Acredito piamente que a função principal de um jornalista é informar. Pode opinar, é claro, desde que deixe claro o que é achar e o que é fato. Mas quando digo informar digo não apenas dar a notícia quando ela ocorre, mas também seus desdobramentos e acompanhar ao longo do tempo o que houve.
Fico muito intrigada quando procuro na internet saber o que aconteceu com alguma iniciativa e não encontro dados. Nossa imprensa é pródiga em ir a anúncios de que uma empresa vai investir tanto, vai lançar isto e aquilo mas… será que ela realmente investiu o que tinha anunciado? Ela realmente fez o lançamento prometido? Ou fez o lançamento e o cancelou logo depois? O mesmo em relação aos “especialistas” e aos palpiteiros em geral. Os vaticínios se confirmaram?
Pois é, geralmente, não. Para ficar num dos meus assuntos prediletos, o trânsito, quem não se lembra quando o então prefeito de São Paulo João Dória anunciou no início de 2017 que cumpriria a promessa de campanha e aumentou a velocidade máxima em alguns trechos das marginais dos rios Pinheiros e Tietê? (foto de abertura). As carpideiras e os alarmistas de plantão reagiram prontamente: vão aumentar os acidentes, as mortes, o trânsito vai piorar… e por aí vai. Teve uma associação de cicloativistas que “exigiu” da Prefeitura um compromisso de que não haveria mortes no trânsito — puro marquetingue, já que é algo obviamente impossível. Só faltou alguém bradar pelo fim da Lei da Gravidade por decreto. Então, vamos direto ao spoiler (jargão nas redações para dizer que algo não deu certo, “furou”): não houve aumento no número de mortes no trânsito nas marginais Pinheiros ou Tietê em 2018 — os números ficaram exatamente iguais aos de 2016 quando a máxima era de 70 km/h em vez dos 90 km/h implementados em 25 de janeiro de 2017.
Era mais um achismo do que algo concreto e as poucas teorias que tentavam embasar as opiniões eram furadas — a principal era aquele vídeo dos grãos de arroz escorrendo por um funil, que teoricamente, “demonstravam” que andando mais devagar chega-se antes a algum lugar. Propositadamente escrevo “demonstravam” entre aspas pois para mim isso equivale ao tal “fulano garante que…”. Garante como, cara pálida? O executivo “garante” que o avião da empresa dele não vai cair. O deputado “garante” que não é corrupto. Ah, fala sério!. No máximo, a criatura afirma. Garantir só se der em caução todos seus bens, se retirar um rim se isso não acontecer… e mesmo assim, estou sendo condescendente. É “afirma” ou “diz”, no máximo.
Mas como pessoa pragmática que sou costumo não me precipitar nem tiro conclusões sem um mínimo de dados, embora em 6/4/2017 tenha feito um microbalanço preliminar do primeiro mês da medida, ainda no torvelinho da imprensa e dos ativistas furiosos com a nova velocidade máxima.
Escrevi aqui nesta coluna do dia 3//5/18 também sobre esse assunto. Costumo pagar muitíssimo menos mico do que os afobados, embora tenhamos ficado os últimos meses sem aqueles jornalistas que faziam plantão diário nas marginais noticiando cada totozinho que ocorria — prontamente divulgado por blogs e internautas contrários ao aumento da velocidade. Confesso que não sei se eles deixaram de lado essa questão porque perceberam que nada mudou ou porque não tendo nada a criticar procuraram alhures assuntos para atacar seus detratores políticos.
Então, vamos ao meu assunto favorito: números. Em 2016 morreram 27 pessoas em acidentes nas duas vias. Em 2017, com o aumento da velocidade, o número foi a 32. Em 2018 foram exatamente 27 mortes. Tudo com os números do Infosiga (Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo) para manter o padrão comparativo. Nem vou mencionar o aumento na frota de veículos da cidade, que chegou a 8,6 milhões de carros, motos, ônibus e caminhões e, 2018 nem de 300.000 habitantes a mais na cidade em 2018 comparado com 2016. Passamos de 7,2 veículos por 10 habitantes em 2016 (eram 7 em 2015) para 7,4 em 2018, segundo pesquisa da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). Mas vamos deixar assim, números absolutos e lembrar que em toda a cidade de São Paulo apenas as marginais tiveram aumento na velocidade máxima. Nenhuma outra via passou por esse processo
Ainda assim, vai aí um comparativo: o número de mortes em todas as ruas de São Paulo caiu 0,1% no ano passado quando comparado com 2017 — exatas 884 mortes ante 883 no ano anterior. E aí? Novamente, é evidente que segurança no trânsito não tem a ver com velocidade. Aliás, mesmo quando confrontados com números desse naipe os xiítas da velocidade de tartaruga diziam que haveria reflexos e mais mortes nas demais vias. Bem, não houve. Os acidentes fatais subiram consideravelmente com pedestres e motociclistas e foram responsáveis por 83% das fatalidades do ano passado. É óbvio que um pedestre ou um motociclista é mais frágil do que alguém dentro de um ônibus ou caminhão, mas se com velocidades mais baixas em tantas ruas da cidade continuam morrendo pessoas a pé parece lógico deduzir, mais uma vez, que não é a velocidade que é decisiva.
No ano passado, em 3 de maio escrevi aqui que várias outras medidas haviam sido adotadas nas marginais juntamente com o aumento da velocidade máxima. Aliás, é bom lembrar que ninguém é obrigado a andar nela — basta ir para a faixa da direita e deixar quem quer, pode ou precisa andar mais rápido, né? Certamente foram as outras medidas que significaram mais segurança no trânsito: sinalização melhor e mais clara, com placas que mostram centenas de metros antes que haverá redução do limite evitando as freadas bruscas e permitindo que o motorista programe a redução na velocidade; instalação de sonorizadores na pista para os mais distraídos; sinalização melhor nas vias de acesso às marginais, inclusive com faixas de pedestres corretamente sinalizadas, entre outras medidas.
Lembro também que nos primeiros meses do aumento da velocidade máxima nas marginais houve aumento de mortes no trânsito em 8 das 10 vias mais letais da capital apesar de uma redução de 7% no número de mortes no trânsito como um todo. Detalhe: em nenhuma dessas 10 vias tinham sido alterados os limites de velocidade e poucas delas estão medianamente próximas das marginais. E no mesmo período o número de acidentes com vítimas não fatais havia caído nas marginais. Vale a pena também destacar que passaram a ser computados acidentes nas marginais aqueles que ocorriam nos acessos a essas vias — algo que até 2017 não ocorria.
Também relembremos que há quem acredite que em 19 meses, de abril de 2015 a outubro de 2016, não teria havido atropelamentos com vítimas nas marginais porque a Prefeitura assim o divulgou — alguns até estendem isso a dizer que “não houve mortes nas marginais em 19 meses”. Além dos óbvios problemas cognitivos ou da falta de pesquisa, má fé ou a soma de todas as anteriores, falta memória. Novamente, bastaria digitar no Google e olhar tudo o que aparece em vez de parar no primeiro link e encontrar mais informações. Em todo caso, eu também escrevi sobre isso aqui. Houve, sim, mortes por atropelamento nas marginais nesse período, embora as autoridades tenham dito que não e a imprensa, mais uma vez sem fazer seu papel, tenha comprado esse peixe. Aliás, mortes divulgadas pela imprensa, que não se deu ao trabalho de checar os próprios arquivos antes de publicar o que as “otoridades” anunciavam. Jornalismo básico, né?
Mudando de assunto: caros leitores, estou trabalhando em algumas colunas com pedidos especiais feitos por vocês. Peço apenas um pouquinho de paciência pois alguns assuntos acabam atropelando a rotina e sempre faço questão de pesquisar profundamente tudo. Mas tenho ótima memória. Se não atendo não é porque tenha esquecido, ok?
NG