Recentemente circulou com grande impacto no Facebook um lote de fotos e um texto que causaram uma enorme celeuma e, certamente levaram muita gente a erro, pois acreditaram neste bem urdido HOAX (palavra em inglês que significa embuste ou farsa. Um hoax é uma mentira elaborada que tem como objetivo enganar pessoas. A internet é um meio onde há a proliferação de vários hoaxes.).
Isto não é um fato isolado, pois volta e meia gaiatos, incautos ou inescrupulosos poluem a internet com estas bobagens, que são potencializadas pela falta de conhecimento específico dos internautas sobre aquele assunto. Neste sentido, adiante eu vou apresentar um comentário do grande especialista em design por computadores que é o Dan Palatnik; nossa finalidade com esta matéria é desmistificar este HOAX específico e alertar a todos para o risco que estas publicações mentirosas causam.
O que estava circulando no Facebook recentemete:
Texto original do HOAX
O VW 2400 Diesel, também conhecido como: “Der Große Totenkäfer”, ou traduzindo do alemão: “O Grande Fusca dos Mortos”.
No final de 1948, um grande surto de peste bubônica começou em Berlim, na Alemanha. No início de 1949, os hospitais foram sobrecarregados com pacientes doentes, moribundos e, finalmente, mortos.
Corpos começaram a se acumular e um transporte médico seguro dos hospitais para os crematórios era desesperadamente necessário … um carro do povo para os mortos e moribundos!
Devido à escassez de veículos disponíveis, os engenheiros da Volkswagen rapidamente desenvolveram uma solução nova e eficiente. Um “station-wagon” Fusca (oficialmente chamado VW Typ 1 2400 Diesel Kombinationskraftwagen – Veículo automotor combinado com motor diesel).
O novo design radical tinha um motor diesel de 2,4 litros da MAN na frente para dar lugar a até quatro corpos na parte de trás. O carro logo ficou conhecido como “Der Große Totenkäfer”, O Grande Fusca dos Mortos. De 1948 até o início de 1951, estima-se que 1.500 Totenkäfers foram construídos, transportando 320.000 pacientes terminais para o Instituto de Pesquisa dos Mortos.
Após o Grande Surto da Praga de Berlim, todos os VW Typ 1 2400 D foram queimados e enterrados nos pântanos ao redor de Neustrelitz, 100 km ao norte de Berlim.
Fim do texto do HOAX.
Outras fotos acompanhavam a publicação, como apresentado abaixo:
Parece que na interpretação do autor deste HOAX a Volkswagen da época devia ter uma equipe da astrólogos, quiromantes e demais gurus de diversas especialidades, pois no texto de descrição ele tinha dito que o surto de peste bubônica tinha começado no final de 1948; pois bem, então como é que o projeto foi aprovado já em 24 de julho de 1947? Vejam a ampliação deste carimbo de aprovação abaixo:
Alguns comentários
Estes desenhos e fotos simulados por computador pertencem ao trabalho de um especialista em computação chamado Andrej Troha, da cidade de Polhov Gradec, na Eslovênia, que decidiu fazer uma brincadeira; aliás muito bem-feita, se bem que como vimos parece que ele foi deixando algumas pistas para os mais detalhistas. Fica cada vez mais difícil acreditar no que se vê na internet.
Esta foi demais: o Andrej extrapolou no devaneio, peste bubônica na Alemanha no início de 1949?
O mais devastador surto da peste negra, como a peste bubônica também era conhecida, ocorreu na Europa medieval!!! A peste negra foi uma epidemia que matou cerca de um terço da população que habitava o continente europeu em meados do século XIV (século 14 corresponde aos anos de 1301 a 1400). A doença era disseminada a partir das pulgas que continham a bactéria causadora da peste (Yersinia pestis).
É inacreditável o camarada ter inventado esta história ocorrendo na Alemanha no final de 1948, e muitos incautos (e, com todo o respeito, os incultos) internautas terem acreditado neste “mega-blaster-hoax”.
Agora vamos um pouco mais a fundo na história com base na plaquinha que foi afixada no para-choque dianteiro, do lado esquerdo, dos “Totenkäfers”:
Alguns médicos que tratavam de vítimas da peste usavam um traje especial. As roupas foram inventadas por Charles de L’Orme (médico francês que atuava em vários países da Europa) e foram usadas pela primeira vez em Nápoles, mas depois se espalharam para serem usadas em toda a Europa. O traje de proteção consistia de um sobretudo leve de tecido encerado, uma máscara com aberturas para os olhos protegidas por vidro e um nariz em forma de bico, normalmente recheado com ervas, palha e especiarias (pois se acreditava que a peste era transmitida pelo “miasma” um tipo de hálito que era emanado pelas pessoas). Os médicos da peste também costumavam carregar uma bengala para examinar e dirigir os pacientes sem a necessidade de fazer contato direto com eles. Abaixo um desenho de época desta indumentária:
Agora, outra estupidez extrema é falar que “engenheiros da Volkswagen rapidamente desenvolveram uma solução nova e eficiente” – que solução nova que nada! Se realmente tivessem sido feitas 1.500 unidades teriam restado vestígios – mesmo se tivessem sido enterrados. Por outro lado, o custo deste tipo de veículo, para um lote de tão poucas unidades seria absolutamente inviável.
Em 1948 Nordhoff já estava na VW e jamais se falou nesta estupidez… E a análise mais cuidadosa das fotos que acompanham este HOAX mostra que o Andrej Troha se baseou em detalhes de carros muito mais modernos do que os modelos de 1948, tais como tipos de farol, para-choques, etc.
Mas… toda esta comoção na internet com os Totenkäfer ocorreu porque foi apresentada de modo isolado e como sendo um grande furo de pesquisa histórica. Também não havia a indicação de onde vinha este material, o que potencializou a atmosfera de mistério envolvendo o caso.
Não foi muito fácil chegar ao autor desta brincadeira, que acabou sendo de mau gosto dada a repercussão e as acirradas discussões entre os que acreditaram cegamente e os que, como eu, desmistificaram este HOAX desde o início.
Mas entrando no site do Andrej a gente logo vê que ele é um especialista, dentre várias outras modalidades de trabalho no computador, num tipo de realismo fantástico e que ele desenvolve histórias fantasiosas para cada um de seus trabalhos, vamos ver alguns exemplos:
Eu acho que estes HOAXES são muito negativos, eu os comparo a vandalismo, no caso histórico; coisa que pode até deixar as pessoas confusas sobre, por exemplo, a história do Fusca.
Uma coisa semelhante foram os Fuscas “novos” que foram desenhados por computador pelo IDD – Irmão do Décio, que foram apresentados por terceiros, talvez de má fé, como estudos para a volta dos Fuscas à linha de montagem, com uma roupa mais nova. Volta e meia eu recebo mensagens com perguntas de quando a tal produção de Fusca em versão nova irá iniciar…
Como se pode ver até hoje estes devaneios incutidos por informações falsas na internet nutrem os devaneios de muito incautos que foram levados a acreditar nesta possibilidade. Eu até escrevi uma matéria sobre estes devaneios: FAKE: MAS COMO SERIA UMA POSSIBILIDADE REAL?
Neste momento eu tenho que esclarecer que numa visita recente ao site do IDD – Irmão do Décio eu verifiquei que há sim cuidado para indicar quando uma dada imagem não se refere a um objeto real. Na área que trata de como poderiam ser “novos Fuscas” se encontra a frase (em letras pequenas): “O projeto do novo Fusca apresentado nesta postagem é meramente um estudo, uma obra fictícia modelado em um programa 3D, não condiz com a realidade”. Confesso que numa visita anterior eu não tinha encontrado esta frase.
Em outros casos na própria imagem é acrescentada a observação “IMAGEM FICTÍCIA”, como no exemplo abaixo que também é um Fusca espichado, com quatro portas:
Dan Palatnik
Ele se define como artista digital e modelador 3D, mas para mim ele é um dos grandes, em nível mundial, na digitalização e renderização de automóveis de todas as épocas, mesmo os que nunca existiram.
Aliás ele participou de uma matéria épica na qual se pode ver como ele criou em 3D um carro do qual só se tinha um desenho lateral: PIAN GT EM 3D, HOMENAGEM A UM GÊNIO DO DESIGN BRASILEIRO .
O Dan além de fazer imagens digitais de automóveis existente também dá asas à sua imaginação realizando estudos de carros que poderiam ter sido produzidos. Mas isto é feito de uma maneira tal que não levante conjecturas mirabolantes por parte dos internautas. Vamos a alguns exemplos:
Que tal um Aero Willys 2600 perua?
Ou um FNM 2000 JK conversível?
O que você diria de variações sobre o tema Kombi Corujinha?
Pedi ao Dan, na qualidade de um especialista sobre o assunto, que colocasse a sua opinião sobre o atual estágio da técnica digital de imagens e seu impacto sobre as pessoas, e ele enviou o seu parecer, com o qual eu concordo plenamente:
“Hoje em dia recebemos mais informação do que podemos processar. O que é real? O que é manipulado? Fica cada vez mais difícil distinguir a diferença. A imagem deixou o suporte convencional – filme, tela, fita, papel – e se fixou no eletrônico.
Pincel (ou outra ferramenta), tinta (ou outro meio) e papel (ou outro suporte) se fundiram na neutralidade absoluta dos pixels. O tratamento de imagem vai se sofisticando, com técnicas, filtros e plugins cada vez mais convincentes.
Uma foto “de época” pode ser criada em minutos, e reconhecida como tal na tela do computador ou tablet. Há receitas de como manipular imagens ao alcance de todos, nem é necessário ser profissional.
E isso para ficar na manipulação de imagens prontas. Nem falo das “colagens”, se é que se pode chamar colagem a montagens e fusões de diferentes objetos numa mesma imagem, onde as transições e cortes são quase impossíveis de perceber.
Os filtros de cor nos filmes atuais reproduzem paletas de “época”, como se o espectador assistisse a uma foto de revista antiga em movimento. Ainda temos o 3D, em que cenários e objetos são criados do zero e que, quando bem executados, podem passar por realidade.
E vamos nos acostumando com os efeitos especiais: até uma realidade “aumentada”, alterada através da cor ou contraste já pode ser tomada pelo público como “normal” ou “real”.
Abre-se a porta para a desinformação e a falsificação. Já perdi a conta de quantos carros-conceito gerados em 3D são apresentados como reais, às vezes tão convincentes que fica difícil descartá-los como simples simulações digitais. O problema está menos na busca pela perfeição, que é inerente à obra, e mais na intenção de enganar.
Exemplo: crio um conceito deliberadamente fictício e o publico como minha criação. Alguém da plateia vê e passa adiante omitindo que é uma simulação. Uma terceira publicação junto a um texto ficcional: pronto, bastou uma informação falsa e passamos da simples invenção para a falsificação.
Toda imagem é real se a podemos ver. A questão é se o que ela mostra é real ou não. Entre aceitar tudo como verdade, ou desconfiar que tudo é manipulação, adote um distanciamento crítico e pergunte: isso é mesmo real?
Geralmente se pode buscar uma imagem e encontrá-la em sua publicação original, onde é descrita como criação ou invenção. Então cuidado: antes de passar adiante, verifique sua veracidade. Ou espere alguém confirmar sua suspeita.”
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Esta não é a primeira matéria que escrevo sobre os assuntos HOAX e FAKE na Internet, acredito que não será o último. A circulação de informações deste tipo e feita de várias formas, como apresentações em PowerPoint. Mas é inevitável que a mesma coisa, passado um tempo, volte novamente e “pegue” uma nova leva de incautos e tudo começa de novo.
Mas como se diz atualmente: “#ficaadica”, ou seja, “hash tag” fica a dica; este é mais um esclarecimento e um chamamento para que todos tenham sempre um olhar crítico e se precavenham ao encontrar postagens “estranhas” na internet.
AG
Registro aqui o meu agradecimento ao amigo Dan Palatnik por mais esta participação aqui na coluna “Falando de Fusca & Afins”, desta vez com um parecer importante sobre o assunto. Fico esperando por uma próxima oportunidade de ter o Dan dividindo o seu conhecimento e a sua expertise em outra matéria.
NOTA: Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções, etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
Em alguns casos material pesquisado na internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.