A atividade mais desejada dentro de um estúdio de Design de automóveis é liderar um “modelo de Exterior”. Mas como é que este modelo é construído e por quê?
Antes de iniciar o modelo em escala 1/1 é necessário cumprir um ritual.
Primeiro uma avalanche de desenhos rápidos com as futuras propostas. Depois de filtrados, os designers capricham nos sketches, e para apresentação de decisão de tema os exprimem em grande formato.
De lá, vão sair vários temas que serão materializados em modelos em escala 1/4. Esta série de modelos já obedecem aos parâmetros de Package, ou interior, e são construídos em pequenas mesas de trabalho, análogas às pontes de trabalho em escala 1/1.
Para cada modelo existe um desenho, também em escala 1/4, da lateral da proposta, de onde os modeladores “tiram” as linhas principais, como, linha “zero” central, vista de planta, vista de frente (para definir a curvatura e inclinação dos vidros, e assim, com a orientação do designer vão esculpindo um lado do modelo, que depois de finalizado e aprovado pelo chefe do estúdio são simetrizados.
Os vários modelos serão finalmente apresentados para a diretoria, junto com toneladas de informações técnicas e financeiras, que só crescerão conforme o modelo vai se desenvolvendo. Entre os vários modelos 1/4, são escolhidos, pela diretoria plena da companhia, normalmente envolvendo também a diretoria alemã, que dão a palavra final de quais modelos seguirão em frente e se tornarão modelos em escala real, “1/1”.
Enquanto isso, as bases para os modelos 1/1 são construídas, uma estrutura fortíssima para sustentar mais de 1.000 kg, de aço, espuma de poliuretano e finalmente uma camada de cerca de 100 mm de “clay”, material usado para esculpir os modelos.
Mas antes de se aplicar o clay, o modelo recebe um fechamento da estrutura, em madeira compensada, e uma grande quantidade de espuma para “encher” todo interior do modelo, especialmente para aliviar o peso final.
O modelo é muito pesado, tem que se movimentar entre oficina, áreas de pintura, salas de apresentações e no nosso caso, em viagens internacionais, carregados do chão para um contêiner que será manuseado pela alfândega, como carga de avião, caminhões e operadores de guinchos e empilhadeiras enormes até chegar ao destino final.
Se a estrutura “torcer” o clay pode trincar. Se isso acontecer, o modelo está condenado para sempre, e a cada apresentação tem que ser “corrigido, pois o trinco sempre volta. Os modelos mais modernos usam verdadeiros trilhos de trem como chassi para evitar a torção longitudinal.
O clay é aplicado manualmente e não pode haver bolhas ou mínimos resíduos, como areia, pois na hora do acabamento final a superfície não fica 100%, e na área de Design tudo tem que estar 100%.
Nos dias de hoje, baseado em programas de superfície matemática, o clay é fresado durante a noite.
Após a primeira fresagem de superfície os modeladores põem a mão na massa, “limpando” as marcas de fresa e finalizando a superfície até virar quase um espelho.
Para o início do modelo, a primeira grande superfície que já tem que estar definida são os “tonéis” dos vidros laterais.
Como os vidros laterais têm que se recolher para dentro da carroceria através de trilhos paralelos, esta superfície obedece uma curvatura com geometria exata, precisa, senão os vidros vão travar na hora da movimentação.
Além disso, as curvaturas nas duas direções da superfície são indispensáveis para o bom comportamento dos “highlights”, que têm que estar em harmonia com os reflexos da carroceria.
Durante o processo temos muitas correções, sejam porque a visão do carro físico é diferente da visão do carro visual, como é o momento de imprimir algum destaque ou melhoramento, antes que o modelo entre na fila do acabamento para as apresentações para os caras mais chatos e conhecedores de qualidade de construção da face da Terra.
Pintura impecável, gaps perfeitos, frisos, espelhos, trincos, antenas, grades, faróis e lanternas,
vidros (feitos em acrílico), com guarnições de borracha, com friso metálicos incrustados.
Cada peça tem que montar perfeitamente, as rodas e pneus brilhando.
Os faróis e lanternas são fake, pois a forma final do interior de um farol vem muito mais tarde no projeto, normalmente quando carro está na fase de Job One para produção. Então, cortamos parábolas e elementos de faróis existentes e criamos uma plataforma para encaixá-la na superfície.
Não pode haver nem uma marca de digital na superfície do modelo.
Quando a diretoria e seus assistentes invadem o salão de apresentações para discutir Design, tudo tem que estar perfeito.
Na Matriz, as apresentações de Design são grandiosas, envolvendo centenas de funcionários e outras centenas de terceiros, de outros estúdios, motoristas, estrategistas, mecânicos, modeladores e pintores.
Lá, como aqui, existe uma lista de apresentação enorme, que tem que ser cumprida dentro de
um horário rígido de início e fim.
Nós, que normalmente “cuidávamos” de carros, baratos e pequenos, sempre estávamos entre os
primeiros a serem apresentado, portanto as primeiros a serem dispensados da reunião, que tem
como rotina se estender por horas noite a dentro.
Embora você só possa entrar durante seu ponto de apresentação, nos bastidores era um verdadeiro frenesi de Designers e modeladores finalizando seus trabalhos e o pessoal da logística, puxando com os “Stringos”, modelos de 2 toneladas de lá pra cá.
Depois da apresentação, se o modelo continuar “vivo”, ele volta para a mesa de trabalho, e vai ser reposicionado, com precisão, na ponte, e será digitalizado, e documentado no status do projeto.
O modelo de exterior é submetido a duas grandes apresentações antes da aprovação final, num
período de um ano e meio.
Após a aprovação final, nada mais pode mudar, e a área que provocar uma mudança, seja ela de
milímetros, terá que ajoelhar no milho à frente do presidente da companhia.
Para os designers de automóveis, esperar quatro anos para ver seu modelo virar um carro de verdade é um período bem longo, mas neste “milestone”, ou ponto de programa, o designer já estará começando uma nova missão, porque o estúdio não para e não há tempo para muita comemoração, senão ele fica para trás e perde a oportunidade de “tocar” um novo modelo.
O modelo de exterior é “escaneado” ou digitalizado, e se torna um documento digital e, aí sim, começa a ser analisado profundamente, já que a fábrica como um todo, os fornecedores de ferramentais, meios de produção e os fornecedores de peças finalmente teriam que em dois anos montar os carros de produção.
Sempre passam alguns itens sem finalização ou que vão ser observados conforme,o programa avança em direção à montagem dos protótipos e até os primeiros carro da pré-produção, que sempre provoca ações de emergência de todas as área, e não é de admirar que isso aconteça, sendo o automóvel o produto mais sofisticado que um ser humano pode adquirir.
Na próxima oportunidade vamos falar sobre estas dados matemáticas que impulsionam todo
automóvel até sua produção.
LV
Fotos: acervo do autor