapes compactas: mantém sua velha Montana enquanto Fiat, Volkswagen e Renault produzem e lançam novos modelos. E os suves, outra grande paixão do brasileiro? Os modelos de maior volume, Tracker e Equinox são importados do México. E fabrica aqui a Trailblazer. Cometeu vários enganos ao ampliar sua gama: alguém se lembra do Sonic e do Agile de curta e mal explicada permanência no mercado? Esqueceu-se também da tecnologia: enquanto outras marcas já oferecem há tempos os eficientes motores tricilindro em seus compactos, o que faziam seus engenheiros? Por que só chegam agora, com anos de atraso?
Enquanto outras marcas procuram concentrar geograficamente suas atividades, a GM diversifica as suas. Tem fábricas em São Caetano do Sul (foto de abertura), Gravataí, Joinville e São José dos Campos. E centros de distribuição de peças em Mogi das Cruzes e Sorocaba. Qual o custo logístico de cada uma?
Novas unidades industriais no Brasil podem ser extremamente rentáveis, Ford e Fiat que o digam, com suas fábricas de Camaçari (BA) e Goiana (PE) financiadas pelo governo federal e que acabaram de prorrogar por mais cinco anos (até 2025) os generosos incentivos que resultam em operações extremamente lucrativas. O caminho pode ser meio tortuoso e pouco ortodoxo, mas os resultados estão abarrotando seus cofres. Onde estavam os diretores da GM que não perceberam essa oportunidade?
Apesar de quase centenária no Brasil (iniciou suas operações aqui em 1925) e de ter produzido modelos icônicos como Chevette, Corsa, Monza e Opala, a GM dá mostras de ter perdido a bússola que sinaliza seu comportamento num mercado tão peculiar como o brasileiro.
Mas a GM precisa entender que o Brasil mudou. Mal acostumada com as dezenas de anos em que o governo era chantageado por empresas com problemas financeiros e que ameaçavam demitir milhares de funcionários, seus executivos levaram o seu tradicional chapéu a Brasília. E voltaram de lá com a resposta que sempre deveriam ter recebido do Ministério da Fazenda: “Se precisar fechar a fábrica, feche!”
Ponto final no capitalismo de araque: o lucro é da empresa, o prejuízo é socializado…
BF
Foto: media.gm.com
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.