O recente anúncio de fechamento da unidade fabril da Ford em São Bernardo do Campo leva à indagação: se o cidadão compra hoje ou comprou recentemente um Ford Fiesta ou outro carro que deixa de ser produzido ou importado, durante quantos anos pode contar com a existência de peças de reposição no mercado, de forma a garantir sua manutenção?
Há uma discordância a respeito deste prazo: há quem diga ser de oito anos, há os que afirmam que a obrigatoriedade é de dez anos.
Controvérsia inócua onde ninguém tem razão pois não há prazo estipulado pela legislação brasileira.
Código de Defesa do Consumidor, artigo 32: “Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”.
“Parágrafo único. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.” (meu grifo)
Assim é a lei. Texto já contestado e submetido a pareceres jurídicos vários, mas ainda não se estabeleceu sequer uma jurisprudência sobre o tema. “Na forma da lei” não quer dizer nada. Período “razoável”, menos ainda, pois cada um o interpreta como bem entender.
E o consumidor, como fica nessa?
Depende. Lei nenhuma pode obrigar uma empresa a fabricar (e outras a manterem em estoque) um componente que não tenha demanda mínima. O que prevalece é a regra que funciona para qualquer outro produto: se tem freguês para comprar, tem em estoque. Caso contrário… é prejuízo na certa.
Há uma série de carros que deixam de ser importados ou fabricados, mas com um respeitável número de unidades em circulação. Neste caso, a lei se torna desnecessária pois é vantajoso manter componentes de reposição em estoque.
A Volkswagen (e seus fornecedores de peças) por acaso não tem interesse em abastecer o mercado com componentes de reposição para o Fusca ou a Kombi? A GM fabrica até hoje peças para Opala, Monza e Corsa…
Entretanto, quem assumiria o prejuízo de manter estoque de peças para um carro que foi fracasso de vendas, com poucos rodando no país? Neste caso, o freguês terá de contar com a sorte de o mesmo modelo ter sido fabricado em outro país e existir estoque de peças disponível pela internet.
É só encomendar e pagar com cartão que chega em uma semana! Caso contrário, é apelar para algum artesão capaz de reproduzir a peça com um mínimo de qualidade. E pagar por ela uma pequena fortuna, às vezes mais que o valor do carro. Mesmo assim, algumas são impossíveis de se reproduzir, e pneu é uma delas.
Mas o código de proteção ao consumidor falha em outros itens e há umas tantas outras questões mal explicadas. A “terceirização” de responsabilidade, por exemplo. O cidadão compra um automóvel e, ainda no período de garantia, pifa um componente fornecido por terceiros. Apresentado o problema na concessionária, a recomendação é de procurar diretamente o fabricante do produto. Isso vale para muitos deles, como equipamento de som, bateria ou pneu.
Mas, quem dá à fábrica o direito de negar responsabilidade sobre um item fornecido por terceiros? Qual artigo do código permite a uma fabricante encaminhar seu cliente para uma loja autorizada de uma determinada marca de pneu, pois este apresentou desgaste exagerado?
E o pior: o técnico da loja manda o cliente de volta à concessionária alegando que a causa do problema não está no pneu, mas num defeito da suspensão! Um jogo de empurra em que o dono do carro acaba pagando o pato sem ter a menor responsabilidade. Ou por acaso ele comprou o automóvel sem pneus e foi dele a decisão de equipá-lo com aquela marca de pneu?
Se a moda pega e sabendo-se que um automóvel se utiliza de milhares de componentes produzidos por terceiros (por isso, e coisa só de Brasil, há quem ache ser a empresa uma “montadora”), qualquer dia a fábrica não vai se responsabilizar por mais nada….
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.