Quando o italiano Alessandro Zanardi pilotou o BMW M8 GTE na 24 Horas de Daytona (EUA), realizada de 26 a 27 de janeiro, ele escreveu o mais recente capítulo de sua carreira de sucesso como piloto da BMW. Apenas dois anos após o acidente na corrida que mudou sua vida, ele já estava pilotando um BMW 320i, adaptado às suas necessidades, no Campeonato Europeu de Carros de Turismo, em 2003. Desde então, ele disputou várias provas pela BMW M Motorsport. Nesse processo, os engenheiros da marca aperfeiçoaram os carros usados pelo piloto, do BMW 320i, BMW Z4 GT3 e BMW M6 GT3 ao BMW M4 DTM e BMW M8 GTE.
“Quando acordei e percebi que não tinha mais pernas, eu não me perguntei ‘o que vou fazer sem elas?’ Mas, vamos lá, o que preciso para fazer tudo o que quero sem pernas?’”, lembra Zanardi, sobre o acidente em 15 de setembro de 2001 num corrida de F-Indy na Alemanha.. Ele planejava um rápido retorno às pistas, mas encontrou ceticismo. Afinal, um piloto sem as duas pernas era inédito no automobilismo. “As pessoas temiam que algo pudesse acontecer comigo, e fiz inúmeros exames médicos para obter minha licença!”. Em Munique, ele foi recebido de braços abertos. “Tive a sorte de a BMW se interessar pelo projeto”.
Essa é a terceira vez que Alessandro “Alex” Zanardi está nas páginas do AE. A primeira foi em 11/04/16, notícia de sua vitória na Maratona de Roma com seu paraciclo. As segunda, seis meses depois, sobre ter vencido, com um BMW M6 GT3, a corrida final do Campeonato Italiano de Grã-Turismo. Agora, mais sobre esse grande piloto as modificações nos seus carros, a partir de um excelente material divulgado pela BMW, de quem Zanardi é embaixador.
BMW 320i e BMW 320si – ETCC e WTCC
A história começou em 2003, com o BMW 320i. Ao lado da BMW Motorsport e do time da BMW na Itália e Espanha, Zanardi planejava correr no final da temporada do Campeonato Europeu de Carros de Turismo (ETCC, na sigla em inglês) em Monza, na Itália. “No início, eu pensei que teria de fazer tudo com as mãos”. Porém, após os testes iniciais Zanardi sugeriu usar suas pernas artificiais: “Os engenheiros estavam um pouco céticos, mas eu tinha certeza de que poderia aplicar força suficiente ao pedal do freio se minha perna artificial estivesse presa a ele e eu pudesse usar meus quadris para aplicar pressão”. Com isso, o sistema estava concluído: um anel no volante foi usado para acelerar, os freios foram operados através da perna artificial e do pedal de freio, e a caixa de câmbio em “H” operada pela mão direita. O sistema foi usado no ETCC de 2003 a 2004 e depois de 2005 a 2009, no Campeonato Mundial de Carros de Turismo da FIA (WTCC, na sigla em inglês), onde Zanardi obteve quatro vitórias no BMW 320i e no BMW 320si.
BMW Z4 GT3 – Série Blancpain GT
Após um hiato dedicado ao paraciclismo, a sua segunda paixão, Zanardi voltou às pistas em 2014, com um BMW Z4 GT3. “Usamos o que desenvolvemos no BMW 320i e deu certo”, diz Zanardi. Uma das poucas diferenças era que ele não trocava marchas pela alavanca, mas por borboletas no volante. No entanto, um novo desafio surgia: em 2015, Zanardi correu ao lado do alemão Timo Glock e do Canadense Bruno Spengler na 24 Horas de Spa-Francorchamps, na Bélgica. Ele compartilhou o cockpit e, com os engenheiros da BMW, precisou modificar o BMW Z4 GT3 de modo que tanto ele quanto os colegas não deficientes físicos usassem o mesmo veículo. “Mostrei aos engenheiros minha perna artificial, que é um tubo oco, e sugeri que poderíamos substituir o pedal de freio por um sistema no qual uma espécie de pino era inserida na prótese”, relata o italiano. “Eles abraçaram a ideia e desenvolveram um pedal de freio muito fino, montado à direita da caixa de pedais. Timo e Bruno usaram os pedais normais de acelerador e freio no meio da caixa de pedais”.
BMW M6 GT3
Quando Zanardi fez sua estreia no BMW M6 GT3 em 2016, o atuador da embreagem foi substituído por uma embreagem totalmente automática, desenvolvida pela ZF, parceira premium da BMW M Motorsport. Para Zanardi, ela desacopla e acopla automaticamente em determinadas rotações do motor e dispensa operação da alavanca de embreagem com uma das mãos. .
Contudo, essa não é a única razão de Zanardi se impressionar com a embreagem automática: “É admirável como esse mecanismo funciona bem. Esta embreagem é extremamente confiável, tem desgaste mínimo e, portanto, dá menos problemas do que uma embreagem convencional. Desde que foi instalada no carro ele funcionou perfeitamente.Ao se arrancar dos boxes é impossível o motor morrer. E mais, não importa se os pneus estão frios ou aquecidos. Ao arrancar, esta embreagem tem capacidade de se modular e otimizar a aderência dos pneus — provavelmente melhor do que no sistema norma.”
A estreia de Zanardi no BMW M6 GT3 foi um sucesso e ele conquistou uma vitória muito aclamada na corrida do domingo, a grande final da temporada do Campeonato Italiano de Grã-Turismo no autódromo de Mugello,na Itália..
BMW M4 DTM e BMW M8 GTE
“O sistema que tínhamos então permitia que eu fosse rápido, até durante várias voltas, Porém, para ser franco, era realmente difícil ficar dentro do carro por muito tempo, ficar sem assistência da minha equipe durante uma corrida de 24 horas”, diz Zanardi. Devido à ausência das pernas, ele não tem extremidades que ajudam a resfriar o corpo através da circulação sanguínea. Além disso, as hastes justas das pernas artificiais não permitem transpiração. “Toda vez que eu saía do carro, estava cozido”, relata o piloto. Ficou claro para Zanardi que ele seria capaz de dirigir por muito mais tempo e se sentir mais confortável no carro sem suas próteses. Assim, ele criou com os engenheiros um sistema que permitiria controlar tudo com seus braços e mãos. Isso teria sido um problema no BMW 320i em 2003 devido à caixa de câmbio em “H”, mas os modernos câmbios e a embreagem automática abriram novas possibilidades.
O pedal de freio foi substituído por uma alavanca de freio, que Zanardi empurrava para a frente com o braço direito. Ela era montada no túnel da transmissão e conectada ao freio. Já a aceleração seria por meio de um anel no volante, operado predominantemente pela mão esquerda. As trocas de marcha ascendentes são trocadas por uma borboleta no volante, e para as reduções, mesmo enquanto freia, há um interruptor na alavanca de freio. As mudanças agradaram ao piloto: “Se o regulamento permitisse, eu poderia fazer uma corrida de 24 Horas sozinho”, diz ele, rindo. “Estou muito confortável no carro sem minhas pernas artificiais. Claro, é um pouco mais complicado devido ao trabalho que tenho de ter com meus braços e mãos — mas do ponto de vista físico uma coisa não tem nada a ver dom a outra.”
O segredo é a paixão
Das primeiras soluções em 2003 até sistema de freio a mão do BMW M8 GTE — o desenvolvimento nunca para no projeto Zanardi — o italiano diz que poder pilotar sem suas próteses “é como vencer uma corrida.” faz questão de salientar o trabalho dos engenheiros da BMW M Motorsport: “É óbvio que é preciso capacidade técnica e esforço — mas acima de tudo, você precisa de paixão. Quando os engenheiros estão levando o trabalho para casa, às suas famílias, demonstram como são apaixonados. O que temos é o resultado da paixão e comprometimento, associado à capacidade técnica.”.
O sistema de freio pela mão no BMW M8 GTE abre “uma nova dimensão”, enfatiza. “Ele também funciona aos outros, ou seja, qualquer um que não possa usar as pernas, mas tem dois braços e pode dirigir este carro”. Após o acidente, ele quando disse que queria correr de novo, foi recebido com ceticismo no meio, o que não ocorreria hoje. “Foi um longo caminho, mas o que atingimos criou novas perspectivas para outros. Ninguém mais pergunta se um piloto com deficiência pode correr. As pessoas querem saber hoje o quão bom você é. As deficiências físicas não importam,já que hoje elas podem ser superadas com soluções especiais.”.
Sumário das soluções adotadas para Alessandro Zanardi
BMW 320i e BMW 320si (2003-2009): pedal de freio modificado, preso à perna artificial; volante com anel acelerador; trocas de marchas utilizando a alavanca de câmbio em H, operada com a mão direita.
BMW Z4 GT3 – Série Blancpain GT (2014): pedal de freio modificado, acoplado à perna artificial; volante com anel acelerador; troca de marchas por borboletas no volante.
BMW Z4 GT3 – Spa-Francorchamps 24h (2015): Pedal de freio anexado à prótese da perna; volante com anel acelerador; trocas de marcha por borboletas no volante; embreagem de comando elétrico por alavancas.
BMW M6 GT3 (2016): pedal de freio fino, semelhante ao usado na 24 Horas Spa-Francorchamps; volante com anel acelerador; mudanças de marchas usando borboletas no volante; nova embreagem automática
BMW M4 DTM e BMW M8 GTE (2018-2019): Alavanca de freio manual para frenagem; volante com anel acelerador; borboletas no volante para troca de marcha, embreagem automática..
BS
Fotos: BMW AG, exceto a do acidente